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Os dois lados da mesma moeda: aspectos positivos e negativos da judicialização e do

Ademais, é importante se apontar os aspectos positivos e negativos de ambos os fenômenos.

Sua faceta positiva demonstra que o Judiciário está atendendo a demandas da sociedade que não puderam ser satisfeitas pelo parlamento, em temas como greve do serviço público, eliminação do nepotismo ou regras eleitorais. Já em seu aspecto negativos, restam perceptíveis as dificuldades enfrentadas pelos Poderes Legislativo e Executivo, o que não ocorre somente no Brasil. Dentro dessa perspectiva, duas correntes se desenvolvem: uma que sai em defesa de uma atuação do Judiciário mais forte nas decisões políticas e outra que propõe a imposição de limitações aos juízes e tribunais. Veja-se o que diz Cappelletti.

Tal criatividade, ou para ser mais preciso, alto grau de criatividade, pois bem vimos como se trata essencialmente de problema apenas de natureza quantitativa, pode ser benéfica ou maléfica, segundo as circunstâncias contingentes, de tempo e lugar, de cultura, de necessidades reais de determinada sociedade, circunstâncias, de mais a mais, de organização e estrutura das instituições e, não por último, dos tipos de magistratura que exercem tal criatividade54.

Em postura notadamente favorável ao ativismo judicial, denotando-se um viés substancialista, Ronald Dworkin é favorável à transferência das decisões políticas para o Judiciário, de modo a se concretizar direitos individuais. O que se exige para tanto é a solução dos conflitos postos ao Judiciário por meio de justificativas jurídicas e não políticas. De modo que ele conclui que o controle judicial das decisões políticas democratiza o acesso a direitos, principalmente por parte das minorias, quando o Executivo e o Legislativo se omitem.

Sem dúvida, é verdade, como descrição do bem geral, que numa democracia o poder está nas mãos do povo. Mas é por demais evidente que nenhuma democracia proporciona a igualdade genuína de poder político. Muitos cidadãos, por um motivo ou outro, são inteiramente destituídos de privilégios. O poder econômico dos grandes negócios garante poder político especial a quem os gere.Grupos de interesse, como sindicatos e organizações profissionais, elegem funcionários que também têm poder especial. Membros de minorias organizados têm, como indivíduos, menos poder que membros individuais de outros grupos que são, enquanto grupos, mais poderosos. Essas imperfeições no caráter igualitário da democracia são bem conhecidas e, talvez, parcialmente irremediáveis. Devemos levá-las em conta ao julgar quanto os cidadãos individualmente perdem de poder político sempre que uma questão sobre direitos individuais é tirada do legislativo para o judiciário. Alguns pedem mais que os outros apenas porque têm mais a perder. Devemos também lembrar que alguns indivíduos ganham em poder polítco com essa transferência de atribuição institucional. Pois o indivíduos têm poderes na concepção de Estado de Direito centrada nos direitos, que não têm na concepção

centrada na legislação. Eles têm o direito de exigir, como indivíduos, um julgamento específico acerca de seus direitos. Se seus direitos forem reconhecidos por um tribunal, esses direitos serão exercidos, a despeito de nenhum Parlamento ter tido tempo ou vontade de impô-los. Se algum indivíduo ganha mais do que perde quando os tribunais incumbem-se de decidir que direito ele tem, pode ser uma boa pergunta. O acesso aos tribunais pode ser caro, de modo que o direito de acesso é, dessa maneira, mais valioso para os ricos do que para os pobres. Mas como, normalmente, os ricos têm mais poder sobre o legislativo que os pobres, pelo menos a longo prazo, transferir algumas decisões do legislativo pode, por essa razão, ser mais valioso para os pobres. Membros de minorias organizadas, teoricamente, têm mais a ganhar com a transferência, pois o viés majoritário do legislativo funciona mais severamente contra eles, e é por isso que há mais probabilidade de que seus direitos sejam ignorados nesse fórum. Se os tribunais tomam a proteção de direitos individuais como sua responsabilidade especial, então as minorias ganharão em poder político, na medida em que o acesso aos tribunais é efetivamente possível e na medida em que as decisões dos tribunais são efetivamente fundamentadas55

Já Cláudia de Oliveira Fonseca, citando Vilhena, destaca alguns aspectos negativos. Fale-se num pretenso “império da toga”, na medida em que tal atuação ultrapassaria o limite do razoável, o que pode ter consequências desastrosas, já que em inúmeras situações o judiciário adentra em área que não deveria interferir e acaba por substituir órgãos que, diferente dele, tem representatividade popular por decisões próprias que, em certa medida, carecem de legitimidade56.

Um outro aspecto negativo é que, ao definir as políticas públicas, o Judiciário interferiria na esfera dos demais poderes, cuja responsabilidade é função deles definir.

Ademais, com tal interferência abre-se a possibilidade de piorar programas elaborados por especialistas. O Judiciário tem características estruturais e institucionais que restringem sua capacidade de promover mudanças sociais abrangentes.57

Luís Roberto Barroso, por sua vez, destaca três importantes objeções à crescente intervenção judicial na vida brasileira: há riscos para a legitimidade democrática, há possibilidade de politização da justiça, e também é questionável a capacidade institucional do Judiciário e quais seriam os seus limites.

No que concerne à primeira crítica, é preciso se esclarecer que, ainda que seus membros não exerçam mandato popular, o Judiciário desempenha um poder político, inclusive de invalidar decisões dos outros poderes. E isso se dá por duas razões: uma de

55

DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 31-32.

56

FONSECA, Claudia de Oliveira. A Concretização dos Direitos Sociais: entre a atuação administrativa e o

ativismo judicial. Disponível em:

<http://www.uesb.br/eventos/encontroadministracaopolitica/artigos/EAP015.pdf>. Acesso em: 19 de setembro de 2014.

57

ROCHA, Patricia Carbonel Campos. O Ativismo judicial nas políticas públicas. Artigo Científico Jurídico apresentado como exigência final da disciplina Trabalho de Conclusão de Curso à Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ. Rio de Janeiro: 2009.

natureza normativa (a Constituição brasileira lhe atribui expressamente esse poder) e outro de natureza filosófica (vive-se num Estado Constitucional, o que significa poder limitado e respeito aos direitos fundamentais, e Democrático, no qual o poder é fundado na vontade da maioria, assim a Constituição deve desempenhar dois papéis, o de “velar pelas regras do jogo democrático e pelos direitos fundamentais, funcionando como um fórum de princípios – e não de política – e de razão pública – não de doutrinas abrangentes, sejam ideologias políticas e concepções religiosas). Assim é que o autor conclui:

A importância da Constituição – e do Judiciário como seu intérprete maior – não pode suprimir, por evidente, a política, o governo da maioria, nem o papel do Legislativo. A Constituição não pode ser ubíqua. Observados os valores e fins constitucionais, cabe à lei, votada pelo parlamento e sancionada pelo Presidente, fazer as escolhas entre as diferentes visões alternativas que caracterizam as sociedades pluralistas. Por essa razão, o STF deve ser deferente para com as deliberações do Congresso. Com exceção do que seja essencial para preservar a democracia e os direitos fundamentais, em relação a tudo mais os protagonistas da vida política devem ser os que têm votos, aliás, nessa vida – impondo suas escolhas, suas preferências, sua vontade. Só atuam, legitimamente, quando sejam capazes de fundamentar racionalmente suas decisões com base na Constituição58.

Já no que concerne ao segundo aspecto, a justiça não deve ser politizada, porque o juiz não pode agir por vontade política própria, mas somente segundo a Constituição e a lei. Nesse sentido, deve obedecer somente ao disposto nelas, já que se trata da vontade do legislador, a qual é dotada de presunção de validade. Além disso, sua atuação deve estar em consonância com o sentimento social, sempre que possível, e mesmo que não tenha sido eleito, o que não significa dizer que ele deve ser populista. Deve, aliás, muitas vezes, agir contrariamente a maiorias políticas a fim de conservar direitos fundamentais, pois se trata de condição de funcionamento do constitucionalismo democrático59.

Por fim, há que se ressaltar que, em certos momentos, embora o Judiciário possa intervir, ele não deve fazê-lo. Isto porque há situações em que ele não se apresenta como o poder mais habilitado a prolatar a melhor decisão sobre determinado tema, por falta de informação ou conhecimento específico, o que não ilide sua competência de sempre proferir o pronunciamento definitivo (capacidade institucional). No mais, é preciso considerar a ocorrência de efeitos imprevisíveis e indesejados, de modo que é recomendável cautela e deferência por parte do Judiciário, o que ocorre, porque, como regra, o juiz está apto para promover a justiça do caso concreto (microjustiça), mas não costuma estar pronto para avaliar

58BARROSO, op. cit., p. 12. 59 BARROSO, op. cit., p. 12-15.

os impactos que tem determinadas decisões, proferidas dentro de um processo individual, sobre a realidade de um segmento econômico ou sobre a prestação de um serviço público60.