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A necessidade de imposição de limites ao ativismo judicial

Dentre as questões que envolvem a judicialização do direito à saúde, destacaram- se até o momento alguns pontos: a) o direito à saúde é um direito social e fundamental (está presente na constituição) e dotado de uma dimensão prestacional, a qual impõe uma atuação positiva do poder público no sentido de fornecer prestações materiais que permitam

solidariedade. Dessa forma, cumpre ter presente que a Presidência do Supremo Tribunal Federal dispõe de competência para examinar questão cujo fundamento jurídico é de natureza constitucional (art. 297 do RISTF, c/c art. 25 da Lei 8.038/90), conforme firme jurisprudência desta Corte, destacando-se os seguintes julgados: Rcl 475/DF, rel. Ministro Octavio Gallotti, Plenário, DJ 22.4.1994; Rcl 497-AgR/RS, rel. Ministro Carlos Velloso, Plenário, DJ 06.4.2001; SS 2.187-AgR/SC, rel. Ministro Maurício Corrêa, DJ 21.10.2003; e SS 2.465/SC, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 20.10.2004.5. A Lei 8.437/92, em seu art. 4º, autoriza o deferimento do pedido de suspensão de execução de liminar para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Verifico estar devidamente configurada a lesão à ordem pública, considerada em termos de ordem administrativa, porquanto a execução de decisões como a ora impugnada afeta o já abalado sistema público de saúde. Com efeito, a gestão da política nacional de saúde, que é feita de forma regionalizada, busca uma maior racionalização entre o custo e o benefício dos tratamentos que devem ser fornecidos gratuitamente, a fim de atingir o maior número possível de beneficiários. Entendo que a norma do art. 196 da Constituição da República, que assegura o direito à saúde, refere-se, em princípio, à efetivação de políticas públicas que alcancem a população como um todo, assegurando-lhe acesso universal e igualitário, e não a situações individualizadas. A responsabilidade do Estado em fornecer os recursos necessários à reabilitação da saúde de seus cidadãos não pode vir a inviabilizar o sistema público de saúde. No presente caso, ao se conceder os efeitos da antecipação da tutela para determinar que o Estado forneça os medicamentos relacionados "(...) e outros medicamentos necessários para o tratamento (...)" (fl. 26) dos associados, está-se diminuindo a possibilidade de serem oferecidos serviços de saúde básicos ao restante da coletividade. Ademais, a tutela concedida atinge, por sua amplitude, esferas de competência distintas, sem observar a repartição de atribuições decorrentes da descentralização do Sistema Único de Saúde, nos termos do art. 198 da Constituição Federal. Finalmente, verifico que o Estado de Alagoas não está se recusando a fornecer tratamento aos associados (fl. 59). É que, conforme asseverou em suas razões, Finalmente, verifico que o Estado de Alagoas não está se recusando a fornecer tratamento aos associados (fl. 59). É que, conforme asseverou em suas razões, "(...) a ação contempla medicamentos que estão fora da Portaria n.º 1.318 e, portanto, não são da responsabilidade do Estado, mas do Município de Maceió, (...)" (fl. 07), razão pela qual seu pedido é para que se suspenda a "(...) execução da antecipação de tutela, no que se refere aos medicamentos não constantes na Portaria n.º 1.318 do Ministério da Saúde, ou subsidiariamente, restringindo a execução aos medicamentos especificamente indicados na inicial, (...)" (fl. 11).6. Ante o exposto, defiro parcialmente o pedido para suspender a execução da antecipação de tutela, tão somente para limitar a responsabilidade da Secretaria Executiva de Saúde do Estado de Alagoas ao fornecimento dos medicamentos contemplados na Portaria n.º 1.318 do Ministério da Saúde.Comunique-se, com urgência.Publique-se.Brasília, 26 de fevereiro de 2007.Ministra Ellen Gracie Presidente (STF - STA: 91 AL , Relator: Min. PRESIDENTE, Data de Julgamento: 26/02/2007, Data de Publicação: DJ 05/03/2007 PP-00023 RDDP n. 50, 2007, p. 165-167)

67 Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO (DIREITO À SAÚDE). AÇÃO ORDINÁRIA. REALIZAÇÃO DE EXAMES E PROCEDIMENTOS MÉDICOS. 1. Inexistindo demonstração específica de que a família do paciente não tem capacidade econômica para custear o tratamento médico, é de ser afastada, no caso concreto, a ordem judicial para que o Município custeie os procedimentos e exames médicos pleiteados pelo Ministério Público, ora agravado. 2. Não há que se falar em incidência de multa diária, diante do afastamento do dever de custear o tratamento médico. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, POR MAIORIA. (Agravo de Instrumento Nº 70022320246, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 21/02/2008)

concretizar referido direito na sua máxima efetividade; b) tal efetivação se dá principalmente através das políticas públicas, que se constitutem em mecanismos de ação que resultam de processos juridicamente regulados, os quais se valem das ferramentas de que dispõe o Estado para realizar objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados, nesse caso específico, voltados para a saúde; c) as políticas públicas são função precípua do Legislativo e do Executivo; d) a situação da saúde no país hoje é aviltante; e) diante de circunstâncias como essa, de retração dos demais poderes na efetivação das políticas públicas, a população procura o Judiciário para solucionar problemas que muitas vezes não correspondem às competências de atuação dos magistrados, uma vez que eventuais decisões envolvem questões políticas; trata-se do fenômeno da judicialização da política; f) nessas situações, alguns juízes atuam para além do que deveriam ou mesmo poderiam, demonstrando uma postura ativista.

O ativismo judicial traça uma fronteira fluida entre o mundo do direito e da política. Quando o magistrado ultrapassa tal fronteira, produz riscos e extrapola suas funções, distanciando-se de seus quadros de referência e atuando sob o efeito de influências indesejáveis, como valores subjetivos, preferência, interesse e programas políticos. Ocorre que os agentes políticos não tem capacidade de informação para a tomada de tais decisões, o que desnatura a atividade típica do Judiciário e se torna prejudicial à construção conceitual do Estado de direito, requisito para um sistema político democrático capaz de atender às exigências da dignidade humana. O risco pode estar na perda de medida das decisões, na falta de justificação ou no desvio da atenção quanto aos problemas de reforma política68.

Assim é que o fenômeno da judicialização na vertente do ativismo judicial precisa ser aquilatado, para evitar violação ao princípio da separação dos poderes, a hipertrofia do judiciário, valendo-se principalmente de parâmetros de racionalidade e proporcionalidade.

Não se quer com isso inviabilizar a judicialização, nem mesmo negar a importância que o fenômeno tem na efetivação de direitos. O que se busca alcançar são decisões judicias baseadas na racionalidade, com uma análise prévia e ponderada dos impactos de suas deliberações para a sociedade, na afirmação de direitos fundamentais, na ampliação da cidadania e na concretização do princípio da fraternidade. Para tanto faz-se necessário aliar o conhecimento proveniente de outras áreas, já que a judicialização da política ganhou a atenção também de outros setores, e a contribuição não apenas de

68 KOERNER, Andrei. Ativismo judicial?: Jurisprudência constitucional e política no STF pós-88. Novos estud. – CEBRAP. São Paulo, n. 96, Julho de 2013. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-33002013000200006&script=sci_arttext#nt>. Acesso em: 20 de setembro de .2014.

operadores do direitos, mas também de gestores públicos, profissionais de outras áreas do conhecimento e a sociedade civil como um todo. Para tanto devem existir assessorias técnicas para balizar as decisões, deve-se cobrar motivação dos magistrados e um exame criterioso dos casos concretos com argumentação racional e persuasiva, a fim de evitar os problemas inerentes à politização da justiça69

A partir disso, a questão que se coloca é: embora seja admissível hoje, em razão notadamente da adoção de uma teoria mitigada da separação dos poderes por nosso ordenamento, a possibilidade de um Poder exercer funções típicas de outro, estariam os juízes legitimados para tanto, ou seja, para atuarem quando o legislativo e o executivo se omitirem? No caso de a resposta ser positiva, que tipo de limites podem ser traçados para que o juiz não atuem para além do que lhe é permitido?

A resposta para a primeira indagação, conforme já se demonstrou, é positiva. A intervenção do Judiciário em algumas situações é legítima e até salutar, pois, segundo Nagibe de Melo Jorge Neto, o processo judicial é mais democrático e aberto até do que o processo legislativo, já que envolve a participação da pessoa que requer o direito pleiteado diretamente ao Estado-juiz. No processo legislativo, inversamente, muitas vezes a vontade legislada não é a vontade popular, mas resultado de lobbies e de outras influências. A discussão política, portanto, não deve ser restrita aos representantes do povo, já que “a decisão judicial como fruto do discurso racional, aberta a todos os mecanismos da sociedade é um importante instrumento de efetivação da democracia participativa”70

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E não poderia ser diferente, uma vez que o papel que o juiz assume hoje não é de mero aplicador da lei, mas de verdadeiro agente político, de modo que suas decisões importam em alocação de recursos, alteração de certos procedimentos e até mesmo para proferir julgamento por equidade. Para tanto exige-se dele na tomada de decisões que se leve em consideração duas questões: de um lado a atenção constante aos princípios constitucionais da independência dos Poderes, respeito à discricionariedade administrativa e à reserva do possível; de outro lado a redobrada sensibilidade com a realidade social71.

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MACHADO, Clara Cardoso. Limites ao ativismo judicial à luz do Constitucionalismo fraterno. Disponível em: http://www.academus.pro.br/mundojustica/artigomj_fraterno.pdf Acesso em: 19 de setembro de 2014.

70

JORGE NETO, Nagibe de Melo. O controle jurisdicional das políticas públicas. Salvador: Jus-Podivm, 2008, p. 143.

71

ROCHA, Patricia Carbonel Campos. O Ativismo judicial nas políticas públicas. Artigo Científico Jurídico apresentado como exigência final da disciplina Trabalho de Conclusão de Curso à Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ. Rio de Janeiro: 2009.

Veja-se o que diz Luís Roberto Barroso:

O ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da solução, e não do problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura. A expansão do Judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflinge a democracia brasileira: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder Legislativo. Precisamos de reforma política. E essa não pode ser feita por juízes.

Busca-se, portanto, a identificação dos limites impostos ao ativismo judicial nas políticas públicas de saúde, análise na qual os direitos fundamentais exercem indubitavelmente importante função instrumental.