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Processo criativo da Árvore no Deserto : acrobacias na dramaturgia = Creative process of Árvore no Deserto: acrobatics in dramaturgy

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

JOSÉ GUILHERME PEREIRA BERGAMASCO

PROCESSO CRIATIVO DA ÁRVORE NO DESERTO: ACROBACIAS NA DRAMATURGIA

CREATIVE PROCESS OF ÁRVORE NO DESERTO: ACROBATICS IN DRAMATURGY

CAMPINAS 2019

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JOSÉ GUILHERME PEREIRA BERGAMASCO

PROCESSO CRIATIVO DA ÁRVORE NO DESERTO: ACROBACIAS NA DRAMATURGIA

CREATIVE PROCESS OF ÁRVORE NO DESERTO: ACROBATICS IN DRAMATURGY

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Artes da Cena, na área de Teatro, Dança e Performance.

Dissertation presented to the Institute of Arts of the University of Campinas in partial fulfillment of the requirements for the degree of Master in Performing Arts in the area of Theatre, Dance and Performance.

ORIENTADORA: PROFA. DRA. VERONICA FABRINI MACHADO DE ALMEIDA

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO JOSÉ GUILHERME PEREIRA

BERGAMASCO, E ORIENTADO PELA PROFA. DRA. VERONICA FABRINI MACHADO DE ALMEIDA.

CAMPINAS 2019

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COMISSÃO EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

JOSÉ GUILHERME PEREIRA BERGAMASCO

ORIENTADORA: PROFA. DRA. VERONICA FABRINI MACHADO DE ALMEIDA

MEMBROS:

1. PROFA. DRA. VERONICA FABRINI MACHADO DE ALMEIDA 2. PROFA. DRA. MELINA SCIALOM

3. PROFA. DRA. ROSANA BAPTISTELLA

Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da comissão examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertacão/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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AGRADECENDO...

Os motivos para agradecer são inúmeros, bem como são muitos aqueles os envolvidos na minha jornada até a conclusão deste trabalho: a pessoa emblemática que alavancou esta possibilidade, que sustentou a confiança em mim, indicou caminhos com liberdade para a essência criativa, sem medir esforços e sem poupar paciência foi a atriz, professora que sempre me inspirou quando em seus momentos de atuação compartilha com o público mais do que a vontade e o prazer de estar em cena, e com densidade nos apresenta a importância deste feito. Refiro-me à orientadora dessa dissertação, prof. Dra. Verônica Fabrini Machado de Almeida.

Sem o grupo “Ponte pra Lua” este trabalho não seria possível, pois a peça em questão é resultado desta comunhão artística. É no seio deste grupo que eu vislumbro as possibilidades de inserir conteúdos políticos de forma poética para a sociedade.

Os entrevistados, oriundos do circo tradicional e do grupo “Ponte pra Lua”, pela oportunidade do diálogo, instância favorável ao desenvolvimento e amadurecimento de conceitos e ideias essenciais para a compreensão do treinamento físico e da preparação do ator para o processo de criação.

As lembranças de aprendizagem nos permitem incluir os parceiros do grupo em toda a história que antecede o processo criativo do espetáculo, bem como os que se integram posteriormente e os que hoje seguem conosco na luta.

Vale lembrar que a manifestação artística não se desenvolve de forma isolada, os apoios e parcerias de grupos que compõem a comunidade artística de Barão Geraldo vem permitindo a existência de um universo para nossa manifestação.

Prof. Dr. Carlos Roberto Espíndola, pelo carinho e cuidado com a minha escrita.

Tobias Rezende, grande parceiro, pela doação e criatividade com imagens do texto.

Milena, por tudo, sempre com amor e carinho. Minha mãe, Sonia, por tudo e mais um tanto.

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RESUMO

Este trabalho analisa o processo criativo do espetáculo “Árvore no Deserto”, concebido pelo grupo de teatro “Ponte pra Lua” nos anos de 2011-2012. Trata-se de um “estudo de caso” cujo objetivo principal foi analisar as possibilidades de colaboração entre as linguagens do circo e do teatro para a composição de uma poética que contemplasse o risco e a imprevisibilidade da performance ao vivo como recurso de uma dramaturgia da cena. Em especial, foram trabalhados o treinamento físico e o resgate histórico do circo tradicional para uma análise mais aguçada do treinamento acrobático do grupo no processo criativo da “Árvore no Deserto”, bem como as estratégias do grupo para utilização das acrobacias em função da dramaturgia da cena. Os dados para essa análise foram obtidos por meio de entrevistas, fotos, vídeos, bem como anotações em caderno de campo. Para o processo criativo do espetáculo, o grupo se valeu da compilação de um conjunto de textos. A análise nos leva a concluir que o grupo não mistura as linguagens criando uma nova linguagem, mas sim mantem as propriedades de cada uma delas, potencializando a atuação, a dramaturgia e a poética cênica. Ao mesmo tempo, cria-se a estratégia adotada para a definição do uso das acrobacias na dramaturgia da cena.

Palavras-chave: circo, acrobacia, dramaturgia, preparação física, preparação corporal.

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ABSTRACT

This research analyzes the creative process of the show Árvore no Deserto, conceived by the theater group “Ponte Pra Lua” from 2011-2012. The research approaches the case study whose main objective was to analyze the possibilities of collaboration between the circus and theater performing arts, with the resources from a scene dramaturgy. The information for the analyzes was obtained through interviews, photos, videos, and well as annotations from field work notes. Especially for this research, the physical training and the historical influence of the traditional circus arts were approached in a way to analyze in depth the acrobatic training of the group in the creative process of Árvore no Deserto, as well as the group’s strategies for the use of acrobatics and fieldwork. For this creative process, the group utilized a compilation of notes. The analysis makes us conclude that the group does not mix the languages in order to create a new means of art, but its idea is to maintain the properties of each one of them, giving them more potential for drama, theater, and poetic scene work. At the same time, it creates a strategy adopted for the definition of the use of aerial acrobatics in the drama scene work.

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LISTA DE FOTOS

1. Jogo de Hockey Hípica x Portuguesa, 2017 ...21

2. Trapézio com patins no Intercircu – Botucatu, 2013 ...27

3. NanoFestival, 2016 ...28

4. NanoCirco, 2018 ...29

5. Ponte pra Lua – O Pequeno Príncipe, 2009 ...31

6. NanoCirco, 2010 ...32

7. Turma 2011 – Artes Cênicas UNICAMP, 2013 ...32

8. Circo&Cena – À Luz, 2016 ...34

9. Time de Hockey Hípica Campinas, 2018 ...35

10. Trapézio em balanço, 2014 ...37

11. Ponte pra Lua – Pirofagia, IA UNICAMP, 2004 ...40

12. Ponte pra Lua – Panaceia - Cunha, 2006 ...41

13. Ponte pra Lua – Flaskô, 2012 ...42

14. Ponte pra Lua – O Pequeno Príncipe, 2009 ...43

15. Ponte pra Lua – Árvore no Deserto, 2012 ...45

16. Ponte pra Lua – O Pequeno Príncipe, 2009 ...46

17. Aiuri Ribeiro, 2012 ...72 18. Murilo Dias, 2012 ...73 19. Murilo Dias, 2012 ...73 20. Tatiana Benone, 2012 ...73 21. Tatiana Benone, 2012 ...73 22. Kuarahy Barretta, 2012 ...74 23. Kuarahy Barretta, 2012 ...74 24. Fabio Basile, 2012 ...74 25. Fabio Basile, 2012 ...74 26. Zuza Bergamasco, 2012 ...75 27. Zuza Bergamasco, 2012 ...75

28. Cenário da Árvore no Deserto, 2012 ...76

29. Grafite, 2012 ...80

30. Álbum da cena Grafite, 2012 ...82

31. Deserto, 2012 ...83

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33. Monta-cargas, 2012 ...86

34. Álbum da cena Monta-cargas, 2012 ...88

35. Ponto de Ônibus, 2012 ...89

36. Álbum da cena Ponto de Ônibus, 2012 ...91

37. Estação Vitória, 2012 ...92

38. Álbum da cena Estação Vitória, 2012 ...94

39. Fogo na Babilônia, 2012 ...95

40. Álbum da cena Fogo na Babilônia, 2012 ...97

41. Álbum da Pirofagia, 2012 ...98

42. Ponte pra Lua – Ensaio, 2011 ...99

43. Grafite Latas, 2012 ...110

44. Grafite em ação, 2012 ...110

45. Grafite – Dança do grafiteiro, 2012 ...111

46. Diálogo no Deserto, 2012 ...112 47. História da Antuérpia, 2012 ...113 48. Diálogo no táxi, 2012 ...115 49. Monta-cargas – Dança, 2012 ...116 50. Monta-cargas – Bilhete, 2012 ...117 51. Monta-cargas – Notícia, 2012 ...119 52. Monta-cargas – Intercomunicador, 2012 ...122 53. Monta-cargas – Instruções, 2012 ...123 54. Monta-cargas – Decisão, 2012 ...123

55. Monta-cargas – Dança acrobática, 2012 ...124

56. Ponto de Ônibus – Informação, 2012 ...125

57. Ponto de Ônibus – Shepherds Bush, 2012 ...126

58. Ponto de Ônibus – Táxi, 2012 ...126

59. Ponto de Ônibus – Denúncia, 2012 ...126

60. Dança do casal, 2012 ...127

61. Dança nos ares, 2012 ...128

62. Operador, 2012 ...128

63. Operador, 2012 ...128

64. Operador, 2012 ...128

65. Taxista, 2012 ...130

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67. Taxista no rádio, 2012 ...131

68. Fogo na Babilônia – Malabares, 2012 ...133

69. Fogo na Babilônia – Dança, 2012 ...134

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...14

I – RESGATANDO A MINHA TRAJETÓRIA OU APRESENTANDO O LUGAR DE ONDE ESTOU FALANDO ...20

1. O início... ...20

2. Do Hockey para o Circo ...21

3. A criação do NanoCirco ...27

4. Diálogos entre treinamentos: o esporte e a cena ...34

II – PONTE PRA LUA: LUTA, RESISTÊNCIA E O FAZER ARTÍSTICO ...40

III – A EXPERIÊNCIA COM O TREINAMENTO CIRCENSE ...47

1. O artista para a vida toda ...48

2. Da lona e das serragens às escolas de treinamento circense ...55

3. Circo: uma potente linguagem artística ...57

IV – DAS ORIGENS DO CIRCO AO CIRCO CONTEMPORÂNEO ...60

1. A história do Circo e seus encontros com o Teatro ...60

2. Circo-teatro no Brasil ...65

V – O ESPETÁCULO ÁRVORE NO DESERTO ...72

1. Personagens ...72

2. Descrição do palco e dos elementos cênicos ...76

3. Iluminação ...78

4. Descrição das cenas ...79

VI – ESCOLHAS E CAMINHOS NA MONTAGEM DA PEÇA ÁRVORE NO DESERTO ...99

1. Reuniões e dinâmicas de trabalho ...99

2. Os textos utilizados na construção dramatúrgica ...102

3. Acrobacias na dramaturgia ...105

VII – O DESENVOLVIMENTO DAS CENAS E SUAS ACROBACIAS ...109

1. O ambiente geral do espetáculo no seu início ...109

2. Grafite ...110

3. Deserto ...112

4. Monta-cargas ...116

5. Ponto de ônibus ...125

(13)

7. Fogo na Babilônia ...132

VIII – FINALIZANDO... ...137

IX – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...140

(14)

INTRODUÇÃO

Esta dissertação tem como foco principal a análise do processo criativo do espetáculo

Árvore no Deserto, concebido pelo grupo “Ponte pra Lua” nos anos de 2011-2012. Trata-se

de um “estudo de caso” cujo objetivo principal foi olhar para os caminhos escolhidos pelo grupo na criação de um espetáculo teatral nutrido de outras linguagens artísticas, a saber, circo, dança, música, grafite, etc. Em outras palavras, buscou-se analisar prioritariamente as possibilidades de colaboração entre as linguagens do circo e do teatro para a composição de uma poética que contemplasse o risco e a imprevisibilidade da performance ao vivo na sua composição dramatúrgica. Em especial, foram trabalhados o treinamento físico e o resgate histórico do circo tradicional para uma análise mais aguçada do treinamento acrobático do grupo no processo criativo da Árvore no Deserto, bem como as estratégias do grupo para a utilização das acrobacias em função da dramaturgia da cena.

Assim, o espetáculo Árvore no Deserto é uma peça teatral baseada em um compilado de textos que traz uma reflexão sobre as grandes cidades, a metáfora de uma Babilônia Moderna e as relações humanas entre diferentes classes sociais presentes neste contexto. Para expressão dos acontecimentos registrados na vida dos personagens da peça, os momentos de acentuação e ápice de suas curvas emotivas são escritos pelo grupo a partir de acrobacias circenses. Um determinado pensamento/estado emocional na vida de um personagem gera uma sensação como a de estar perdido, podendo ser camuflada num determinado momento por recursos de representação, para depois se manifestar. É esse momento no qual as acrobacias se inserem como recurso motor expressivo de alta intensidade e emoção, capaz de proporcionar o acontecimento real da cena, ultrapassando a representação e assumindo o risco da performance como ação real, risco no aqui-agora da cena.

A realização desse espetáculo colocava a seguinte questão: como preparar o elenco para a realização técnica com o grau de precisão necessária, ou seja, a necessidade de um “alto rendimento” nos termos do chamado “corpo máquina”, herança da educação física e, ao mesmo tempo dar conta das questões artísticas que pedem um corpo-sensação/corpo-emoção/corpo-significante e, mais especificamente, da interação performance física e dramaturgia de cena?

Metodologicamente, os dados para essa análise foram obtidos por meio de diferentes instrumentos de investigação, tais como: as entrevistas, no âmbito da história oral, fotos, vídeos, além das anotações em caderno de campo.

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O grupo “Ponte pra Lua” tem sua história marcada por um coletivo de atores-acrobatas que desenvolvem pesquisa sobre uma escrita teatral que se nutre da instância acrobática, buscando integrar a acrobacia não como efeito, mas como dramaturgia. Desde seu surgimento em 2003, o grupo trabalha com o diálogo do circo com o teatro.

Para o processo criativo da Árvore no Deserto, o grupo se valeu de um conjunto de textos baseados nas seguintes obras:

-“O vento que vem”, de Luis Fonseca;

-“A caixa de areia ou eu era dois em meu quintal”, de Lourenço Mutarelli;

-“Paradoxo do Pensamento Científico – Artista num Monólogo sobre o Universo”, de Jose Javier Saéz Acuña;

-“O monta-cargas”, de Harold Pinter; -“O ponto de ônibus”, de Harold Pinter; -“Estação Victória”, de Harold Pinter; -“A árvore em fogo”, de Bertolt Brecht.

Esta dissertação analisa a experiência de montagem do espetáculo Árvore no Deserto, buscando determinar como o circo e o teatro podem dialogar cenicamente, potencializando a escrita cênica usufruindo das propriedades essenciais das respectivas linguagens. Em outras palavras, o que se pretende neste trabalho é apontar as possibilidades de colaboração entre duas experiências – o circo e o teatro – sob o ponto de vista do risco e a imprevisibilidade da

performance ao vivo como recurso para construção de uma dramaturgia da cena. Para tanto,

parto de um cenário do histórico do Circo e das características de seu treinamento físico, para depois expor como se deu o treinamento acrobático do grupo no processo criativo da peça

Árvore no Deserto e, enfim, analisar as estratégias do grupo para a utilização das acrobacias

em função da dramaturgia na cena.

Para dar conta dos objetivos propostos, utilizei primeiramente, como instrumental teórico-reflexivo, um diálogo com a bibliografia pertinente, e em seguida entrevistas semi-estruturadas, realizadas com artistas do circo tradicional e atores da peça Árvore no Deserto. A construção de procedimentos metodológicos nem sempre é tarefa fácil em uma pesquisa, de modo que a compreensão de um problema deve partir das qualidades intrínsecas do objeto estudado e da experiência dos sujeitos envolvidos. De fato, a realidade interpretada e estudada nos conduz, recorrentemente, a novas questões mas o que transforma as “obviedades cotidianas” em conhecimento é o método, isto é, a busca pela singularidade dos caminhos

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percorridos. O processo de pesquisar é um devir, mas é, principalmente, uma reflexão crítica e reconstrutiva sobre a realidade, a capacidade de articular o pensamento e desvelar a realidade em sua complexidade (DUARTE, 2004).

O material empírico da pesquisa constitui estudo de caso da peça Árvore no Deserto, por meio da minha participação como ator, com fotografias, vídeos das apresentações e anotações no meu caderno de campo. Convém aqui traçar algumas considerações sobre “estudo de caso” como abordagem metodológica.

[...] Trata-se de uma abordagem metodológica de investigação especialmente adequada quando procuramos compreender, explorar ou descrever acontecimentos e contextos complexos, nos quais estão simultaneamente envolvidos diversos fatores (ARAUJO et al., 2008, p. 4).

Yin (1994, p. 13, apud ARAUJO et al., 2008, p. 4) define “estudo de caso” com base nas características do fenômeno em estudo e com base num conjunto de características associadas ao processo de coleta de dados e as estratégias de análise dos mesmos. A afirmação de Coutinho (2002) de que quase tudo pode ser um “caso”, como por exemplo, um indivíduo, um personagem, um pequeno grupo, uma organização, uma comunidade ou mesmo uma nação, enquadra-se na proposta metodológica deste trabalho, onde o “caso” é a peça

Árvore no Deserto.

Ainda para reafirmar esta escolha metodológica, recorreremos a Ponte (2006, p. 2, citado por ARAÚJO et al., 2008, p. 4), que define “estudo de caso” como:

Uma investigação que se assume como particularística, isto é, que se debruça deliberadamente sobre uma situação específica que se supõe ser única ou especial pelo menos em certos aspectos, procurando descobrir a que há nela de mais especial e característico e deste modo contribuir para a compreensão global de um certo fenômeno de interesse.

Assim, a presente pesquisa se caracteriza como um estudo de caso, visto que encontramos na peça Árvore no Deserto uma especificidade em termos de composição dramatúrgica no que diz respeito a interação das acrobacias com as histórias dos personagens em seus momentos de estopim, o que poderá contribuir com a compreensão de questões que envolvem hibridismo de linguagens.

Algumas características apontadas por Benbasat (1987) podem ser ressaltadas para darem respaldo à utilização do “estudo de caso” em nossa pesquisa, tais como:

- a observação do fenômeno se dá em loco, de forma natural;

- para a coleta de dados foram utilizados diversos meios como: a observação direta, as entrevistas, os registros de fotos, áudio e vídeo etc.;

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- a análise foi baseada no grupo de atores cênicos e circenses que faziam parte da

Árvore no Deserto, no seu processo criativo;

- definiu-se por uma análise a mais profunda possível visando atingir os objetivos propostos de analisar como a linguagem do circo e do teatro dialogam cenicamente;

- buscou-se pesquisar os estágios de exploração, classificação e o desenvolvimento do processo de criação do espetáculo;

- os resultados dependem fortemente do poder de integração do pesquisador; como fazemos parte do elenco da peça, temos uma forte integração com o objeto a ser pesquisado. No entanto, foram tomados os devidos cuidados no sentido de um olhar isento sobre o objeto, tais como a fidelidade nas anotações no caderno de campo e na interpretação dos vídeos;

- por se tratar de um “estudo de caso”, podem ser realizadas mudanças nos métodos de coleta de dados à medida que o pesquisador desenvolve novas hipóteses. Trata-se, portanto, de uma pesquisa que busca questões “como?” e “por quê?” ao invés de “o que?” e “quantos?”. Enquanto tal, trata-se de uma pesquisa qualitativa. A partir dessas considerações, as técnicas de pesquisa empregadas buscaram contemplar os objetivos propostos neste trabalho. Optou-se, em um primeiro momento, pela observação participativa como técnica de coleta de dados. Para tanto, foram acompanhados treinos e ensaios do processo de montagem do espetáculo Árvore no Deserto, objeto da presente dissertação. Como afirmado anteriormente, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com artistas do circo tradicional e com atores da peça, o que é de grande valia quando se deseja conhecer em profundidade “práticas, crenças, valores e sistemas classificatórios de universos sociais específicos, mais ou menos bem delimitados, em que os conflitos e contradições não estejam claramente explicitados” (DUARTE, 2004, p. 215). As entrevistas semi-estruturadas contribuíram com a compreensão de como cada sujeito entrevistado percebeu e atribuiu significado a sua realidade, permitindo compreender a lógica que define as relações dentro de um determinado grupo (DUARTE, 2004).

Assim, uma das fontes de dados da pesquisa foram as entrevistas, visto que se pretende sublinhar o caráter vivencial e a dimensão humana da troca de saberes envolvida tanto no treinamento circense quanto na preparação dos atores. Para a realização das entrevistas semi-estruturadas foram elaborados e testados roteiros com questões norteadoras, sendo em seguida submetidas a um teste preliminar. Este teste preliminar permitiu ajustar as

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entrevistas incluindo ou excluindo questões pertinentes ou não. A escolha dos entrevistados se deu em função das duas linguagens principais que dialogam cenicamente neste trabalho: o circo e o teatro. Foram entrevistados quatro artistas circenses ligados ao circo tradicional de diferentes gerações:

- Marion Brede, (1949), matriarca da família Brede, com uma carreira de sucesso nos picadeiros de diferentes circos mundialmente famosos como: Circo Orlando Orfei, Circo Tihany, Circo di Roma, Circo Moscou, Circo Garcia e Circo Vostok; - Alex Brede, (1971), filho de Marion, diretor da Cia. do Circo, de Barão Geraldo,

Campinas/SP;

- Claudia Ortaney, (1976), esposa de Alex, malabarista, primeira mulher brasileira a jogar sete clavas, originária de outra família circense tradicional: família Ortaney; - Allan Brede, (1993) acrobata, filho de Alex e Claudia;

Foram entrevistados outros artistas, fora da tradição circense: - Kuarahy Barretta Fellipe, diretor artístico do espetáculo e ator;

- Murilo dos Santos Dias, músico compositor da trilha sonora da peça e também ator.

Além das entrevistas, as fotos, os vídeos e os áudios, acrescidos do nosso caderno de campo, foram essenciais para a análise da Árvore no Deserto. Isso permitiu, num primeiro momento, resgatar todo o processo de criação do espetáculo, com a descrição dos personagens, da montagem do cenário, da iluminação, dos figurinos e em especial, dos textos utilizados na peça. A partir desses elementos, foi possível refletir sobre a singularidade do processo criativo da Árvore no Deserto, ou seja, de como as acrobacias se inserem na corporeidade, ações e narrativas dos personagens.

A análise deste trabalho nos leva a concluir que o grupo não mistura as linguagens criando uma nova, mas sim mantem as propriedades de cada uma delas, potencializando a atuação, a dramaturgia e a poética cênica. Concomitantemente, cria-se a estratégia adotada para a definição do uso das acrobacias na dramaturgia da cena.

A dissertação está estruturada em oito capítulos, além desta introdução e das referências bibliográficas. No primeiro capítulo, apresento o resgate de minha trajetória cujo objetivo foi deixar claro de que lugar estou falando, qual seja, meu histórico como atleta e a minha inserção nas artes. No capítulo II, trago o “Ponte pra Lua” como um teatro de grupo cuja pesquisa é centrada no encontro e na busca de uma escrita teatral. Nos próximos

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capítulos (III e IV) trago a experiência com o treinamento circense visando respaldar a importância deste treinamento para o grupo no processo de criação do espetáculo, bem como um resgate das origens do circo e seus encontros com o teatro, resultando na criação do chamado Circo-teatro no Brasil dos anos 1950 e 1960. A partir do quinto capítulo, passo a detalhar o processo de criação da Árvore no Deserto, iniciando com a apresentação dos personagens, a descrição do palco e dos elementos cênicos, passando pelos recursos de iluminação e culminando com a descrição das cenas. Em seguida, no capítulo VI, ao demonstrar as escolhas e os caminhos na montagem da peça em análise, detalho as reuniões e as dinâmicas de trabalho do grupo nos treinamentos físicos e na preparação corporal dos atores-acrobatas. Também como resultado dessas reuniões, apresento todo o contexto de leitura e seleção dos textos utilizados na construção dramatúrgica, bem como a inserção das acrobacias como recurso motor expressivo de alta intensidade e de elevada emoção, capaz de proporcionar o acontecimento real da cena. A partir daí, no capítulo VII, analiso cada uma das cenas, destacando suas respectivas acrobacias. A ideia da curva emotiva do personagem aliar-se a uma acrobacia pode aliar-ser considerada a questão predominante para a determinação da inserção das acrobacias na dramaturgia da peça. Estas e outras questões encontram-se no capítulo conclusivo VIII: Finalizando... .

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I – RESGATANDO A MINHA TRAJETÓRIA OU APRESENTANDO O LUGAR DE ONDE ESTOU FALANDO

1. O início...

A consciência de que minhas inspirações e motivações eram o corpo em movimento, veio-me tão rápido quanto o próprio movimento. Andei muito cedo, corria muito rápido e me surpreendia com a relação de velocidade entre as coisas. A identificação do prazer que existe em ver os corpos se cruzarem no espaço rapidamente foi fundamental para escrever minha trajetória de vida, influenciando tanto em minha formação pessoal e acadêmica quanto em meu interesse artístico.

A oportunidade de crescer em uma cidade do interior como Botucatu-SP, considerada a “Terra dos bons ares”, e nela frequentar uma escola alternativa implantada em um largo espaço de vivências com a natureza, levava-me a aproveitar o tempo com o corpo em constante movimento. O Centro Recreativo de Artes e Educação – CREARE – deixou marcas de um aprendizado mediante descobertas estimuladas pela liberdade artístico-criativa. Mudando para Campinas, frequentar a Escola do Sítio, com suas árvores e seu amplo jardim, reafirmava em mim as possibilidades de aproveitamento de um mundo em movimento: as muitas brincadeiras ao ar livre, as intensas atividades de criação coletiva, os acampamentos na própria escola, as festas, os esportes, os jogos cooperativos e as gincanas – tudo isto foi, pouco a pouco, moldando minha formação e associando diferentes formas de saber e conhecer. Aprende-se com a natureza, com o mover-se, com o conviver. Essas marcas iriam, mais tarde, ser fundamentais em um modo de investigar e em minhas escolhas profissionais, à medida que esses saberes são incorporados de modo a sedimentar essa cultura do corpo. Ainda naquela Escola, frequentei cursos de teatro com a Professora Angelina: com ela tive os primeiros ensinamentos sobre o teatro, tendo vivenciado jogos cênicos e algumas experiências de atuação; e de música com a Professora Gloria Cunha: nesta experiência, tive oportunidade de conhecer diversos instrumentos musicais e ritmos, também de forma lúdica e didática. Com esta, fazia externamente aulas de iniciação musical, conceitos rítmicos e instrumentais.

Foi nesse momento que descobri um esporte coletivo atípico, ainda pouco praticado no Brasil, o que o tornava um vasto campo a ser desenvolvido. O que me encantou foi o fato de os jogadores utilizarem patins nos pés, o que aumentava a dinâmica do jogo, revelando movimentos com grandes variações de aceleração. Com certeza, este foi o principal fator que

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me atraiu para tal esporte. Assim, passei a me dedicar intensamente ao hockey, que pratico há mais de quinze anos, doze dos quais qualificado junto à Confederação Brasileira de Hockey no Gelo (CBHG) e à Federação Paulista de Hockey e Patinação (FPHP). Nessa atividade, participei de inúmeros campeonatos locais,

regionais, nacionais e internacionais; na equipe da Hípica Campinas de Hockey fui titulado Campeão Paulista, Campeão Brasileiro e Vice-Campeão Sul-Americano de Roller-Hockey pela seleção Brasileira.

Essa vivência definiu minha carreira universitária: a Educação Física. 2. Do Hockey para o Circo

Ao iniciar meu curso universitário na PUC-Campinas, no ano de 2002, fui morar em uma república estudantil, na qual conheci Felipe Chagas, aluno do curso de Artes Cênicas da UNICAMP que desenvolvia um trabalho de tecido acrobático na peça teatral “Alice no País das Maravilhas”, junto ao grupo “Obscênica Trupe”1. Os artistas daquele grupo montaram uma equipe de treinamento em tecido acrobático à qual fui convidado a participar e passei a colaborar. Ao mesmo tempo que adquiria conhecimentos técnicos específicos da modalidade, transmitia informações sobre o treinamento desportivo, a partir do desenvolvimento das capacidades físicas. Foi nessa experiência que vislumbrei a prática do tecido acrobático e o movimento lúdico, expressivo e artístico, não mais competitivo como nas atividades esportivas. Começava, então, a interessar-me pelo movimento expressivo, pela capacidade do movimento em narrar histórias, em configurar seres e ações ficcionais, pelo que passei a me dedicar semanalmente ao treinamento de tecido acrobático e de outras técnicas circenses, como: malabares, monociclo e corda bamba, no Departamento de Artes Cênicas da                                                                                                                

1  Grupo de Teatro formado por alunos do Departamento de Artes Corporais e de Artes Cênicas da UNICAMP

que desenvolvia as linguagens do Teatro, da Dança e do Circo, dirigido por Carolina Mandell entre 2002-2003, atriz, performer, arte-educadora. Graduada em Artes Cênicas pela UNICAMP. Mestre em Pedagogia Teatral pela ECA-USP. Doutoranda em Artes da Cena pela UNICAMP .  

Foto 1 – Jogo de Hockey Hípica x Portuguesa, 2017. Fonte: Federação Paulista de Hockey e Patinação (FPHP)

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UNICAMP. Nesse convívio, ia acompanhando o desenvolvimento de habilidades físicas e o amadurecimento de qualidades expressivas em mim e nos meus parceiros.

Neste período, as atividades circenses junto ao Departamento de Artes Cênicas eram coordenadas pelo professor MA Luiz Monteiro, o que para o aprendizado dessa cultura corporal tinha a peculiaridade de se tratar de um artista circense tradicional que viveu os picadeiros, com um histórico familiar que lhe proporcionou a incorporação da metodologia e das características de treino e de procedimentos de ensino-aprendizagem a exemplo de uma família tradicional circense.

Em 2004, na metade do curso universitário, realizei um intercâmbio cultural na Inglaterra (Londres) onde frequentei a escola Callan School, quando me distanciei do hockey e das atividades circenses junto ao grupo da UNICAMP, mas pude aprimorar o desenvolvimento nos malabares – uma habilidade circense de menor exigência em infraestrutura. Em todos os momentos livres eu o praticava e, dessa forma, tive contato com diversos malabaristas de rua que tiravam da atividade suas sobrevivências. Isso me permitiu a troca de conhecimento e a possibilidade de praticar também os malabares nas ruas, onde pude arrecadar algumas libras e onde minha musculatura aprendia a urgência em captar a atenção e manter a tensão da performance.

De volta ao Brasil, passei novamente a praticar hockey e a treinar tecido acrobático. A partir da experiência londrina e em outras cidades da Europa, como Amsterdã e Munique, propus realizar como trabalho de conclusão de curso (TCC) na PUC-Campinas uma pesquisa qualitativa com malabaristas de semáforo orientado pela Prof. Dra. Paula Cristina C. Silva, intitulado “Do Circo para os Semáforos das Grandes Cidades: um estudo com os Malabaristas de rua e suas relações com o lazer”2. Antes do término do curso de Educação Física passei a ministrar aulas na Academia Figueiredo, Academia Equilíbrio e Companhia de Dança Carol Festa. Em todas elas, além de ginástica natural, spinning in door e instrutor de musculação, ministrava aulas de tecido acrobático. Embora meu foco de trabalho naquele momento se concentrasse nos aspectos mais ligados à Educação Física, o interesse pela arte e pela expressividade do movimento se mantinha.

                                                                                                               

2 Neste trabalho pude novamente compreender que, assim como na Europa, o malabarismo de rua não era um

lazer para seus praticantes, e sim uma profissão. Ao entrevistar e acompanhar as atividades de malabaristas nos semáforos de São Paulo e de Campinas, aprendi novos truques com as clavas, bem como pude aprofundar os conhecimentos sobre os tempos de duração de um número circense, que nessa instância eram regidos pelos intervalos dos semáforos vermelhos.

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Ainda nesse período (2006), houve um encontro fundamental para meus rumos profissionais, com Charles Barry3. Com ele aprendi a montar e desmontar um circo e, principalmente, que cada pessoa aí envolvida tem uma importância significativa. Se essas pessoas não estiverem em harmonia, a montagem fica comprometida. A convivência com alguém que vivenciou um circo tradicional é sempre algo ímpar, em termos da transmissão oral do conhecimento, do aprender a fazer este trabalho, fazendo junto a um mestre como Barry, portador de uma fluidez comunicativa que provém da sua experiência circense, foi um imenso aprendizado. Essa relação me colocou em contato direto, “muscular”, com todo o universo do circo, o que me fez entender e vivenciar o que afirma Silva (2018):

O ser artista circense tinha que aprender todas as artes levadas no picadeiro: acrobacia, equilíbrio, mágica, aéreos, dança, música (cantada e tocada), teatro, cenografia, iluminação, coreografia, vestuário, maquiagem, eletricista, ferreiro, ferramenteiro, pintor, relações públicas, empreendedorismo, legislação, propaganda e marketing, empresário. O que se aprendia tinha que ser suficiente também para ensinar a armar e desarmar o circo, a preparar os números ou peças de teatro, além de treinar as crianças e adultos para executá-los (SILVA, 2018).

Trata-se, pois, da indissociabilidade da própria estrutura do circo: lona, ferragens, montagem dos aparelhos etc., constituindo um aprendizado essencial. Por meio dessa experiência, pude dominar a arte de bater estacas e levantar estruturas de circo, bem como registrar momentos de “contação de histórias circenses” com episódios como tempestades que derrubaram grandes lonas, até macacos que roubaram armas dos trailers e balearam as lonas; estas e outras histórias eram permeadas pela vivência circense da família Barry, notadamente por Ermínia Silva4, com quem tive a oportunidade de conhecer e trocar orientações desde a elaboração do meu TCC até em grupos de estudo junto à universidade.

Paralelamente ao meu interesse pelo circo, crescia minha curiosidade pela compreensão aprofundada sobre o funcionamento do corpo humano, o que me levou a cursar a disciplina de Bioquímica na Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas. Num primeiro momento, fiquei fascinado pelo nível de detalhamento e profundidade com que se apresentavam os conceitos bioquímicos no ser humano, como o                                                                                                                

3 De família tradicional circense, hoje empresário no setor de aluguel de lonas e tendas, é filho de Barry Charles

Silva que, segundo sua filha Ermínia Silva, irmã de Charles, historiadora e grande pesquisadora das origens do circo, é paulista de terceira geração circense, nascido em 1931, foi sócio-proprietário da empresa Bea Espetáculos, que era responsável pelo Circo Charles Barry, que encerrou suas atividades em 1982, tendo antes outras denominações como: Circo Norte-Africano e Circo PanAmericano. (SILVA, Ermínia, 2009).  

4 Filha de Barry Charles Silva e Eduvirges P. Silva, quarta geração circense no Brasil, graduou-se em História na

Universidade Estadual de Campinas, em 1994. A partir de então teve possibilidade de dar continuidade e consolidar sua trajetória de estudos e pesquisas sobre as histórias do circo e circenses no Brasil. Defendeu a dissertação de mestrado sob o título O Circo: sua arte e seus saberes, em 1996, que se transformou no livro Respeitável público... o circo em cena, lançado em dezembro de 2009 pela Edições Funarte. Defendeu tese de doutorado em 2003, publicado pela Editora Altana em 2007, sob o título Circo-teatro: Benjamim de Oliveira e a teatralidade circense no Brasil, ambos na UNICAMP.

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alimento que se transforma em movimento, em ações intencionadas, em energia vital. Isso me levou a refletir sobre a fragmentação inerente a esta ciência, o que mais tarde foi fundamental na minha escolha profissional. A fragmentação da ciência é algo histórico nos meios científicos e, segundo Lafity dos Santos Silva (2010), interfere na formação de um cientista crítico e reflexivo.

No curso de Educação Física pude perceber dois mundos baseados em pensamentos, ações e estratégias diferenciadas. Por um lado, um coletivo que pensa e trabalha a educação física a partir de pedagogias em que o corpo é visto de forma holística, inserindo-se em um conjunto de relações sociais, integradas ao meio, respeitando a relação com o outro, com a sociedade e com sua própria percepção do corpo. Por outro lado, há os que trabalham o corpo de forma fracionada, isolada, de forma mecânica, visando ao rendimento máximo da máquina-corpo. Não visualizam o corpo como um todo integrado num contexto maior, mas o desenvolvimento de partes, em cuja abordagem privilegia-se o alto rendimento técnico e físico.

O alto rendimento físico, em competições de alta performance, teve uma curva ascendente em seus índices, resultado do aprimoramento técnico-científico, baseado no pensamento fracionado que se desenvolve em função da busca pela melhoria desses índices. Assim, ambos caminham juntos: o desenvolvimento técnico-científico e o alto rendimento no resultado das performances. De um modo geral, o cientista está focado na resolução de um problema e, para tal, ele busca o histórico e a trajetória deste. Exemplificando: antigamente quando se via uma pessoa saudável, dizia-se: “é forte como um atleta”, ou seja “ser atleta significava ser saudável”. Hoje não se pode dizer o mesmo: nem sempre atletas são saudáveis, o que acredito ser fruto de um descompasso no casamento entre a ciência, o esporte e o ser humano, pois o pensamento cientificista é hoje para a Educação Física cada vez mais específico (MEDEIROS, 2016). Ocorre um isolamento das partes visando o seu estudo, analisando partes de forma isolada, sem considerar a complexidade dos sistemas, das relações, comprometendo as conclusões.

O princípio da especificidade é aquele que impõe, como ponto essencial, que o treinamento deve ser montado sobre os requisitos específicos da performance desportiva, em termos de qualidade física interveniente, sistema energético preponderante, segmento corporal e coordenações psicomotoras utilizados (DANTAS, 1995, p. 50).

Assim, para as diferentes atividades físicas utilizam-se diferentes fontes energéticas. Bioquimicamente falando, são três principais fontes energéticas que o ser humano dispõe: a

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primeira delas se denomina ATP-CP, que permite as atividades contráteis instantaneamente. A Creatina-Fosfato é então a de contração rápida; portanto, a primeira a ser liberada na musculatura. A segunda denomina-se via glicolítica, que se implementa corporalmente quando realizamos atividades anaeróbicas basicamente de intensidade média/alta e em períodos de curta e média duração. A via glicolítica tem como produto o lactato intracelular, e seres humanos dispõem de proteínas que transportam esse ácido de dentro para fora da célula (MARZZOCO; TORRES, 2007). A ciência tem se dedicado a descobrir como aumentar o número de proteínas transportadoras de lactato de dentro para fora da célula, constituindo um exemplo emblemático de como o grande avanço da fisiologia e da bioquímica trouxeram melhorias para o rendimento esportivo, pois o ácido dentro da musculatura gera uma diminuição da capacidade contrátil. Se for possível diminuir a acidez muscular no final de uma competição desportiva, é capaz de mudar o resultado da mesma.

A terceira delas, a via aeróbia, é acessada quando exercemos atividades de longa duração, que irá requerer uma quantidade de energia maior do que os níveis de armazenamento possíveis do glicogênio. Essa energia, portanto, é liberada por meio da queima da gordura intra e extra muscular e, para tanto, é necessário que haja glicogênio hepático para quebra da gordura.

Constitui foco número um da pesquisa científica em esporte transformar o corpo em uma ferramenta cada vez mais ajustada aos objetivos de tempo, distância, peso e altura; enfim, de todas as variáveis que envolvem os resultados das competições. Nessa perspectiva, o corpo é visto como um “corpo máquina” perfeitamente ajustável, programado, manipulado (GOIS JUNIOR; SOARES; TERRA, 2015) Um exemplo disso é um atleta de Mix Martial Arts - MMA que tem que perder 12 quilos em três dias e, para tanto, submete-se a uma dieta hipo-nutritiva intensa; ou os atletas de provas compostas de diversos esportes, como o

triathlon, decathlon ou iron man, onde a presença de um alto nível de treinamento

englobando o estímulo, a suplementação e o repouso extremamente controlados tornam-se necessários e ainda assim às vezes não suprem a alta demanda energética das provas, levando a um alto índice de desmaios e lesões corpóreas nos atletas. O corpo neste segmento da Educação Física é visto como objeto, um “robô”.

O corpo “máquina” não se adequava às minhas expectativas. Assim, quando subi na banquilha do trapézio, percebi que para fazer aquele movimento, no sentido de me tornar um trapezista, não bastavam os conhecimentos bioquímicos e fisiológicos que eu havia adquirido na minha graduação em Educação Física. Tal conhecimento não incluía algo fundamental

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para a vida humana: a realização das vontades, a superação do medo e a superação dos limites que não são barreiras definidas e facilmente catalogadas como questões psicológicas do histórico-motor, dos sonhos e ambições. Assim, constatei que minha insatisfação não era com o movimento, em si, mas com a lupa pela qual o movimento estava sendo observado. O olhar cientificista acaba por se aprofundar e se distanciar da matriz motora, do jogo, do brincar, do lazer, cuja constatação me fez iniciar um processo de treinamento em trapézio que tinha como parâmetro de intensidade, frequência e volume de treinamento a minha condição física, espiritual, emocional, a minha vontade diária, e não uma condição determinista de trabalho ancorada em objetivos pré determinados por tabelas de rendimento e estudos comparativos.

Esse foi o primeiro ponto de identificação das diferenças entre a periodização do treinamento na Educação Física e o treinamento circense. O treinamento na Educação Física inicia-se com a determinação da demanda fisiológica do jogo. Depois, realiza-se uma análise dos atletas identificando a diferença entre ambos, ou seja, o que o atleta precisa para o jogo e o que ele é capaz de fazer agora. Dessa forma, é traçado o caminho que se percorrerá para se alcançar as necessidades da demanda fisiológica do jogo. Ao chegar no circo, o que ouvi de uma experiente acrobata, já senhora de mais de 60 anos5, porém ainda totalmente tonificada, foi o seguinte: “Oi! Como está o corpo hoje? Vai balançar, ou ficar de moleza?”. Portanto, a consideração ao que chamamos de humano é muito distinta, o que acredito ser um dos vetores que compõe a arte circense.

Esta então chamada “arte circense” passava a ser o “treinamento circense”, uma vez que a linguagem do circo está ancorada na movimentação humana, e no circo também é sabido que os movimentos não são natos, são treináveis. Aí está o aspecto positivo do treinamento circense que eu havia encontrado. Parece que tudo seria possível e alcançável se eu quisesse e treinasse aquilo. Assim, o caminho dependia da minha vontade de ser um trapezista, e não de uma pré determinação. Obviamente que o trapézio, por exemplo, tem os seus padrões: não basta subir e sentar no trapézio que você já se torna um trapezista. Porém o nível acrobático do que o seu número circense pode alcançar é derivado da relação do seu histórico motor e do seu treinamento.

                                                                                                               

5 Trata-se de Marion Brede, nascida na Alemanha em 1949 no Circo Franz Artonf, filha de trapezistas (o pai era

famoso por seu duplo trapézio). Fazia duplo trapézio com o pai e um número solo de parada de cabeça em que tocava clarinete. Veio para o Brasil, em 1969, se apresentar no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, e no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, a convite de um empresário brasileiro que os localizou durante o Festival Mundial de Circo de Orlando Orfei, em Milão, na Itália. Depois disto continuou fazendo turnê por grandes circos ao redor do mundo.

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Negativamente, a cultura circense cristaliza conceitos sobre as necessidades físicas do acrobata para determinados números. Isto fez parte do sucesso do circo tradicional, o que é compreensível, porém assume características muitas vezes excludentes.

3. A criação do NanoCirco

Terminada a faculdade, em 2006, decidi dar um passo importante como profissional, o que me levou a criar o “Espaço Cultural NanoCirco”, que se iniciou com uma estrutura metálica de sete metros de altura, um tecido acrobático e um colchão, no quintal da minha casa. Abandonei todas as aulas nas academias para dedicar-me integralmente à minha própria escola de circo, quando senti necessidade de ampliar meus conhecimentos nas atividades circenses, dada a oportunidade de me estabelecer na condição de professor de uma escola circense. Foi assim que passei a frequentar as casas das famílias circenses Brede e Ortaney, que me deram, e dão até os dias de hoje, todo o embasamento técnico da prática do trapézio, toda a filosofia circense e outras técnicas circenses. Alex Brede, de 43 anos, é filho de Marion Brede e Rozendo Bastias, também trapezista. É diretor e

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preparador corporal da Cia do Circo. Treinado em ambiente circense familiar desde a infância, com 15 anos de idade já era um exímio trapezista de voos, tendo se apresentado em inúmeros circos ao redor do mundo. Um acidente deixou-o com o ombro lesionado, o que o levou a exercer outra atividade dentro do circo, o icários, número circense onde um acrobata deitado sobre uma banquilha (espécie de cadeira) lança seu companheiro com as pernas para que o mesmo execute no ar diversas acrobacias de diferentes níveis e dificuldades. Claudia Ortaney é esposa de Alex e também filha de artistas circenses, que eram malabaristas do Circo Tihany. Além das atividades na Cia do Circo, Claudia apresenta em outras companhias seus números de malabares. É formada em Letras e também dá aulas de inglês e espanhol. Começou a treinar malabares com 5 anos de idade indo até os 22 anos. Hoje treina duas a três vezes por dia num ensaio contínuo e específico. São pessoas que viveram os picadeiros de diversos grandes circos ao redor do mundo, que trazem consigo a real energia do artista circense em força, magia, alegria e disciplina – dons necessários ao ser humano que se propõe a exercer tal atividade. A partir de então tive a oportunidade de trocar conteúdo e de absorver conhecimentos passíveis de me fornecerem condições necessárias para a formação de um artista circense.

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O trabalho com seres humanos e as práticas físicas geram outras necessidades, como as de aprofundar conhecimentos no que a ciência demonstra em termos fisiológicos, pelo que me matriculei no curso de especialização em “Fisiologia do Exercício” da Faculdade de Educação Física da UNICAMP, durante o ano de 2007. Desse modo, as atividades práticas junto ao “NanoCirco” fundiram-se com os conhecimentos adquiridos, zelando por um cuidado especial com a saúde e integração corpo-mente-afetos junto aos artistas e aprendizes.

A estrutura física montada em 2006, para dar início às atividades pedagógicas do “NanoCirco”, foi reformada em 2008, passando a contar com uma pequena cobertura e com um chapéu de vinte metros quadrados sustentada por dois pequenos mastros, de modo a consolidarem as atividades do “NanoCirco” e meu reconhecimento como artista circense.

Nessa época, um antigo grupo formado por colegas das Artes Cênicas da UNICAMP, o “Ponte pra Lua”6, decidiu retornar às atividades artísticas, o que resultou em uma parceria entre ele e o “NanoCirco”, com os ensaios realizados no espaço do “NanoCirco”. A partir desse encontro, passei a me dedicar

aos estudos teatrais, absorvendo

conhecimentos da literatura, atividades, jogos e práticas cênicas.

Em 2008, junto ao grupo “Ponte pra Lua”, iniciamos a montagem do espetáculo “O essencial é invisível aos olhos” inspirado na obra “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry. Por conta de minha proximidade com Rosana Baptistella7, devido ao meu estágio da Faculdade de Educação Física junto à Escola do Sítio, onde a mesma                                                                                                                

6 O capítulo II dessa dissertação, “Ponte pra Lua: luta, resistência e o fazer artístico”, contempla a história de

surgimento e trajetória do grupo.

7 Rosana Baptistella é atuante nas áreas de Arte e Educação, com ênfase em docência, pesquisa e direção cênica. Possui

graduação em Dança - Licenciatura (2006), graduação em Dança - Bacharelado (1992) e mestrado em Educação (2004), e doutora em Educação (2018), todos pela Universidade Estadual de Campinas. Linha de pesquisa: Linguagem e Arte na Educação. Atualmente é professora da Faculdade de Administração e Arte de Limeira.

Foto 4 – NanoCirco, 2008. Fonte: Acervo de fotos do NanoCirco

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era professora, decidimos convidá-la para nos orientar, o que trouxe ao grupo uma proximidade com a linguagem da dança.

Com a aprovação de um projeto junto ao Fundo de Incentivos Culturais do Município de Campinas (FICC), em 2009, o grupo montou, sob a direção de Rodrigo Matheus8, o espetáculo teatral “O Pequeno Príncipe” apresentado em escolas do município e em espaços culturais como o do próprio “NanoCirco” e o do “Espaço Semente”9, como também na lona de Charles Barry, no Festival da Criança do Jardim São Fernando, em Campinas.

No final de 2009, o “NanoCirco” ganha um novo espaço e, com isso, ampliam-se as perspectivas de desenvolvimento do grupo e suas investigações artísticas, juntamente com a consolidada parceria com o grupo “Ponte pra Lua”. A nova estrutura física foi por mim projetada e constitui o primeiro módulo de um circo de cúpula com quatro mastros e quarenta e oito metros quadrados de picadeiro. Além do projeto, toda a execução, desde os cortes do ferro, as soldas, a pintura e montagem, foi realizada pelo “NanoCirco”, com a colaboração do “Ponte pra Lua”, como contrapartida do uso do espaço. Constitui o exemplo do que seja um circo tradicional, com a construção realizada pelos próprios integrantes. No ano de 2010, quase todo meu tempo livre foi dedicado à construção dessa estrutura, aproveitando os ensinamentos de arquitetura circense transmitidos durante o tempo de trabalho com Charles Barry.

Com este saber técnico, material, que integra a arte circense a própria arquitetura da lona aos aparelhos, foi possível participar de atividades como a Virada Cultural de São Paulo, onde o grupo “Ponte pra Lua” apresentou o espetáculo “Fogo na Babilônia”. Além da minha participação artística nesse espetáculo como ator, acrobata, malabarista e pirofagista, fui o responsável técnico de segurança das montagens dos aparelhos aéreos nos guindastes no Vale do Anhangabaú10.

                                                                                                               

8 Rodrigo Matheus é ator, formado pela ECA/USP, com especialização em artes circenses pelo Circo Escola

Picadeiro de São Paulo e pelo “Fool Time Circus Arts” da Inglaterra. Iniciou sua carreira circense em 1985. Foi autor, produtor e protagonista do Circo Mínimo desde 1985 quando iniciou suas pesquisas entre a ligação entre o circo e o teatro.

9 O Espaço Cultural Semente foi um barracão alugado cuja gestão integrava um coletivo de grupos de Teatro e

Circo do distrito de Barão Geraldo, em Campinas/SP, sendo esses grupos principalmente: a Família Burg e o Paraladosanjos. Esse espaço hoje está desativado, mas os grupos compõem o coletivo de artistas do Centro Cultural Casarão.

10 Neste trabalho eu era responsável por conferir os equipamentos de segurança de cada aparelho que estaria

suspenso no guindaste para as acrobacias aéreas. Trata-se de um conhecimento de extrema  importância para um artista circense, visto que esta arte exige uma complexidade de habilidades que faz parte do universo circense.

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Em maio de 2011 fui convidado a ministrar uma série de palestras junto às disciplinas AC112 e AC212 – Técnicas Circenses I e II, do Instituto de Artes da UNICAMP. Em 2012 passei a atuar como professor substituto nessas mesmas disciplinas, onde permaneci até 2015. Atuar como docente me permitiu, além de um aperfeiçoamento das minhas qualidades didáticas, o desenvolvimento das atividades de pesquisa, sendo oportuno constatar que o ensino dessas disciplinas em Artes Cênicas trouxe subsídios extremamente relevantes à presente pesquisa de mestrado, visto que o curso de Artes Cênicas pedia que as técnicas e práticas circenses fossem abordadas como linguagem cênica, além das “habilidades”.

Foto 7 – Turma 2011 Artes Cênicas UNICAMP, 2013. Fonte: Elaborada pelo autor Foto 6 – NanoCirco, 2010. Fonte:

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Como atividade junto ao Departamento, criei o grupo de estudos Circo&Cena, composto por alunos da pós-graduação e graduação do Instituto de Artes da UNICAMP. Desenvolvemos atividades práticas e teóricas de pesquisa em circo, dança, música e teatro, tendo como enfoque os pontos de tensão e fusão entre essas linguagens. Em 2013, este grupo foi contemplado com o Projeto Aluno Artista denominado “Acrobacias Pensantes”, no qual foram realizadas oficinas de circo para os alunos da Universidade e para a comunidade, além de mesas redondas com artistas e pesquisadores da área, como Ermínia Silva, Ésio Magalhães e Marion Brede.

Esta experiência de ensino, além de aproximar a minha relação com o teatro, proporcionou-me novos enfoques aos estudos circenses que, no momento, transcendiam as questões técnicas. Ermínia Silva, já apresentada anteriormente, como historiadora do circo e oriunda de família circense, trouxe-nos a perspectiva da interação do circo com a sociedade, as estratégias dos empresários circenses, donos de circo, para produzir e comercializar seus espetáculos, bem como a sensibilidade dos artistas de absorverem as culturas por onde passavam. O grande ator, palhaço, Ésio Magalhães, muito nos contou sobre os processos criativos de seus espetáculos, afirmando grandes diferenças entre cada um deles no que diz respeito ao tempo de criação e organização do processo, concluindo que cada espetáculo necessita do seu próprio processo criativo. Marion Brede, por ter sido a rainha do circo, trouxe-nos histórias divertidas, como a viagem de avião em que seu macaquinho de estimação fugiu da bolsa durante o voo, causando confusão, e também a experiência da rigidez de um treinamento circense de fato.

As capacidades que o corpo humano precisa desenvolver para a execução das técnicas circenses exigem certamente um volume de treinamento em termos de tempo e intensidade muito maior do que me era disponibilizado para o trabalho com os alunos, importante para o estudo do circo como linguagem artística. A vivência como professor no Departamento de Artes Cênicas despertou em mim o desejo de me aprimorar academicamente mediante pesquisa em artes, o que culminou na minha entrada no mestrado em Artes da Cena.

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4. Diálogos entre treinamentos: o esporte e a cena

Pela minha experiência na prática desportiva, a atividade física regida pelos conhecimentos científicos que nos é apresentada pela Educação Física tem hoje um desenvolvimento que é fruto da propriedade da ciência de produzir conhecimentos objetivos, mensuráveis, quantificáveis. Assim, todo treinamento profissional e todo processo de ensino aprendizagem, progressão pedagógica e método de ensino dos esportes se inserem no desenvolvimento cientifico e tecnológico. Constitui uma integração dos conhecimentos dos processos bioquímicos, psicológicos e educacionais para a produção e organização dos caminhos de treinamento em termos de evolução de exercícios, progressão de intensidade e carga de trabalho: caracterizam, nos dias atuais, a dinâmica das atividades desportivas. Como exemplo, cito minha prática em quinze anos de hockey profissional/federado, organizada e

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planejada de acordo com o calendário anual das competições, qual seja, a integração do conhecimento cientifico progressivo de treinamento desportivo sempre aliada a objetivos competitivos, ou seja, a obtenção de um rendimento máximo, o que significa que a determinação das fases do treinamento de base, especifico e competitivo eram ditadas pelo calendário das competições.

No hockey, este treinamento consiste na execução do aprimoramento das atividades básicas evoluídas no desporto, cuja atividade, por sua vez, traz para o atleta as capacidades físicas envolvidas na prática, tornando-o apto às competições. O treinamento específico é aquele que engloba as técnicas e táticas de jogo que, por sua vez, dão forma às características inerentes a cada esporte. Já na fase competitiva do treinamento, o foco principal é a aproximação ao jogo em termos gerais (BOMPA, 2001). Se para praticar um esporte é necessário o desenvolvimento das capacidades físicas básicas, para uma peça teatral tornam-se também fundamentais jogos criativos e exercícios que permitam ao ator a criação. Assim, se nos esportes, depois das capacidades físicas básicas sobrevêm as específicas, onde irão se desenvolver os conceitos táticos e o aprimoramento técnico; no teatro, analogamente, após o processo criativo de acordo com Stanislávski (2002) tem-se o estudo da limpeza dos gestos e a ordenação das ações significantes.

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Por exemplo, no hockey, o treinamento de base consiste no aprimoramento da técnica de patinação, que se dá mediante exercícios de deslocamento com variações de velocidade, direção e sentido. Numa analogia com o espaço cênico, o treinamento dessas variações ajudariam o ator na compreensão da dramaturgia da cena. Isso porque podemos entender a dramaturgia como a composição da cena com os movimentos exercidos no espaço, em determinada trajetória, em intervalos de tempos, com sentido e deslocamentos exercidos pelos personagens. Dória completa:

mais do que a soma dos elementos da cena simplesmente [...], a dramaturgia está relacionada com as escolhas que podem ser intuitivas ou racionais, lógicas ou aleatórias. São escolhas, muitas vezes, não visíveis ao público, mas que, nem por isso, deixam de existir e de compor o espetáculo (DÓRIA, 2015, p. 150).

No hockey, há também exercícios de condução de “puc” (domínio da bola), exercícios de passe, recepção e chutes ao gol (finalização). No treinamento específico registram-se os exercícios de jogadas, sempre em grupos, treinando a ida ao gol e à defesa, visando estabelecer jogadas ensaiadas e mecanismos táticos de ataque e de defesa. No caso da cena, é possível pensar a bola como o foco da ação, envolvendo a participação e atenção de todo o elenco.

Durante as competições, os treinos passam a ser coletivos – “mini jogos” entre grupos da mesma equipe, em que se aproximam a intensidade e as características do jogo, usufruindo, por sua vez, das capacidades físicas básicas inerentes a este esporte e de suas habilidades específicas. Na cena, é igualmente necessário esse treinamento do estado de jogo, ou seja: no treinamento pré-estreia tem que haver uma aproximação das ações motoras que serão utilizadas na cena.

Apesar das analogias mencionadas, ao iniciar os treinamentos em técnicas circenses (técnica esta que desejo integrar à linguagem teatral), notei que os caminhos para sua realização não eram sempre os mesmos, não eram pré determinados, não havia uma grade definida com exatidão na progressão pedagógica, considerando a evolução coordenativa e de intensidade de força. As atividades eram passadas de acordo com a individualidade de cada pessoa. Esta forma de ensino/aprendizagem individualizada, a meu ver, tem origem na maneira como o conhecimento das técnicas circenses vêm sendo transmitidas ao longo de sua historia, de pai para filho no seio das famílias circenses, uma vez que os limites entre Arte e Vida são permeáveis (CASTRO, 2005, p. 17).

A importância da execução técnica no circo é atrelada à sobrevivência da família. Assim, por exemplo, uma das características das técnicas circenses é a preocupação com a

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durabilidade e a manutenção da virtuosidade dos números. Vale a pena lembrar que essa conquista da virtuosidade dos números se dá por meio da valorização das tentativas certas, e não das virtudes intrínsecas ao individuo, como pudemos constatar em mais de dez anos de treinamento junto a famílias tradicionais circenses.

Se tornarmos o momento de apresentação e o momento de competição como objetivos e fins, respectivamente para o treinamento circense e para a preparação corporal do atleta, percebemos claramente a diferença de visão e enfoque nas ações físicas. Enquanto na competição desportiva as ações motoras são destinadas ao objetivo de vencer outro adversário, na apresentação circense o jogo de acertos e erros é definidor de sua própria capacidade motora. Sua arte depende do seu acerto; muitas vezes, sua vida depende do seu acerto, de modo que a seriedade e importância do treinamento é a mesma. O compromisso com a precisão do gesto é visto com outro olhar. Por um lado, o que vale é a “bola na rede” e, por outra, a “expressão do incrível”, do extraordinário.

Ao voltarmos nossos olhares para o circo, podemos constatar que este se apresenta ao público estabelecendo uma fluida troca emotiva, acentuada pela adrenalina presente em todos os envolvidos, proveniente da exposição ao risco de morte que se tem nas acrobacias circenses.

Em sendo uma estrutura diferente de espetáculo, o circo não tem a

montagem de um repertório coletivo entre os artistas; no máximo, algumas danças e interlúdios que, em grandes circos, são restritos ao corpo de baile: assim como a música que tem a sua banda, os artistas, em suas trupes ou individualmente, ensaiam seus números. Preparam-se a vida toda para uma atividade específica, única, adaptada ao ser, criativa, que vai se unir às dos demais artistas do circo para comporem o espetáculo, que se torna forte e que resiste com sua essência por gerações, ultrapassando e incorporando antropofagicamente culturas, tendências sociais e econômicas (SILVA, 2007, p. 21).

Considerando essas características, observamos também uma força e um conhecimento das famílias circenses no que diz respeito à sua sobrevivência, ou seja, a

Foto 10 – Trapézio em balanço, 2014. Fonte: Acervo de fotos do “Ponte pra Lua”

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inserção de sua arte na comunidade, formas de difusão de seus “produtos artísticos” integrando-os sem se dissolverem.

Cabe aqui uma reflexão sobre as diferentes formas de percepção e utilização do corpo humano. O que se constata é que “a educação física ainda tende a considerar o corpo como primordialmente biológico” (DAOLIO, 2013, p. 42). O autor reafirma o engano de se encarar o corpo como puramente biológico, visto tratar-se de um patrimônio universal sobre o qual a cultura escreve histórias diferentes. Ao demonstrar que homens de nacionalidades distintas apresentam semelhanças físicas, acrescenta: “para além das semelhanças ou diferenças físicas, existe um conjunto de significados que cada sociedade escreve nos corpos de seus membros ao longo do tempo, significados estes que definem o que é corpo de maneiras variadas.” (DAOLIO, 2013, p. 34).

Estas colocações nos levam a entender e a caracterizar níveis de percepção do movimento corpóreo de forma distinta. Na educação física, embora se possam encontrar diferentes abordagens de pensamento sobre o corpo humano, de uma forma geral, busca-se uma compreensão única do corpo, mundialmente aceita, com conceitos de treinabilidade definidos para cada fase do desenvolvimento motor. Na verdade, as atividades desportivas criadas pelo ser humano ganham raízes e características próprias, que passam, de certa forma, a segregar e a selecionar seus praticantes, o que representa uma inversão de fluxo, ou seja, o ser humano passa a ter que se moldar às técnicas e aos objetivos competitivos ancorados em padrões universais. Explicitando, não é o próprio atleta quem define os objetivos de sua “performance” para o jogo, cujo conceito vem dos órgãos fomentadores da indústria do esporte para os atletas. Vide histórico de índices das Olimpíadas (IAAF, 2018).

É oportuno recorrer à obra do antropólogo Marcel Mauss, citada por Daolio (2013), que, ao discutir o termo “Técnica Corporal”, afirma que esta “não significa apenas o emprego técnico do corpo para realizar determinadas funções... o corpo é o principal e mais natural instrumento do ser humano” (DAOLIO, 2013, p. 44); assim, deve-se compreender “Técnica Corporal” no seu sentido mais abrangente – o de fato social, que pode ser pensado “em termos de tradição a ser transmitida através de gerações” (MAUSS, 1974, p. 2). A ideia de “Técnica Corporal” apresentada por Mauss, no início do século passado, adequa-se ao que vivenciamos hoje no treinamento circense tradicional, pela forma com que se é transmitida a “técnica corporal”, em si. Trata-se de uma transmissão oral familiar, na qual os conceitos técnicos se misturam com a história e com a trajetória de interação social pela qual o circo passou e vem passando.

Referências

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