• Nenhum resultado encontrado

As cidades nas redes globais de produção de petróleo e gás : o Rio de Janeiro no contexto da América do Sul  

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "As cidades nas redes globais de produção de petróleo e gás : o Rio de Janeiro no contexto da América do Sul  "

Copied!
140
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

MARIANE SANTOS FRANÇOSO

AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS DE PRODUÇÃO DE

PETRÓLEO E GÁS: O RIO DE JANEIRO NO CONTEXTO DA

AMÉRICA DO SUL

Campinas

2019

(2)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

MARIANE SANTOS FRANÇOSO

AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS DE PRODUÇÃO DE

PETRÓLEO E GÁS: O RIO DE JANEIRO NO CONTEXTO DA

AMÉRICA DO SUL

Prof. Dr. Célio Hiratuka – orientador

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Ciências Econômicas, na área de Teoria Econômica.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA MARIANE SANTOS FRANÇOSO E ORIENTADA PELO PROF. DR. CÉLIO HIRATUKA.

Campinas

2019

(3)
(4)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

MARIANE SANTOS FRANÇOSO

AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS DE PRODUÇÃO DE

PETRÓLEO E GÁS: O RIO DE JANEIRO NO CONTEXTO DA

AMÉRICA DO SUL

Prof. Dr. Célio Hiratuka – orientador

Defendida em 29/07/2019

COMISSÃO JULGADORA

Prof. Dr. Célio Hiratuka - PRESIDENTE

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Prof.ª Dr.ª Ana Paula Vidal Bastos Universidade de Brasília (UnB)

Prof. Dr. José Augusto Gaspar Ruas Faculdades de Campinas (FACAMP)

Prof. Dr. Maurício Aguiar Serra

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Prof. Dr. Renato de Castro Garcia

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

(5)

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo (FAPESP), através do processo n. 2016/06888-1.

Agradeço aos professores Maurício Serra, Ana Paula Bastos, Renato Garcia e José Augusto Ruas pela participação na defesa e por terem contribuído com críticas e sugestões que enriqueceram a versão final desta tese.

Agradeço ao professor Célio Hiratuka, por ter me orientado ao longo do desenvolvimento desta tese, e ao professor Javier Revilla Diez por ter me recebido durante o período que passei na Universität zu Köln. Agradeço aos colegas do projeto “Gateway cities and their hinterland: global cities from the Global South as nodes in global commodity chains”: Patrícia Alencar, Soren Scholvin, Maurício Aguiar e Ana Paula Bastos, pela convivência e contribuições realizadas ao longo do desenvolvimento do projeto. Agradeço especialmente ao colega Moritz Breul por ter cedido os dados das bases Zephyr e FDI Markets, usados em parte da análise aqui desenvolvida. Todos vocês contribuíram muito para a minha formação quanto pesquisadora.

Agradeço aos demais professores do IE pela enorme contribuição que deram a minha formação e aos funcionários, por sempre se mostrarem tão prestativos e dedicados. Agradeço às amigas de Assis, aos amigos da rep Coruja e, principalmente, à Flávia, sempre tão querida e atenciosa.

Finalmente, mas não menos importantes, agradeço a três pessoas que foram fundamentais ao longo desses anos de doutorado. Primeiramente, aos meus pais, que sempre me mostraram o valor do conhecimento e sempre me incentivaram a estudar, que me ampararam financeiramente (são tempos difíceis para a pesquisa), e também emocionalmente, eu não tenho palavras para exprimir a minha gratidão por tudo que vocês fizeram e fazem por mim. Agradeço também ao Lucas, meu companheiro, amigo, consultor de Excel, proof reader e incentivador, a sua companhia faz toda a diferença.

(6)

RESUMO

A estrutura produtiva global vem passando por grandes mudanças. Ao longo das décadas de 1980 e 1990, verificou-se uma intensa fragmentação e dispersão geográfica de atividades. Apesar dessa dispersão, as atividades de maior valor agregado das redes produtivas continuam concentradas em apenas algumas cidades, que desempenham diferentes papeis em diferentes redes produtivas. A partir dessas considerações, a presente tese analisou o papel das cidades como locais estratégicos para o acoplamento de países e regiões às redes globais de produção, abordando o caso do Rio de Janeiro, no contexto das cidades da América do Sul, evidenciando o papel que a cidade desempenha no acoplamento à rede de petróleo e gás. Para isso, foram usadas diversas bases de dados, entrevistas e foi aplicada a metodologia de redes. Os resultados obtidos evidenciam que a cidade do Rio de Janeiro se destaca entre as cidades da América do Sul, desempenhando diversas funções, especialmente a de produção de conhecimento, atividade de alto valor agregado e que possibilita maior captura de valor. Esse papel de destaque, em relação às outras cidades da região, está fortemente ligado ao fato do Rio de Janeiro sediar a Petrobras.

(7)

ABSTRACT

The global productive structure has undergone great changes. Throughout the 1980s and 1990s, there was an intense fragmentation and geographical dispersion of production stages. Despite this dispersion, the higher value-added activities of the productive networks remain concentrated in only a few cities, which play different roles in different productive networks. Based on these considerations, this thesis analyzed the role of cities as strategic locations for the coupling of countries and regions to global production networks, addressing the case of Rio de Janeiro, in the context of the South American cities, highlighting the role the city plays in the coupling to the oil and gas network. To do so, we used several databases, interviews and applied the network methodology. The results show that Rio de Janeiro stands out among the South American cities, performing several functions, especially the knowledge generation, a high value-added activity, which allows greater value capture. This prominent role, comparing to other cities in the region, is strongly linked to the fact that Petrobras is headquartered in Rio de Janeiro.

(8)

ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Formas de acoplamento às redes globais de produção ... 31 Gráfico 1 - Evolução das reservas provadas na América do Sul, de 2003 a 2016 (ton. Barris). ... 48 Figura 2 - Análise de cluster das cidades da América do Sul, a partir de variáveis selecionadas, no período de 2007 – 2016 ... 73 Figura 3- Rede de investimentos de petróleo e gás da América do Sul, no período 2007 - 2016 ... 83 Figura 4 - Comunidades Louvain na rede de IDE e F&A em petróleo e gás na América do Sul, no período 2007 - 2016 ... 89 Figura 5 - Locais de administração das atividades das empresas operadoras nos poços de petróleo e gás da América do Sul ... 98 Figura 6 - Locais de administração das atividades das empresas prestadoras de serviço nos poços de petróleo e gás da América do Sul ... 101 Figura 7 - Rede de conhecimento de petróleo offshore, a partir da localização de inventores em patentes concedidas pelo USPTO, no período de 2007 – 2017 ... 117

(9)

LISTA DE TABELAS

Quadro 1- A abordagem de cadeias globais de commodities e de valor versus a abordagem de redes globais de produção... 27 Tabela 1 – Petroleiras estatais na América do Sul... 48 Tabela 2 - Resultado do primeiro leilão público organizado pela ANP ... 53 Tabela 3 – Principais tópicos abordados pela literatura sobre a função das cidades em um contexto de globalização ... 64 Tabela 4 – Variáveis empregadas na análise e suas respectivas proxies ... 68 Tabela 5 – Grau de centralidade das cidades da América do Sul, a partir dos fluxos de IDE e F&A em petróleo e gás, no período 2007 - 2016 ... 69 Tabela 6 – Papel de gateway das cidades da América do Sul, a partir dos fluxos de IDE e F&A em petróleo e gás, no período 2007 - 2016 ... 71 Tabela 7 – Funções das cidades da América do Sul, de acordo com a descrição de projetos de IDE e F&A, no período 2007 – 2016 ... 72 Tabela 8 – Outdegree da rede de investimentos em petróleo e gás da América do Sul, no período de 2007 – 2016 ... 84 Tabela 9 - Principais empresas investidoras na cadeia de petróleo e gás da América do Sul, no período 2007 – 2016 ... 85 Tabela 10 – Resumo dos dados coletados na base A barrel full... 96 Tabela 11 –Localização das empresas prestadoras de serviços especializados para petróleo e gás presentes na América do Sul. ... 102 Tabela 12 - Lista de IPCs de tecnologias relacionadas à exploração de petróleo offshore ... 113 Tabela 13 - Camadas mais internas do particionamento k-core da rede de conhecimento de petróleo offshore, a partir da localização de inventores em patentes concedidas pelo USPTO, no período de 2007 - 2017 ... 118

(10)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

CAPÍTULO 1 - Arcabouço teórico e caracterização do setor de petróleo ... 18

1.1. As redes globais de produção: antecedentes e discussões ... 20

1.2. Cidades globais e gateway ... 33

1.3. A indústria do petróleo ... 42

1.4. A constituição da rede de petróleo e gás no Brasil ... 49

1.4.1. A fundação da Petrobras e o período pré-liberalização ... 49

1.4.2. A liberalização do setor ... 52

1.4.3. Pré-sal e o período recente ... 56

CAPÍTULO 2 - Conectando o hemisfério Sul às redes globais de produção: avaliando o papel das cidades da América do Sul na rede de petróleo e gás ... 60

2.1. Introdução ... 60

2.2. As cidades nas redes globais de produção ... 61

2.3. Metodologia ... 65

2.3.1. Coleta e tratamento dos dados ... 65

2.4. Resultados ... 69

2.4.1 Análise descritiva ... 69

2.4.2. Categorização das cidades ... 73

2.5. Considerações finais: ... 75

CAPÍTULO 3 - A organização espacial dos fluxos de IDE e F&A da cadeia de petróleo e gás na América do Sul ... 77

3.1. Introdução ... 77

3.2. Discussão teórica ... 78

3.3. Metodologia ... 80

3.4. Resultados e discussão ... 82

3.4.1. A rede sul-americana de investimentos em petróleo e gás... 82

3.4.2. A centralidade do Rio de Janeiro ... 84

3.4.3. Formação de Comunidades ... 88

3.5. Considerações finais: ... 90

CAPÍTULO 4 - A geografia das atividades da etapa upstream na América do Sul ... 92

4.1. Introdução ... 92

(11)

4.3. Metodologia ... 94

4.4. Resultados e discussão ... 97

4.5.Considerações finais ... 104

CAPÍTULO 5 - A inserção de locais ricos em recursos naturais do Sul Global em redes de conhecimento: o Rio de Janeiro na rede de conhecimento de petróleo offshore ... 106

5.1. Introdução ... 106

5.2. A produção de conhecimento em um contexto de redes globais de produção ... 107

5.3. A dinâmica de produção de conhecimento no setor de petróleo ... 110

5.4. Metodologia: ... 112

5.5. Resultados e discussões ... 115

5.6. O Rio de Janeiro na rede de conhecimento de petróleo offshore ... 119

5.7. Considerações finais ... 122

CONCLUSÃO ... 124

(12)

INTRODUÇÃO

A presente tese foi desenvolvida com apoio da FAPESP, processo n. 2016/06888-1, no âmbito do projeto “Gateway cities and their hinterland: global cities from the Global South as nodes in global commodity chains”, desenvolvido com o financiamento do consórcio FAPESP - DFG, em cooperação com pesquisadores brasileiros e alemães. O projeto teve como objetivo mostrar como algumas cidades do Sul global funcionam como intermediárias entre as suas respectivas regiões e a economia global, analisando o caso da indústria de petróleo e gás na América do Sul, África subsaariana e sudeste asiático.

A estrutura produtiva global vem passando por grandes mudanças. Ao longo das últimas décadas verificou-se uma intensa e crescente fragmentação e dispersão de atividades. Esse processo foi marcado pela transferência internacional de etapas produtivas, de maneira a aproveitar as possibilidades de redução de custos, acompanhada de ganhos de economias de escala e escopo, viabilizados pela ampliação dos mercados e pela gestão coordenada de atividades geograficamente dispersas. O processo de produção passou a ocorrer em uma configuração de rede internacional, integrando diferentes locais e diferentes empresas (HIRATUKA E SARTI, 2015).

A partir dessa nova configuração, a economia global recente pode ser definida como uma série de complexas redes globais de produção, nas quais os fluxos materiais e imateriais são controlados e coordenados por atores distribuídos em diversos locais (COE et al, 2010). Nesse contexto, diversos atores (empresas, Estado, instituições financeiras e de serviços) interagem, moldando as relações, a configuração das redes e a forma como os diferentes locais estão inseridos nas redes. Essa inserção, por sua vez, condiciona as possibilidades destes locais se desenvolverem economicamente (COE E YEUNG, 2015).

Embora essas atividades ocorram de forma globalizada e geograficamente dispersa, os autores que abordam os aspectos espaciais de tal dispersão, afirmam que as atividades de maior valor agregado, como as relativas ao controle e coordenação dessas redes e à geração de conhecimento, ainda estão concentradas em poucas cidades, que, devido a esse controle, concentram grande parte dos fluxos econômicos mundiais (SASSEN, 1991; FRIEDMANN, 1986). Dessa forma, essas cidades aparecem como locais estratégicos para a organização das redes globais de produção e também para a realização do acoplamento de países e regiões às redes, já que essas cidades apresentam uma série de atributos que possibilitam tal acoplamento.

(13)

O papel das cidades como locais estratégicos para o acoplamento de diferentes locais às redes globais de produção foi discutido por Scholvin et al (2017a, b), que destacam que a integração às redes ocorre através de cidades que possuem determinados atributos, como um grande setor de serviços, infraestrutura e mão de obra especializada. Essas cidades teriam um papel estratégico especialmente em locais do hemisfério Sul, onde predominam as desigualdades espaciais e problemas de infraestrutura.

A partir dessas considerações, a presente tese tem como objetivo geral analisar o papel das cidades no contexto de produção globalizada e geograficamente dispersa. A investigação desenvolvida neste trabalho destaca o papel das cidades como locais estratégicos para o acoplamento de países e regiões às redes globais de produção, abordando o caso do Rio de Janeiro, no contexto das cidades da América do Sul, evidenciando o papel que a cidade desempenha no acoplamento à rede de petróleo e gás.

A opção pelo setor de petróleo e gás se justifica pelo fato deste ser um setor com grande importância econômica, já que produz combustíveis e insumos que são empregados em diversas indústrias, além de ser um importante fator para o entendimento da geopolítica e das relações econômicas e de poder existentes entre diferentes locais.

Essa cadeia é globalmente dispersa, pois produtores e consumidores não se encontram necessariamente no mesmo local, o que contribui para a formação de uma estrutura global (BRIDGE, 2008). Adicionalmente, é possível delimitar o início dessa cadeia nas atividades relacionadas à extração, e, sendo os poços de petróleo e gás geograficamente fixos, é possível demarcar uma localidade na qual as atividades da cadeia produtiva têm início. Dessa forma, a partir dos poços, é possível identificar como as atividades subsequentes da cadeia estão localizadas espacialmente e quais são as localidades importantes para o funcionamento dessa rede.

No caso da indústria de petróleo, o olhar no nível da cidade é apropriado por dois motivos. Primeiramente, deve-se considerar que essa indústria é fortemente influenciada pelo contexto regulatório dos países produtores. Ligado a isso, tem-se uma indústria caracterizada pela proeminência das empresas estatais de países produtores, que exercem diferentes níveis de influência no setor petrolífero de seus respectivos países, de acordo com a regulação vigente. Finalmente, mas não menos importante, esse setor possui uma base de conhecimento do tipo sintética (ASHEIM et al, 2007), pautada pela interação entre clientes, fornecedores e prestadores de serviços especializados que, muitas vezes, devem fornecer soluções personalizadas a problemas específicos. Essa base de conhecimento incentiva a aglomeração das empresas em determinadas cidades para facilitar as interações entre os diferentes agentes.

(14)

Essa aglomeração é ainda mais incentivada pelas características da indústria de petróleo, em que as estatais são, ao mesmo tempo, importantes clientes e importantes atores políticos nas indústrias locais. Assim, as empresas do setor petrolífero tendem a se concentrar na cidade onde a sede da empresa estatal de petróleo do respectivo país está localizada.

Ao mesmo tempo, muitos países produtores não possuem uma estrutura completa de produção domesticamente, e, muitas empresas estrangeiras estão localizadas nos países produtores para cumprir requisitos condicionantes para a exploração e para facilitar as negociações com os atores do setor, o que não necessariamente implica no desenvolvimento de atividades de alto valor agregado nos países produtores (BREUL E REVILLA DIEZ, 2018). Assim, mesmo com a aglomeração de empresas em determinados locais, em muitos casos, as empresas petroleiras e as prestadoras de serviços especializados continuam recorrendo a fornecedores estrangeiros para produzir equipamentos e peças necessárias às diferentes etapas produtivas, configurando uma estrutura de rede.

Além dos aspectos econômicos, geopolíticos e da estrutura industrial em si, estudar a indústria de petróleo e gás no sul global, em um contexto de redes de produção, é relevante também devido ao histórico de dependência e problemas associados a essa atividade. O debate sobre os recursos naturais e o desenvolvimento econômico remontam aos anos 1950, quando Prebisch (1950), Singer (1950) e Furtado (1957) abordaram algumas questões relacionadas a um modelo de crescimento baseado em recursos naturais. Esses trabalhos enfatizaram aspectos resultantes desse modelo, como a estrutura produtiva heterogênea e especializada, a baixa elasticidade renda da demanda e a volatilidade dos preços.

Em uma vertente semelhante, alguns autores também investigaram os efeitos das exportações de recursos naturais na sobrevalorização da taxa de câmbio (CORDEN E NEARY, 1982; GELD, 1988), cunhando o termo doença holandesa. Além desses aspectos, a exploração desses recursos também evidenciaria a dependência econômica e tecnológica dos países do sul global, em relação aos desenvolvidos do norte, e a influência dos últimos na determinação de aspectos locais dos primeiros (CARDOSO E FALETTO, 1970). Para todos esses trabalhos, os recursos naturais conduziam a um modelo de crescimento instável, prejudicando a modernização e atualização dos países para atividades mais diversificadas e intensivas em conhecimento.

No entanto, a literatura recente está mostrando uma perspectiva diferente sobre a relação entre recursos naturais e desenvolvimento econômico. Alguns autores ressaltaram que é possível mitigar a maldição dos recursos naturais e transformá-la em um presente se os

(15)

países detentores de recursos se engajarem em atividades de geração de conhecimento e tecnologia, superando a posição de meros fornecedores de recursos naturais, e usando-os como plataforma para o desenvolvimento de atividades de alto valor-agregado e fazendo o upgrading nas redes de produção (TORVIK, 2009; MARIN et al, 2015; CRESPI et al, 2018). Nesse processo, o Estado é um ator fundamental para criar as condições necessárias para que isso ocorra.

Para desenvolver a análise proposta, o presente trabalho integra duas abordagens teóricas: a de redes globais de produção e de cidades globais e gateway. Ambas as abordagens serão discutidas a fundo no capítulo 1, destacando como esses conceitos foram sendo desenvolvidos ao longo do tempo. Para a análise empírica sobre o papel das cidades, foram coletados dados em diversas fontes e foram realizadas, também, algumas entrevistas no âmbito do projeto “Gateway cities and their hinterland: global cities from the Global South as nodes in global commodity chains”. Embora o trabalho se baseie em diferentes bases de dados, todas elas têm em comum a dimensão relacional. Essa dimensão é fundamental para o desenvolvimento de análises baseadas nos conceitos propostos, já que, de acordo com tais conceitos, o entendimento atual da produção e do desenvolvimento econômico se dá, fundamentalmente, a partir de uma lógica de interligação, em que os atores não estão isolados, mas inseridos em lógicas regionais e globais. Pensando nisso, em todos os capítulos são realizadas análises baseadas na metodologia de redes.

Esta tese consiste, além do capítulo teórico, em quatro capítulos de análise empírica, em formato de artigo, que buscam discutir e entender o papel das cidades, principalmente do Rio de Janeiro, nas redes globais de produção. Os capítulos 2 e 3 discutem a posição das cidades da América do Sul nas redes de investimentos de petróleo e gás de forma agregada, abrangendo as diversas etapas da cadeia, através de dados sobre IDE (Investimento Direto Estrangeiro) e F&A (Fusões e Aquisições). No capítulo 2 é proposta uma categorização das cidades, baseada na sua centralidade, no papel de intermediária que elas exercem (pensado sob a ótica do conceito de cidade gateway) e nas funções que elas desempenham. No capítulo 3 é proposta uma análise sobre o poder que as cidades centralizam nas redes de produção, quais os fatores que explicam esse poder e como ele é exercido em uma dimensão espacial. Através das duas análises desenvolvidas a partir dos fluxos de IDE e F&A, é possível avaliar mais diretamente o papel das cidades nas redes globais de produção, e visualizar como o Rio de Janeiro se destaca no contexto da América do Sul.

Os capítulos 4 e 5 trazem discussões focadas em atividades específicas da rede: as atividades administrativas e as de geração de conhecimento. O capítulo 4 discute a

(16)

configuração espacial das atividades de coordenação da etapa upstream da rede de produção de petróleo e gás, através da base “A barrel full”, mostrando como a política regulatória de exploração nos países produtores influencia essa configuração. As análises desenvolvidas no âmbito das redes globais de produção têm negligenciado o papel do Estado como um agente crucial na organização dessas redes (HORNER, 2017). Na rede discutida, a de petróleo e gás, o papel do Estado é ainda mais evidente, já que este detém os direitos sobre os recursos naturais. Assim, uma discussão sobre essa rede deve necessariamente passar pela discussão de como o Estado, em seu papel de regulador e de produtor, atua e como ele condiciona a espacialidade dessa rede e, consequentemente, as possibilidades de acoplamento e criação de valor.

O capítulo 5 trata especialmente do acoplamento às redes globais de produção através da geração de conhecimento em um segmento específico dessa indústria: a exploração offshore. Embora o setor de petróleo e gás seja considerado um setor maduro e de tecnologias bem estabelecidas, esse segmento é intensivo em conhecimento, requerendo avanços tecnológicos para a viabilização da exploração de novos poços de forma economicamente eficiente e ambientalmente segura. A geração de conhecimento é uma atividade sofisticada e de alto valor agregado, que possibilita não apenas a geração de valor, mas também a captura deste. Dessa forma, estar inserido na rede como um local produtor de conhecimento é fundamental para a captura de valor.

Essas quatro análises fornecem insights sobre como a configuração espacial dessa rede produtiva e as atividades concentradas nas cidades analisadas podem incentivar ou minar as possibilidades de desenvolvimento econômico local advindo do acoplamento às redes globais de produção. Como esta tese é composta por quatro capítulos em formato de artigo, que se baseiam em dados de diferentes fontes, cada capítulo apresentará uma breve discussão teórica que norteia a análise a ser desenvolvida e uma explicação da metodologia específica a cada análise.

A presente tese contribui para o entendimento da dinâmica das cidades de uma região possuidora de recursos naturais (América do Sul), negligenciada pela literatura (SURBORG, 2011), e o sistema global, identificando as cidades que contribuem para o acoplamento dessa região às redes de petróleo e gás, que, por sua vez, também tem sido negligenciado pela literatura sobre redes globais de produção (BREUL E REVILLA DIEZ, 2018). Essa identificação leva em consideração não apenas o papel das cidades como locais concentradores de atividades administrativas e serviços, como ocorre com frequência na

(17)

literatura de cidades globais, mas também como locais estratégicos para a produção e a geração de conhecimento.

Ademais, a presente tese também contribui ao trazer uma visão crítica sobre os benefícios obtidos através do acoplamento às redes produtivas globais, mostrando, através do diferente papel desempenhado pelo Rio de Janeiro, em comparação a outras cidades da América do Sul, a importância do papel do Estado nesse processo e da implantação de políticas que favoreçam o desenvolvimento de atividades de produção de conhecimento e tecnologia para o upgrading na rede.

(18)

CAPÍTULO 1 - Arcabouço teórico e caracterização do setor de petróleo

Desde a década de 1970 ocorreram mudanças radicais na economia, que culminaram com um novo padrão de organização espacial. Com a desregulação dos mercados e do sistema de crédito global, desde o colapso de Bretton Woods em 1973, e o aumento da globalização da produção e dos fluxos financeiros, não é mais possível os Estados se isolarem da economia mundial (BRENNER, 1998). Assim, economias fechadas e centradas nos seus respectivos mercados domésticos foram dando lugar a economias cada vez mais integradas e organizadas sob uma nova forma de produção fragmentada, geograficamente dispersa e internacionalizada.

Embora essa dispersão seja crescente, diversos autores verificaram que os fluxos econômicos continuam concentrados em determinadas cidades, que concentram funções administrativas e de coordenação de diferentes cadeias (FRIEDMANN, 1986; SASSEN, 1991). Para Brenner (1998), esse movimento de centralização dos fluxos em determinadas cidades está relacionado com o surgimento de uma nova divisão internacional do trabalho, dominada por empresas transnacionais, e com mudanças institucionais, que acompanharam essa nova divisão.

No período pré-década de 1980, a divisão internacional do trabalho era baseada na produção de matérias-primas pelos países periféricos e manufatura industrial nos países centrais. Contudo, pós-década de 1980, com maior intensificação nas últimas décadas, houve uma realocação de atividades, com a ida das indústrias para países periféricos, na busca por mão de obra mais barata (BRENNER, 1998).

Esse movimento foi intensificado com as empresas americanas ao longo da década de 1980, como resultado das políticas monetárias adotadas pelo governo. Após sucessivos déficits no balanço de pagamentos e crescente inflação, houve perda de confiança do mercado em relação ao dólar. Para conter tal desconfiança foi lançado um programa para frear a inflação, em 1978, que previa diminuição dos gastos públicos e aumento das taxas de juros. Na sequência, em 1979, foi lançada uma drástica política monetária, que ficou conhecida como Plano Volcker (HELLEINER, 1994; BASSENS e VAN MEETEREN, 2015). Essa política implicou em um aumento expressivo dos custos de empréstimos para as empresas americanas. Isso, associado a um dólar valorizado, exerceu grande pressão nos custos da manufatura americana, incentivando as empresas a aumentarem o outsourcing internacional. Com o passar do tempo, essa forma de produção foi se espalhando, conforme as

(19)

empresas perceberam que esse movimento permitia maiores lucros, através da especialização e dos ganhos com economias de escala e escopo (COE E YEUNG, 2015).

Essa reorganização, baseada na fragmentação, atingiu também as economias do hemisfério sul. Com o novo formato produtivo e pressões crescentes para a abertura econômica, países como China, Índia e Brasil foram integrados à economia global. Com isso, as cadeias produtivas se internacionalizaram cada vez mais, concentrando algumas etapas nestes novos players, que ofereciam vantagens como mão de obra barata, matéria-prima abundante e grandes mercados domésticos (GEREFFI, 2013). Assim, novas cidades, inclusive algumas do hemisfério sul, em áreas antes classificadas como periferia, passaram a ter crescente importância nos fluxos de capital.

Além da reorganização espacial, Brenner (1998) afirma que também houve um processo de desindustrialização de muitas cidades centrais, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, com aumento da presença dos serviços relacionados às atividades administrativas nessas cidades. Dessa forma, as cidades do hemisfério norte, que antes exerciam o seu poder na economia global principalmente como centros produtivos, passaram, com a nova divisão internacional do trabalho e o novo formato produtivo, a participar da economia global como centros administrativos, tornando-se centros de decisão, planejamento financeiro e controle.

A partir dos novos formatos produtivo e de organização econômica que vêm se delineando, algumas novas perspectivas de análise foram desenvolvidas, a fim de caracterizar e discutir as implicações desse novo formato. Entre elas destacam-se as cadeias globais de commodities, cadeias globais de valor e redes globais de produção. As duas primeiras compartilham a mesma origem, já que a segunda é uma derivação direta da primeira. A terceira, embora parta de pressupostos semelhantes aos das outras duas, diferencia-se mais fortemente delas por incorporar ativamente aspectos institucionais. As três perspectivas têm raiz na teoria de sistemas mundiais, sendo que as redes globais de produção também incorporam aspectos relacionados à geografia econômica e à teoria de ator-rede, derivada de estudos de sociologia do conhecimento científico (MCKINNON, 2012).

Outros conceitos também foram desenvolvidos com foco na organização espacial e no papel que as cidades concentradoras de fluxos desempenham, tanto em uma perspectiva global como em uma perspectiva de intermediação, mostrando como determinadas cidades funcionam como canais entre as economias locais e o sistema global.

Essas vertentes teóricas vão orientar o desenvolvimento da análise proposta neste trabalho. Portanto, faz-se necessário entender como esses conceitos foram desenvolvidos ao

(20)

longo do tempo e os debates que orientaram as agendas de pesquisa relacionadas a eles. Essa discussão será desenvolvida nas duas próximas seções. Além do entendimento dos conceitos, também é importante entender a dinâmica específica envolvida no setor de petróleo e gás, suas características e estrutura. Isso será abordado na terceira seção deste capítulo.

1.1. As redes globais de produção: antecedentes e discussões

No contexto de produção fragmentada e globalmente dispersa, três principais perspectivas analíticas nortearam as pesquisas sobre o tema: cadeias globais de commodities e de valor e redes globais de produção. As cadeias globais de commodities surgiram como uma alternativa a forma como o mainstream vinha tratando os fluxos econômicos de larga escala, que se tornaram cada vez mais intensos. A análise tradicional, pautada na visão do comércio internacional que ocorria a partir da dotação de fatores de cada nação, mostrou-se insuficiente para a análise da nova configuração que vinha se formando. Com isso, novas formas de análise, como as cadeias de commodities, foram surgindo na tentativa de mostrar de forma mais clara como tais fluxos ocorriam (BROWN et al, 2010).

De acordo com Bair (2005), o termo “cadeia de commodities” foi cunhado inicialmente em um artigo de Hopkins e Wallerstein, de 1977. Nele, os autores destacavam a sua visão sobre uma possível agenda de pesquisa sobre o tema de sistemas mundiais, pautada em uma visão não ortodoxa da globalização. De acordo com essa visão, o processo de globalização estava refletido na formação de uma cadeia de commodities, tratada pelos autores como uma sucessão de processos envolvidos na produção de um bem final.

Embora esse termo tenha nascido com Hopkins e Wallerstein (1977), foi com Gereffi e Korzeniewicz (1994), que ele assumiu um caráter mais dinâmico e se popularizou. Os últimos definiram as cadeias globais de commodities como um conjunto de redes interorganizacionais agrupadas em torno de um produto, ligando vários atores entre si e com a economia global. A análise de uma cadeia de commodities mostra como a produção, distribuição e consumo são moldados pelas relações sociais que caracterizam os estágios sequenciais de aquisição de insumos, manufatura, distribuição, marketing e consumo. Para Gereffi e Korzeniewicz (1994), essa abordagem permite visualizar as desigualdades espaciais da economia mundial, em termos de acesso aos mercados e recursos.

Na apresentação do conceito, Gereffi e Korzeniewicz (1994) traçam como plano de fundo para o seu desenvolvimento o fato de que a industrialização em escala global tem

(21)

implicado em diversas mudanças, que têm sido vistas desde os anos 1970. Um dos resultados dessas mudanças é a formação de uma estrutura produtiva global, na qual uma mercadoria é produzida por muitos países, com cada nação desempenhando tarefas nas quais ela tem vantagens de custos. O esquema produtivo que tem se configurado é baseado, assim, na desagregação dos estágios produtivos e de consumo, extrapolando as fronteiras nacionais, sob uma estrutura organizacional de rede.

Com o trabalho desses autores, o conceito de cadeias globais de commodities passou a ser entendido não apenas como uma sucessão linear de etapas envolvendo a transformação de matérias-primas em produtos, mas sim como um processo complexo que conecta um conjunto de atividades produtivas. Além do entendimento sobre o funcionamento da produção, os autores extrapolam o nível micro, mostrando também as consequências desse formato, enfatizando como as cadeias reproduzem um sistema mundial hierárquico. Os autores destacam, ainda, aspectos relacionados à criação de valor, sua distribuição e controle dentro das redes transnacionais, que englobam desde a exploração da matéria-prima até diferentes estágios de comércio e serviços (BAIR, 2005; DERUDDER E WITLOX, 2010).

Para Gereffi (1999), a abordagem da cadeia de commodity é especialmente adequada para a análise do contexto de produção global, pois ela incorpora uma dimensão internacional na análise, foca no poder exercido pela empresa líder em diferentes segmentos da cadeia e ilustra como o poder muda ao longo do tempo. Essa abordagem vê a coordenação da cadeia como uma fonte de vantagens competitivas, e olha para o aprendizado organizacional como um dos mecanismos críticos pelos quais as empresas tentam melhorar ou consolidar a sua posição dentro da cadeia.

Com essas considerações, uma das principais hipóteses dessa abordagem é que o desenvolvimento econômico requer a conexão com as mais importantes empresas de um setor. Essas empresas podem atuar em diferentes fases da produção, ou estar envolvidas no fornecimento de componentes. O que vai efetivamente caracterizar as empresas líderes é o fato de que estas controlam o acesso a importantes recursos produtivos, que geram os maiores lucros em uma determinada indústria (GEREFFI, 1999).

Gereffi e Korzeniewicz (1994) identificaram quatro dimensões de análise das cadeias globais de commodities:

1. Estrutura insumo-produto: uma cadeia de valor adicionado de produtos, serviços, e recursos ligados em uma gama de indústrias relevantes;

2. Territorialidade: padrão da distribuição geográfica, que pode ser concentrada ou dispersa;

(22)

3. Estrutura de governança: as relações de poder e autoridade entre as firmas, que determinam como os recursos serão alocados na cadeia;

4. Aspecto institucional: identifica como as condições locais, nacionais e internacionais moldam o processo de globalização em cada estágio da cadeia.

Ao longo do desenvolvimento de seu trabalho, Gereffi se mostrará especialmente preocupado com o terceiro aspecto, como em Gereffi et al (2005) e Gereffi e Lee (2016), deixando em segundo plano as outras dimensões levantadas. Com a concentração do foco na estrutura de governança, os estudos das cadeias de commodities foram abrindo espaço para os de cadeias globais de valor, como Sturgeon et al (2008), Fernanadez-Stark et al (2011), Gereffi et al 2005, entre outros.

Com esse foco, a forma como a empresa líder desenvolve as suas relações com as empresas subordinadas dentro da cadeia se torna especialmente importante, sendo que o aspecto poder passa a ganhar mais destaque. Em relação a isso, Gereffi (2013) considera que as investigações sobre as formas de governança são fundamentais para entender como o poder corporativo molda a distribuição de riscos e lucros em uma indústria, e para identificar quem são os atores que concentram o poder e como ele está distribuído.

O desenvolvimento das categorias de governança tem forte vínculo com a teoria dos custos de transação, além de considerar também as possibilidades de ganhos de escala e escopo a partir da especialização. Assim, são levantados dois pontos principais:

1. Quanto mais específico é um produto ou serviço, mais provável é que ele envolva investimentos específicos, o que aumenta o risco de oportunismo, eliminando a possibilidade de terceirização ou tornando-a mais cara, devido à necessidade de salvaguardas; 2. Mesmo sem oportunismo, os custos de transação aumentam quando as relações interfirma requerem grande coordenação, por exemplo, insumos que não são padrão envolvem transferências de informações mais complexas e, consequentemente, interações intensas além das fronteiras da empresa.

Considerando tais aspectos, Sturgeon et al (2008) destacam que existem 3 tipos de relações de fornecimento, baseadas no grau de padronização da produção, enfatizando a complexidade da troca de informação entre firmas e o grau de especificidade na produção:

1. Fornecedor de commodity: fornece produtos padrão;

2. Fornecedor cativo: fabrica produtos não padronizados, usando maquinário dedicado às necessidades dos compradores;

3. Fornecedor-chave: fabrica produtos customizados pelos compradores e usa maquinário com capacidade para atender a diferentes tipos de clientes.

(23)

A partir das observações realizadas em estudos focados nessa área, como Gereffi et al (2005), foram identificadas cinco formas de governança:

1. Mercado: as ligações do mercado não são necessariamente transitórias, elas podem persistir com repetidas transações. O ponto essencial é que os custos de mudar para novos parceiros são baixos para ambas as partes.

2. Cadeia de valor modular: os fornecedores nessas cadeias fabricam produtos de acordo com as especificações dos clientes. Entretanto, quando fornecem serviços turn-key, eles tomam toda a responsabilidade pelas competências envolvidas no processo tecnológico, usando maquinário genérico que limita as transações de investimentos específicos.

3. Cadeia de valor relacional: ocorrem interações complexas entre compradores e vendedores, que criam dependência mútua e altos níveis de especificidade de ativos. Muitos autores destacam o papel da especificidade espacial no suporte dessas ligações. Contudo, confiança e reputação podem funcionar para redes dispersas, em que as relações são construídas ao longo do tempo.

4. Cadeias de valor cativas: pequenos fornecedores são dependentes de grandes compradores, com alto grau de monitoramento e controle por parte das empresas líderes.

5. Hierárquica: essa forma de governança é caracterizada pela integração vertical, com controle administrativo.

Algumas condições são especialmente importantes para a determinação de qual forma de governança prevalecerá na cadeia, como a complexidade das transações, o nível de codificação das informações requeridas para o desenvolvimento de determinada atividade, e as capacitações dos fornecedores (GEREFFI et al, 2005).

Os autores envolvidos nessa abordagem afirmam que outros aspectos também são relevantes no estudo das cadeias de valor, como a história, as instituições, os contextos geográficos e sociais e as “regras do jogo”. Contudo, eles defendem que uma abordagem simples pode ser útil para isolar variáveis-chave e fornecer uma visão sobre as forças fundamentais que interagem moldando as relações que se desenvolvem ao longo da cadeia (GEREFFI et al, 2005).

A análise das cadeias de valor enfatiza a expansão global das cadeias e como o valor é criado e capturado nelas. Por analisar todas as atividades que empresas e trabalhadores desempenham para produzir um determinado bem, da sua concepção ao uso final, a abordagem de cadeias de valor fornece uma visão holística das indústrias globais, a partir de duas perspectivas: top down e bottom up. O aspecto fundamental para a visão top down é a governança das cadeias. Já para a perspectiva bottom up, o principal aspecto é o upgrading,

(24)

que foca nas estratégias usadas por países, regiões e outros agentes econômicos para manter ou melhorar as suas respectivas posições na economia global (GEREFFI, 2013).

O upgrading é definido como o processo pelo qual agentes econômicos se movem das atividades de baixo para as de alto valor adicionado dentro das cadeias de valor. O desafio do upgrading econômico nas cadeias é identificar as condições sob as quais cada país e firma podem melhorar o seu posicionamento na cadeia de valor (GEREFFI, 2013; SALIOLA E ZANFEI, 2009).

A abordagem de cadeias globais de valor também incorpora a questão do embeddedness, que será central para o desenvolvimento subsequente da abordagem de redes globais de produção, relacionando-o à dependência de trajetória contida nos processos econômicos. Nesse sentido, Sturgeon et al (2008) afirmam que a história da indústria, sua organização social e o desenvolvimento das instituições locais importam, na medida em que eles delineiam os limites e possibilidades de upgrading e de funcionamento da cadeia dentro de determinadas estruturas. Dessa forma, a mudança em redes espacialmente embedded é lenta e de trajetória dependente.

Emprestando conceitos como embeddedness e upgrading e, incluindo mais ativamente aspectos institucionais e outros atores, negligenciados pelas abordagens de cadeia de commodities e de valor, surge a abordagem de redes globais de produção. Essa abordagem foi desenvolvida a fim de constituir uma estrutura analítica para análise da economia global e de seus impactos no desenvolvimento regional, entendendo-se as regiões de forma plural, podendo se tratar de estados, regiões subnacionais, supranacionais ou cidades (COE et al, 2014). Essa abordagem se destaca e diferencia em relação às outras ao dar forte peso à territorialidade (DICKEN et al 2001), desenvolvendo a análise de forma multiescalar (COE E YEUNG, 2015). Como nos conceitos de cadeias, a base para essa abordagem também é a teoria de custos de transação (COE E HESS, 2006).

As redes globais de produção podem ser definidas como as funções e operações interconectadas, organizadas globalmente por firmas e outras instituições para a produção e distribuição de bens e serviços. Essas redes integram firmas em estruturas que extrapolam as fronteiras organizacionais tradicionais, através do desenvolvimento de diversas relações, e integram as economias de forma a impactar o seu desenvolvimento econômico. A natureza da articulação das redes de produção centradas nas firmas é influenciada pelos contextos sócio-políticos nos quais elas estão inseridas, sendo que esses contextos são territorialmente específicos (COE et al, 2010; YEUNG, 2014).

(25)

Embora as três perspectivas analíticas estejam pautadas em uma abordagem relacional, com o objetivo de entender a dinâmica do desenvolvimento capitalista contemporâneo em contextos locais e globais (COE E HESS, 2006), elas apresentam algumas diferenças. Apesar de a abordagem de redes globais de produção emprestar várias ideias das abordagens de cadeias de commodities e de valor, ela muda o foco da análise ao traçar como objetivo final o entendimento de como o acoplamento dos diferentes locais a essas redes condiciona as possibilidades de desenvolvimento econômico. Ademais, pela sua estreita relação com a geografia econômica, o conceito de redes globais de produção incorpora de forma mais ativa a questão da territorialidade às análises dos processos econômicos.

Mahutga (2014) afirma que tanto a abordagem de cadeias de commodities e de valor como a de redes globais de produção investigam o mesmo fenômeno: a crescente globalização da produção e a extensão na qual a economia vem sendo organizada. Para Mahutga (2014), as duas literaturas se apoiam na ideia de que os diferenciais de poder têm implicações para o desenvolvimento econômico, na medida em que alguns atores têm maior capacidade do que outros em definir os termos sob os quais outros atores poderão fazer parte de uma determinada rede. Ele considera que o grande diferencial entre as abordagens está no fato de que enquanto a abordagem de cadeias está mais preocupada com as relações interfirma, a literatura de redes de produção está mais orientada ao impacto de forças adicionais, como instituições nacionais, regionais e globais, aspectos que Gereffi et al (2005) também consideravam importantes, mas que foram suprimidos da análise ou adicionados de forma secundária.

Os autores que desenvolveram o conceito de redes globais de produção criticam o fato de que os termos “commodity” e “cadeia” exprimem ideias que não estão de acordo com o formato produtivo atual. A preferência pelo termo produção, em vez de commodity, deve-se ao fato de que o último é entendido, muitas vezes, como um produto padronizado e com certa rigidez na forma de produção. Essa é a realidade de muitas atividades produtivas, mas não da totalidade das atividades industriais. De acordo com esses autores, o uso do termo “produção” também denota uma ênfase analítica em processos sociais envolvidos na produção, como a reprodução de conhecimento, e o poder do capital e do trabalho (HENDERSON et al, 2002).

Já o termo “cadeia” é criticado por dar a noção de uma linearidade de processos, em vez de uma ideia de fluxos de materiais, produtos intermediários, design, produção, e serviços financeiros e de marketing, organizados de forma complexa para a obtenção de um produto final (HENDERSON et al, 2002). Assim, uma importante diferença entre os

(26)

conceitos de cadeias e de redes de produção, de acordo com os autores da última vertente, é que, no segundo, as diferentes etapas do processo produtivo vão acontecendo de forma simultânea, com diversos agentes envolvidos (PEPPARD E RYLANDER, 2006).

Contudo, para autores relacionados à tradição de cadeias de commodities e cadeias de valor, como Bair (2005), o processo descrito pela abordagem desenvolvida por Gereffi, Korzeniewicz (1984) e outros não implica em tamanha linearidade e rigidez, mas sim se dá de forma dinâmica e complexa. Logo, embora existam diferenças facilmente identificáveis quanto à extensão de elementos incorporados a análise, a defesa de muitos autores da abordagem de redes de produção de que as abordagens de cadeias não captam a dinâmica dos processos por tratarem dele de forma linear, pode ser questionada.

Em resposta às críticas “semânticas” dos autores da abordagem de redes globais de produção aos da abordagem de cadeias, Sturgeon et al (2008) defendem que a metáfora da cadeia é propositalmente simplista, pois ela tem como objetivo direcionar o foco para a localização do trabalho e para as ligações entre as diferentes etapas que circunscrevem a produção de um produto ou serviço, desde o inicio até o final. Dessa forma, ela seria usada para facilitar e como uma forma de conduzir o processo de pesquisa sistematicamente.

No mesmo trabalho, os autores explicitam mais uma vez a sua contrariedade às críticas proferidas pelos autores da abordagem de redes de produção, afirmando que a abordagem de cadeia de valor não assume um fluxo unidirecional de recursos, embora haja um foco no poder do comprador, em detrimento de outros atores da cadeia. Esse foco, de acordo com Sturgeon et al (2008), incentiva o estudo e o direcionamento de um olhar mais atento às assimetrias de poder e às diferentes formas de governança que ela implica. Por fim, a defesa dos autores ao usar o arcabouço analítico da abordagem de cadeias de valor se baseia no fato de que essa abordagem fornece uma visão de nível meso, em que grandes estruturas são visualizadas, ao mesmo tempo em que entidades e atores de menor escala, como trabalhadores e empresas são considerados e incorporados à análise, o que pode ser visto em Fernandez-Stark et al (2011), por exemplo.

Outra crítica dos autores da abordagem de redes de produção a abordagem de cadeias é que a última se preocupa demasiadamente com o âmbito nacional, sem dar a devida atenção ao fato de que os diferentes locais estão inseridos em várias redes de escopo regional e global (COE et al, 2004). Esse entendimento é visto pelos autores da abordagem de redes de produção como fundamental para o entendimento do desenvolvimento econômico, que tem destaque dentro dos estudos que se apoiam nesse conceito.

(27)

As diferenças e os ganhos da análise sob a perspectiva das redes globais de produção foram mais bem explorados no trabalho de Coe e Yeung (2015) – Global Production Networks 2.0 – que enfatizam, mais objetivamente, como a incorporação de questões institucionais, que vão além da produção em si, são cruciais para o entendimento das diferentes formas de acoplamento dos diferentes locais às redes de produção, e como essas diferentes formas de acoplamento resultam em desenvolvimento econômico desigual. As diferenças entre as abordagens, tanto quanto ao seu background teórico e objeto de análise, estão sumarizadas no quadro 1:

Quadro 1- A abordagem de cadeias globais de commodities e de valor versus a abordagem de redes globais de produção

Cadeias de commodities/ cadeias de valor Redes globais de produção Área teórica Sociologia econômica; estudos de desenvolvimento; estudos sobre a indústria Geografia econômica; economia política internacional

Objeto de estudo Redes interfirma em

indústrias globais

Configuração das redes globais e desenvolvimento regional Conceitos orientadores Cadeias de valor adicionado; modelos de governança; aprendizado organizacional; upgrading industrial Criação de valor, melhoramento e captura; poder coletivo, institucional

e corporativo; embeddedness social, de

rede e territorial; acoplamento estratégico

Influências teóricas

Teoria dos sistemas mundiais; business; comércio internacional

Geografia econômica relacional; GCC/GVC; teoria ator-rede; variedades

do capitalismo Fonte: Adaptado a partir de Coe (2009 apud COE E YEUNG, 2015).

(28)

McKinnon (2012) considera que três questões têm papel fundamental dentro da análise de redes globais de produção: valor, poder e embeddedness. Dentro dessa abordagem, entende-se que o valor pode ser criado através do controle de um produto ou processo em particular, do desenvolvimento de capacitações organizacionais, e do aproveitamento de relações interfirma, além de ativos mais intangíveis, como a marca. Devido à competição por maiores fatias do mercado, é necessário também melhorar a forma pela qual se cria valor dentro da rede, através de transferência de tecnologias e melhora nas capacitações produtivas. Esses aspectos levantam a questão da captura de valor, pensando em quais atores e locais na rede são capazes de se apropriar do valor gerado.

A forma como o valor é incorporado dependerá da estrutura e da atuação das instituições, que pode se dar em três sentidos:

1. Criação de valor: através de esforços das instituições em atrair atividades de alto valor agregado, promover a rede de fornecedores e encorajar atividades empreendedoras; 2. Melhoramento: envolve transferência de conhecimento e tecnologia e upgrading industrial;

3. Captura de valor: relacionado diretamente às questões de poder e valor. O papel das instituições na negociação dessas questões está ligado às suas políticas de desenvolvimento, propriedade e governança corporativa (COE E YEUNG, 2015).

Henderson et al (2002) identifica três formas de poder dentro das redes de produção: o poder corporativo, institucional e coletivo. O poder corporativo diz respeito ao controle de uma empresa líder em uma rede sobre determinados recursos, informações, conhecimento, capacitações e marca. O poder institucional é exercido pelos Estados e instituições supranacionais, que podem desenhar um espaço institucional de acordo com as políticas e práticas implantadas. Por fim, tem-se o poder coletivo, que se refere a agentes de ampla representação, como sindicatos, organizações de trabalhadores e organizações não-governamentais.

Hess (2004 apud MCKINNON, 2012) identifica três formas de embeddedness: o social, que reflete como os atores estão inseridos nas perspectivas institucionais e regulatórias; a da rede, que destaca as relações sociais e econômicas nas quais um ator ou firma participam; e a territorial, referindo-se a fixação e mobilidade restrita de algumas redes em determinados locais.

É possível adicionar, ainda, que todas essas questões são localmente específicas. Logo, a territorialidade poderia ser incluída como uma quarta dimensão fundamental na análise das redes globais de produção. Dicken et al (2001) afirmam que as redes têm uma

(29)

territorialidade e organização específicas, que podem ser entendidas como resultado das atividades que estão sendo analisadas. Por exemplo, algumas redes de abrangência global são controladas por atores espacialmente distantes de onde as atividades ocorrem, o que é o caso quando são analisadas as relações entre o mercado financeiro e a indústria. Entretanto, quando analisamos redes como a de petróleo e gás, a territorialidade desta será fortemente influenciada pela localização das reservas, consumidores e histórico de políticas locais (privatização e nacionalização do setor, regras para exploração), já que se trata de uma rede que depende de dotações geológicas e com forte influência do Estado (MARTINUS E TONTS, 2015; MARTINUS E SIGLER, 2017).

Coe e Yeung (2015) consideram que a configuração e a governança das redes globais de produção são determinadas basicamente por três tipos de atores: firmas, atores extrafirma e intermediários. As firmas são as empresas que participam diretamente da produção, sendo que as redes são constituídas em torno de uma empresa líder, que exerce funções de controle e de coordenação da rede, e por empresas que ocuparão um papel menor, como fornecedoras da empresa líder, mas que estarão inseridas ativamente na rede, através da sua relação com ela (COE E YEUNG, 2015).

As firmas são os elos centrais através dos quais o valor é criado, mas atores extrafirma, como o Estado e organizações de trabalhadores, também podem contribuir para essa criação. Sobre isso, Horner (2017) afirma que o envolvimento do Estado nesse processo é fundamental, sendo que o grau de envolvimento deste varia significativamente.

Outro grupo de atores que tem ganhado cada vez mais relevância são os intermediários. Esses atores são, como o nome já diz, as empresas que auxiliam na mediação dos diferentes processos envolvidos no funcionamento das redes. Entre esses intermediários é possível destacar as instituições financeiras, empresas de logística e agências que estabelecem normas e padrões (COE E YEUNG, 2015).

A importância das instituições financeiras vai além do papel destas como fontes de financiamento para a atividade industrial. Com a massiva securitização dos ativos corporativos e as mudanças na gestão financeira das firmas, a dimensão financeira tem sido colocada no centro das redes de produção. As empresas líderes são geridas de forma crescentemente motivada pelos interesses dos acionistas e agências de rating (COE E YEUNG, 2015; LAZONICK E O’SULLIVAN, 2000). Em um contexto de produção com atividades geograficamente fragmentadas entre diferentes firmas, as operações são administradas considerando os diferenciais de taxas de juros, câmbio e sistemas tributários e regulatórios, a fim de garantir que a geração, melhoramento e captura de valor sejam

(30)

realizados da forma mais eficiente possível. Assim, as empresas produtivas têm recorrido cada vez mais a empresas prestadoras de serviços financeiros que auxiliam a lidar com os riscos financeiros envolvidos no novo modelo produtivo (COE E YEUNG, 2015).

As empresas de logística também estão no centro dessa nova dinâmica dispersa geograficamente, por serem atores fundamentais para garantir o funcionamento dessas redes. Assim, locais com boa estrutura logística são estratégicos para o estabelecimento de atividades econômicas. Essa é uma das justificativas para a aglomeração de determinadas atividades em alguns locais (SCHOLVIN, 2017a; COE E YEUNG, 2015).

A articulação entre esses três atores - firmas, atores extrafirma e intermediários - é balizada pelos aspectos levantados anteriormente, a saber: valor, poder e embeddedness. Essa articulação é fundamental para a determinação de se e como os diferentes locais vão se acoplar às redes globais de produção e quais serão as implicações desse acoplamento para o seu desenvolvimento econômico.

Para Coe et al (2004), o desenvolvimento econômico depende de três condições básicas:

1. A existência de economias de escala e escopo;

2. A possibilidade de economias de localização dentro das redes globais de produção;

3. A configuração apropriada de instituições.

Para Coe e Yeung (2015), o processo de acoplamento estratégico, crucial para o desenvolvimento econômico, tem três características básicas:

1. Ele é estratégico, pois resulta de ações deliberadas dos atores envolvidos; 2. É contingente em termos de tempo e espaço, pois envolve relações temporárias e eventuais de atores que, não necessariamente, vão interagir permanentemente;

3. Supera as barreiras territoriais, juntando atores que operam em diferentes escalas espaciais.

Logo, muitas das decisões fundamentais para o acoplamento de uma região é tomada por agentes que se localizam fora dela. Esse é um ponto-chave na perspectiva das redes de produção, pois ela considera que agentes com papeis em diferentes localidades e com funções em diferentes níveis (nacional, regional, estatal) interagem para moldar as redes.

Nesse processo, o papel das instituições é garantir que o acoplamento ocorra, moldando os ativos regionais para servirem às necessidades das empresas líderes nas redes (MCKINNON, 2012). Esse acoplamento pode ocorrer, basicamente, de três formas: interno, funcional e estrutural. No acoplamento interno, ocorre um movimento de dentro para fora, no

(31)

qual as redes locais, mais autônomas e capazes de capturar valor, participam das redes de produção já existentes ou criam novas redes regionais. No acoplamento funcional, as empresas locais se concentram em atender às necessidades de uma rede específica e já estabelecida. Os graus de autonomia e captura de valor neste caso são menores do que no primeiro. No terceiro caso, o acoplamento estrutural, ocorre um movimento de fora para dentro, em que as redes de produção conectam uma região às redes já existentes, por causa de seus ativos. O acoplamento estrutural tende a ser marcado por baixa autonomia e pouca captura de valor local (COE E YEUNG, 2015). Os acoplamentos são ilustrados pela figura 1:

Figura 1 - Formas de acoplamento às redes globais de produção

Fonte: Adaptado a partir de Scholvin et al (2017a).

Ao tratar do acoplamento estratégico e das implicações de desenvolvimento resultantes, essa vertente também se propõe a tratar o desenvolvimento sob uma perspectiva diferente, afastando-se de uma análise centrada exclusivamente no Estado, e colocando as empresas no centro da análise. Ao desenvolver tal análise olhando para a trajetória dos países asiáticos, Yeung (2014) destaca as estratégias específicas das firmas para explicar as relações firma-estado, e mostra o processo dinâmico pelo qual as firmas nacionais se dissociaram, parcial ou completamente, das suas estruturas econômicas e políticas locais e se associaram a empresas multinacionais líderes, nas redes globais de produção.

Ainda sobre isso, Yeung (2014) argumenta que, embora a ação do Estado tenha sido muito importante no desenvolvimento da estrutura industrial asiática, foi a participação em redes globais de produção que levou a mudanças na trajetória de desenvolvimento das economias da região, a partir da década de 1990. Ele considera que o desenvolvimento

(32)

exitoso das indústrias asiáticas locais levou a uma maior integração das indústrias domésticas aos mercados globais.

Coe e Yeung (2015) também olham para a Ásia ao afirmarem que algumas sub-regiões, como Karnataka na Índia e as províncias costeiras da China têm estabelecido políticas industriais altamente efetivas, que têm contribuído para a conexão dos seus respectivos centros regionais (Bangalore e Shangai) a empresas líderes nas redes de produção. Assim, a integração nas redes não é apenas resultado das iniciativas governamentais ou de empresas locais, mas sim de ações empreendidas pelos dois atores (COE E YEUNG, 2015).

Essa visão afastada do Estado é fortemente criticada por alguns autores como o Horner (2017) e Stephenson e Agnew (2015), que afirmam que, ao tratarmos de indústrias extrativas, como a de petróleo, não é possível desvincular a rede do Estado, seja no seu papel de regulador, produtor direto ou de agente responsável pela construção da infraestrutura específica necessária para o funcionamento da indústria em suas diversas etapas.

Embora a abordagem de redes globais de produção incorpore vários outros aspectos não contemplados pela abordagem de cadeias, a primeira também é criticada por alguns autores por, apesar dos esforços, ainda negligenciar questões centrais para o entendimento do funcionamento da economia global. Sobre isso, Mahutga (2014) afirma que, embora a questão do poder esteja inserida na análise de forma significativa, como destaca McKinnon (2012), os diferenciais de poder, fundamentais para o entendimento das relações entre os diferentes atores, ainda não são tratados com a devida importância.

Ravenhill (2014) também apresenta uma crítica, tanto à abordagem de cadeias como à de redes de produção, afirmando que muitos estudos desenvolvidos a partir dessas perspectivas teóricas mostram que a fragmentação da produção gera ganhos para todas as partes e que as empresas líderes costumam ter interesse em aumentar as capacitações dos seus fornecedores, assim como de melhorar a qualidade e a eficiência dos custos das suas operações. Contudo, o autor considera que esse modelo, ao contrário da visão otimista de muitos estudos, baseia-se na reserva da empresa líder das partes da cadeia em que as barreiras à entrada e o lucro são maiores, enquanto os fornecedores costumam operar com baixas margens de lucro e em etapas mais expostas à competição de outras empresas, o que evidencia a assimetria de poder existente entre os agentes, que, assim como a crítica feita por Mahutga (2014), não é tratada tão amplamente pelos teóricos dessas abordagens.

Embora, assim como outros conceitos, o de redes globais de produção seja passível de críticas, como as reportadas nos parágrafos anteriores, essa abordagem ainda se mostra como a mais adequada para a análise que se pretende desenvolver nesta tese, pois

(33)

permite a inserção ativa na análise não apenas de empresas, mas também de organização governamentais e instituições, o que é feito apenas de forma marginal na abordagem de cadeias.

1.2. Cidades globais e gateway

Identificando o papel concentrador de determinadas cidades e a fim de discutir o papel das cidades dentro do novo contexto de produção fragmentada e dispersa, foi desenvolvido o conceito de redes de cidades globais, que tem como principais expoentes Friedmann, Sassen e, mais recentemente, Taylor. Esse conceito foi a base para o desenvolvimento de diversos trabalhos que tentaram discutir o papel das cidades nesse novo contexto. Entretanto, o conceito de cidades globais apresenta algumas limitações no que diz respeito à ênfase excessiva nos serviços e a capacidade de análise de cidades do Sul global.

Para Brenner (1998), a formação das cidades globais está ligada à globalização do capital e às mudanças nas dinâmicas espaciais. As cidades globais estão situadas em um plano organizacional mais amplo, pois elas estão vinculadas às instituições dos países em que se localizam. Elas são locais estratégicos, promovidos pelos seus países como nós para o investimento de capital transnacional.

Parnreiter (2014) afirma que a formação da cidade global se dá a partir de dois importantes movimentos:

1. dos fluxos das firmas prestadoras de serviços produtivos nas cidades globais para empresas localizadas nessas mesmas cidades, ou em outros locais, que operam ou coordenam cadeias de commodities;

2. da formação de centros de negócios globais e regionais, que geram ligações que transbordam a rede de cidades globais, conectando-as a várias outras localidades, nas quais ocorre a produção para o mercado mundial.

Os ganhos analíticos proporcionados pelo estudo das cidades globais em um contexto de produção funcionalmente fragmentada e geograficamente dispersa já foram discutidos em um volume editado por Derudder e Witlox (2010). De acordo com os autores, essa articulação tem a ver com o fato de que o conceito de cidade global e os novos modelos produtivos partem de uma ideia em comum: a de que a dinâmica de desenvolvimento econômico em uma localidade está relacionada com como essa localidade tem sido transformada pela sua participação em redes de produção, conhecimento, capital, trabalho e

Referências

Documentos relacionados

Não obstante a reconhecida necessidade desses serviços, tem-se observado graves falhas na gestão dos contratos de fornecimento de mão de obra terceirizada, bem

[r]

De acordo com o Consed (2011), o cursista deve ter em mente os pressupostos básicos que sustentam a formulação do Progestão, tanto do ponto de vista do gerenciamento

O valor da reputação dos pseudônimos é igual a 0,8 devido aos fal- sos positivos do mecanismo auxiliar, que acabam por fazer com que a reputação mesmo dos usuários que enviam

No final, os EUA viram a maioria das questões que tinham de ser resolvidas no sentido da criação de um tribunal que lhe fosse aceitável serem estabelecidas em sentido oposto, pelo

A versão reduzida do Questionário de Conhecimentos da Diabetes (Sousa, McIntyre, Martins & Silva. 2015), foi desenvolvido com o objectivo de avaliar o

Taking into account the theoretical framework we have presented as relevant for understanding the organization, expression and social impact of these civic movements, grounded on

Neste tipo de situações, os valores da propriedade cuisine da classe Restaurant deixam de ser apenas “valores” sem semântica a apresentar (possivelmente) numa caixa