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CAPÍTULO 2 Conectando o hemisfério Sul às redes globais de produção: avaliando o papel

2.2. As cidades nas redes globais de produção

O acoplamento às redes de produção globais pode ocorrer, basicamente, de duas formas: de fora pra dentro, quando empresas já participantes das redes investem em um local; e de dentro pra fora, quando empresas de um local estabelecem relações internacionais com atores participantes das redes (COE E YEUNG, 2015). Crescenzi e Iammarino (2017) sugerem que o grau de conectividade que as regiões e cidades têm, considerando-se tanto fluxos de entrada como de saída, contribui para o acúmulo de capacitações locais. Dessa forma, a capacidade de empresas, organizações e instituições interagirem e se envolverem no espaço geográfico e nas redes é crucial para o acoplamento às redes globais de produção e para o desenvolvimento econômico.

Nesse contexto globalizado, em que as redes globais de produção orientam o modo como as relações econômicas ocorrem, pesquisas anteriores destacaram o papel de liderança que algumas cidades desempenham, atuando como locais estratégicos no processo de acoplamento. Esse entendimento do papel central que certas cidades desempenharam em um contexto de economia globalmente dispersa e fragmentada foi continuamente estudado a partir de então.

Essa análise tem sido cada vez mais desenvolvida em um contexto de rede, em que o papel desempenhado por uma cidade tem uma importante dimensão relacional e é determinado por sua capacidade de se conectar com outros lugares e pelas atividades que contribuem para o estabelecimento de tal conexão. Pesquisas recentes têm abordado a relação entre as cidades e a economia global de maneira bidirecional: algumas cidades são centrais porque abrigam muitas empresas e, ao mesmo tempo, atraem muitas empresas por causa das suas vantagens locacionais (CRESCENZI E IAMMARINO, 2017).

Taylor (2001, 2002, 2004 e 2009) e Taylor et al (2013) consideram que algumas cidades funcionam como centros financeiros e empresariais globais, conectando-se entre si em uma rede urbana. Para o autor, algumas cidades vêm consolidando sua centralidade por meio de redes interligadas, que conectam cidades através das ligações realizadas pelas

empresas que elas sediam. Ele se concentra em empresas de serviços para estabelecer as conexões entre as cidades, pois considera que estas empresas são cruciais para sustentar o atual modelo de produção globalizado e fragmentado. Segundo Taylor, essas redes representam o contexto urbano hierárquico em que a economia global é organizada. Próximos à ideia de Taylor, Alderson e Beckfield (2004) exploram a hierarquias das cidades, mas baseando sua análise nas redes desenvolvidas pelas 500 maiores multinacionais em 2000, e não apenas nas empresas de serviços.

Também focado na hierarquia urbana, Kratke (2003, 2014) desenvolve um estudo sobre redes formadas a partir de setores específicos: mídia e farmacêutico. O autor partiu da ideia de que as cidades possuem perfis diferentes, o que implica que uma cidade que concentra fluxos de um setor, não necessariamente terá o mesmo papel para outro setor. Portanto, a formação de redes entre as cidades deve ser concebida como resultado de ‘múltiplas globalizações’, nas quais empresas de diversos setores contribuem para a conexão entre as cidades.

Martinus e Tonts (2015) e Martinus et al (2015) também apresentam uma abordagem setorial. Eles desenvolveram estudos sobre o setor energético, identificando cidades centrais no funcionamento das redes de produção de energia. Este estudo traz um aspecto regional, mostrando que cada região apresenta um conjunto de cidades que concentram o poder administrativo da cadeia de energia, influenciando a região em que estão inseridas.

O papel que algumas cidades desempenham como pontes entre as esferas regional e global também foi investigado por Parnreiter (2010; 2014), Musli (2009) e Zhao e Zhang (2007). Parnreiter (2010; 2014) mostra o papel que a Cidade do México e Hamburgo têm como pontes entre seus respectivos países e o sistema global, com base nos fluxos das empresas de serviços, pois concentram empresas de contabilidade propaganda etc. no primeiro caso, e por ser uma cidade portuária, no caso de Hamburgo. Musli (2009) discute, através dos fluxos de IDE, como Viena funciona como uma ponte entre a Europa oriental e ocidental, agindo como um gateway, devido à sua localização intermediária entre as duas áreas. Zhao e Zhang (2007) também analisam fluxos de IDE e argumentam que algumas cidades da China são gateways estratégicos entre os mercados doméstico e internacional, pois oferecem boa infraestrutura física e local.

Esse papel de gateway é amplamente discutido por Scholvin et al (2017), que afirmam que essa função é especialmente estratégica para a conexão de localizações do hemisfério Sul às redes globais de produção e à economia global. Segundo os autores, essas

cidades do Sul global se destacam por serem locais de estabilidade e boa infraestrutura em países ou regiões marcadas por dificuldades em fazer negócios. Em sua análise, em oposição à abordagem de Taylor, a importância do gateway vem do fato de que algumas cidades conectam-se tanto a outras cidades que são importantes centros de negócios quanto às cidades periféricas dos seus respectivos países ou regiões.

Crescenzi et al (2016a) investigaram as funções específicas de algumas cidades. Os autores analisaram a posição das cidades da União Europeia nas redes regionais formadas a partir dos fluxos de IDE, destacando os diferentes perfis que as cidades têm em relação à sua importância para determinados setores, seu papel como local receptor e/ou de origem para investimentos e as diferentes funções das cidades. Em abordagens com foco mais específico, a funcionalidade das cidades foi enfatizada também por Jacobs et al (2011) e Dablanc (2014), que discutiram o papel das cidades como centros logísticos e de transporte.

A discussão da literatura desenvolvida nos parágrafos anteriores está resumida na Tabela 3.

Tabela 3 – Principais tópicos abordados pela literatura sobre a função das cidades em um contexto de globalização

Autor Principal aspecto

analisado Escopo da análise

Fluxos analisados

Taylor (2001, 2002, 2004 and 2009); Taylor et al (2013)

Hierarquia Empresas de serviço Fluxos administrativos Alderson and Beckfield (2004) Hierarquia 500 maiores multinacionais no ano 2000 Fluxos administrativos

Kratke (2003, 2014) Hierarquia Setorial Fluxos

administrativos Martinus and Tonts

(2015); Martinus et al (2015) Hierarquia/ papel de gateway Setorial Fluxos administrativos Parnreiter (2010; 2015) Papel de gateway Empresas multinacionais de serviços e empresas locais Fluxos interfirma

Musli (2009) Hierarquia/ papel

de gateway Agregado Fluxos de IDE

Zhao and Zang

(2007) Papel de gateway Agregado Fluxos de IDE

Scholvin et al

(2017) Papel de gateway Setorial

Fluxos administrativos

e interfirma Crescenzi et al

(2016) Funcionalidade Agregado Fluxos de IDE

Jacobs et al (2011) Hierarquia/ funcionalidade Empresas de serviços portuários Fluxos administrativos

Dablanc (2014) Funcionalidade Logística Fluxos de

logística Fonte: elaboração própria.

Esta breve revisão de literatura indica que um dos objetivos dos trabalhos que discutem o papel das cidades como concentradoras de fluxos econômicos é mostrar quais contribuem para o funcionamento da economia global. Embora focando em diferentes fluxos (administrativos ou IDE) e com diferentes âmbitos de análise (setoriais ou agregados), a literatura que trata do papel desempenhado pelas cidades em um contexto globalizado enfoca basicamente a categorização das cidades quanto a um dos três aspectos: hierarquia, papel de gateway e funcionalidade. Apesar desses três aspectos estarem sob os holofotes, pouco foi feito no sentido de integrá-los e desenvolver uma análise mais ampla, que os aborde conjuntamente.

Uma categorização baseada em uma análise ampla poderia ser um passo inicial para a compreensão da organização espacial hierárquica da economia global e do desenvolvimento econômico desigual, já que, como afirmam Hymer (1972) e Coe e Yeung (2015), a capacidade relacional de um local e as atividades que são realizadas ali condicionam sua participação na economia mundial e suas consequentes possibilidades de desenvolvimento econômico. Dessa forma, uma categorização baseada em uma abordagem ampla fornece insumos aos formuladores de políticas, permitindo-lhes traçar estratégias com base nos papéis que as cidades possuem e em suas vantagens locacionais, mas também considerando as características de seus vizinhos.