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CAPÍTULO 1 Arcabouço teórico e caracterização do setor de petróleo

1.4. A constituição da rede de petróleo e gás no Brasil

1.4.1. A fundação da Petrobras e o período pré-liberalização

O início da exploração de petróleo no Brasil data do século XIX, quando foram feitas as primeiras concessões para explorar campos petrolíferos na Bahia. Desde então, muitas ações foram adotadas pelos governos brasileiros para melhorar o desempenho do país neste setor e integrá-lo às redes produtivas globais. Essas ações permitiram a criação e acumulação de capacidades internas, em particular na exploração offshore.

Entre outras importantes ações, está a criação da Petrobras. A empresa foi fundada em 1953, no contexto dos movimentos nacionalistas, que influenciaram diversos países e o setor como um todo, como discutido na seção anterior, e a partir da noção de que a independência energética era algo fundamental para o crescimento econômico.

A fundação da empresa foi uma tentativa de dar inicio à indústria nacional, formando uma rede produtiva internamente. A companhia foi criada com o claro objetivo de atuar no Brasil e garantir que os ganhos da exploração de petróleo seriam capturados pelo país. A lei de fundação da Petrobras, enviada ao Congresso por Getúlio Vargas, estabelecia a criação de uma empresa de capital-misto, na qual 51% de participações seriam de propriedade do governo e os outros 49% seriam comercializados entre investidores estrangeiros (ANP, 2015).

Inicialmente, a lei não previa que a Petrobras deteria o monopólio sobre as diversas atividades da cadeia. Porém, devido a pressões de setores no governo e na sociedade, e sob o lema “O petróleo é nosso”, foi iniciada uma campanha exitosa que garantiu o monopólio da Petrobras sobre a exploração, produção, refino e transporte e a não comercialização de participações na empresa. Apenas a distribuição e o setor petroquímico ficaram de fora do monopólio da estatal (ANP, 2015). As outras etapas da cadeia, embora em graus diferentes ao longo do tempo, foram mantidas sob o controle da Petrobras até a liberalização do setor, em 1990.

Com a fundação da Petrobras e o monopólio estatal, foi garantido que, caso o Brasil viesse a se tornar um país produtor de petróleo e começasse a gerar valor com essa atividade, as rendas e lucros originados pelo setor seriam apropriados nacionalmente. Entretanto, questões relacionadas às capacitações e outros ativos necessários para a execução de projetos de E&P e geração de valor na área ainda estavam em aberto, já que a participação

de empresas estrangeiras, que dominavam o conhecimento e a tecnologia na indústria, era proibida.

Durante os anos 1970, as pressões na balança comercial causadas pela expansão industrial ocorrida no âmbito do II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), associadas ao aumento do preço de petróleo, devido ao choque de 1973, e ao fracasso na procura por petróleo onshore, impulsionaram a Petrobras a iniciar buscas offshore. Essa decisão também foi motivada pelo relatório de um consultor internacional, que afirmou não haver reservas onshore comercialmente viáveis no Brasil (OLIVEIRA, 2012).

As buscas resultaram na descoberta da Bacia de Campos, em 1974. Entretanto, sem tecnologia para atender aos desafios impostos pela exploração offshore, o setor de petróleo brasileiro teve que reorientar a sua estratégia e as IOCs foram autorizadas a participar dos projetos de E&P, embora de forma extremamente controlada, sob contratos de serviços (OLIVEIRA, 2012). De acordo com esses contratos, se fosse encontrado petróleo, as empresas IOCs teriam acesso aos ganhos pré-estabelecidos contratualmente, ou seja, as IOCs atuariam como empresas contratadas com um pagamento previamente acordado. Se o petróleo não fosse encontrado, as IOCs não ganhariam nada. Apesar dessas condições, 243 blocos foram licenciados para 35 IOCs (OLIVEIRA, 2012), entre elas as gigantes Shell, Exxon, Elf Total, Conoco e Texaco (LUCCHESI, 1998). Essa foi uma importante estratégia não apenas para viabilizar a produção offshore, mas também para criar valor na área.

A fim de acelerar o desenvolvimento dos campos da Bacia de Campos, a Petrobras começou a investir pesadamente em P&D, desenvolvida pelo Cenpes (Centro de Pesquisa da Petrobras) e em parceria com diversas empresas e instituições internacionais do setor. Essas parcerias deram origem ao PROCAP (Programa de Capacitação Tecnológica e Desenvolvimento em Sistemas de Produção em Águas Profundas) 1000 e 2000. Esses programas marcaram de forma definitiva o setor nacional e a atuação da Petrobras, pois eles contribuíram para que a empresa fizesse o catch up com IOCs que lideravam a exploração offshore e que, posteriormente, criasse as suas próprias tecnologias, delineando uma curva de aprendizado de sucesso (OLIVEIRA, 2012; FREITAS E FURTADO, 2004).

Com essa iniciativa, as empresas multinacionais prestadoras de serviços especializados com fortes capacitações na perfuração em águas profundas entraram mais intensivamente no país, participando ativamente de projetos tanto de E&P como de P&D com a Petrobras. Logo, essa iniciativa garantiu o melhoramento da geração de valor e o avanço da Petrobras para a execução de atividades mais sofisticadas e de maior valor agregado dentro da exploração de petróleo offshore, permitindo que fosse capturado valor nesse segmento.

O PROCAP 1000 visava a perfuração a 1000m de profundidade e foi desenvolvido pela Petrobras no período de 1986 a 1992, com o objetivo principal de adaptar tecnologias já existentes, realizando o catch up com os principais atores internacionais. Em 1993 foi lançado o PROCAP 2000, agora também com o objetivo de produzir novas tecnologias para a exploração a 2000m de profundidade (FREITAS E FURTADO, 2004).

De acordo com Freitas e Furtado (2006), comparando os dois programas, é possível identificar uma mudança importante. Enquanto no PROCAP 1000, o foco principal foi a absorção do conhecimento e a adaptação das tecnologias existentes que já estavam disponíveis, já que algumas IOCs, como a Shell, as aplicavam no Golfo do México; no PROCAP 2000, a Petrobras também se preocupou com a produção de novas tecnologias, com base em pesquisas internas e cooperativas, já que o desafio da profundidade era ainda maior. Ao longo desse tempo, as parcerias envolvendo empresas parapetrolíferas, como a Weir Pump, Tronic, Pirelli, FMC Technologies, Foramer, Cameron, Siemens, universidades e institutos de pesquisa, foram consolidadas (PRIEST, 2016; FURTADO E FREITAS, 2000).

No início da exploração offshore, durante a década de 1970 e no início da década de 1980, a Petrobras comprava equipamentos de fornecedores internacionais, o que levou sua taxa de compra interna (compras internas/compras totais) em 1980 para 52%. Isso ocorreu porque as empresas locais não tinham experiência e capacitações para fornecer os equipamentos necessários para os projetos de E&P em águas profundas. Entretanto, deve-se lembrar que a fundação da Petrobras visava a criação de uma rede interna de petróleo e gás. Logo, já em 1983, depois de transferir tecnologias para fornecedores domésticos, a taxa de compra interna aumentou para 80% (SILVA E FURTADO, 2006). Com a política de compras públicas da Petrobras e o aumento da taxa de compra interna, muitos fornecedores internacionais estabeleceram filiais no Brasil ou fizeram parcerias com empresas brasileiras, a fim de acessar o mercado brasileiro (ANP 1999 apud JESUS JUNIOR, 2015).

A trajetória seguida durante este período colocou o Brasil nas redes de pesquisas globais de petróleo offshore e a estatal Petrobras tornou-se um importante ator na geração de conhecimento em exploração de águas profundas. Além disso, o setor de petróleo brasileiro começou a contar não apenas com as reservas como um ativo local na indústria do petróleo, mas também com tecnologias de fronteira na exploração de águas profundas. O desenvolvimento tecnológico obtido ao longo dos anos 1980 e 1990 permitiu não apenas a criação e captura de valor local, mas também promoveu o melhoramento da geração de valor, já que a empresa sofisticou seu processo de exploração e produção e se envolveu em projetos avançados de pesquisa.

No período pré-liberalização, o setor nacional contava com uma rede local formada por fornecedores nacionais e internacionais, prestadores de serviços especializados internacionais, IOCs e a empresa-líder, Petrobras.