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A produção de conhecimento em um contexto de redes globais de produção

CAPÍTULO 5 A inserção de locais ricos em recursos naturais do Sul Global em redes de

5.2. A produção de conhecimento em um contexto de redes globais de produção

Iammarino e McCann (2018) argumentam que, embora em um contexto crescentemente globalizado, a economia mundial pode ser descrita, em relação à espacialidade, como uma “dispersão concentrada”, em que a produção é geograficamente e funcionalmente fragmentada, mas apenas alguns locais concentram as atividades de alto valor agregado, como mostrado nos capítulos anteriores. Essa concentração espacial é diretamente

proporcional à sofisticação e complexidade das atividades analisadas. Logo, a produção de conhecimento é uma atividade extremamente concentrada, o que já foi mostrado empiricamente em alguns trabalhos, como Balland et al (2018), Goerzen et al (2013), Nepelski e Prato (2015), Acs et al (2002), Cassi e Plunket (2015), Li e Phelps (2018). De acordo com Leydesdorf et al (2014) e Balland et al (2018), essa concentração está ocorrendo crescentemente em algumas cidades, pois estas concentram diversas instituições de pesquisa e mão de obra qualificada, desempenhando assim o papel de nós de conexão preferencial.

Apesar da intensa concentração espacial, as organizações não podem confiar exclusivamente no conhecimento desenvolvido localmente. Em um contexto globalizado, fazer parte de uma rede e ter a capacidade de interagir com outros locais e outros atores é fundamental. Assim, o acesso ao conhecimento desenvolvido em outros locais é muito importante para a geração de conhecimento, pois possibilita o contato com uma variedade de conhecimentos mais ampla e aumenta a capacidade de adaptação às mudanças tecnológicas, evitando o lock-in (BATHELT et al, 2004; GRAF, 2010; BERGE et al, 2017). O acesso a conhecimentos externos ocorre através das organizações localizadas nas cidades, via canais de conexão global (global pipelines), que funcionam como canais através dos quais o conhecimento pode ser transmitido (BATHELT et al, 2004). Essa transmissão pode ocorrer através de diversos mecanismos, como cooperações de universidades, laboratórios de P&D, entre outros.

Para ter capacidade de acessar o conhecimento externo, a capacidade de absorção é de extrema importância. De acordo com Cohen e Levinthal (1990), o papel dessa capacidade está relacionado ao fato de que o desenvolvimento de conhecimentos internos depende, entre outros, da habilidade de avaliar e utilizar os conhecimentos vindos de uma fonte externa. Essa habilidade, por sua vez, é condicionada pelo conhecimento prévio já acumulado internamente. Com a capacidade de absorver conhecimentos de fontes externas, é possível reconhecer o valor de novas informações, assimilá-las e aplicá-las adequadamente.

Esse conhecimento acessado externamente pode transbordar e ser transmitido para outros agentes geograficamente próximos, por meio do buzz local, que consiste tanto em formas formais quanto informais de interação, como mobilidade de trabalho e redes sociais entre pessoas e empresas, possíveis em um contexto de proximidade geográfica (BAHTELT et al, 2004; BRESCHI E LISSONI, 2001; BOSCHMA, 2005; BOSCHMA et al 2014b). O buzz local implica que as conexões que uma organização mantém com um agente geograficamente externo também podem beneficiar outros atores que estão localizados próximos à organização, impulsionando a geração local de conhecimento. Assim, é possível

inferir que o acesso ao conhecimento externo é um passo importante para a geração de conhecimento local.

Embora levantado pela literatura como algo fundamental para o processo de inovação e geração de conhecimento, o buzz local não é uma unanimidade. De acordo com Asheim et al (2007), a importância dele depende da base de conhecimento de cada indústria. Essa base de conhecimento se refere à dinâmica de conhecimento em cada área, ou seja, qual a combinação de conhecimento tácito e conhecimento codificado, quais são as possibilidades e limites para a codificação e os desafios tecnológicos envolvidos.

De acordo com essa visão, a base de conhecimento da indústria do petróleo poderia ser classificada como uma base sintética, o que implica que os avanços tecnológicos na área resultam, embora não exclusivamente, da necessidade de resolver determinados problemas que surgem ao longo do processo produtivo na interação entre os clientes (empresas petrolíferas) e fornecedores ou prestadores de serviços especializados. Nessa base, os conhecimentos obtidos em outras empresas e atuando em situações semelhantes é relevante. Assim, para as indústrias que têm essa base de conhecimento, a proximidade geográfica e a intensa interação entre clientes e fornecedores ou prestadores de serviços é muito importante.

Vale ressaltar que, embora seja possível classificar a base de conhecimento da indústria de petróleo como sintética, isso não significa que a produção de conhecimento no setor siga exclusivamente os padrões definidos nessa categoria. Como Asheim et al (2007) afirmam, os setores podem apresentar características das diferentes bases de conhecimento. Contudo, é possível identificar uma categoria como predominante. Um exemplo da variedade envolvida na base de conhecimento da indústria de petróleo é a exploração do pré-sal brasileiro, pois, embora sejam necessárias adaptações de tecnologias já existentes e consolidadas na exploração offshore, também são necessárias tecnologias novas.

A dinâmica das redes de conhecimento já foi amplamente investigada na literatura sob diversas perspectivas. Alguns trabalhos destacaram a rede de conhecimento de um setor específico e outros focaram em algumas regiões específicas. No entanto, mesmo sob diferentes perspectivas, a maioria dos estudos sobre redes de conhecimento lida com setores de alta tecnologia e/ou com a dinâmica no Norte Global.

Cassi e Plunket (2015) mostram os fatores que contribuem para as colaborações científicas e tecnológicas na área de genômica, investigando o caso da França. Nepelski e de Prato (2014) analisam a dinâmica de localização de unidades de P&D na indústria de tecnologia da informação e comunicação. Balland et al (2013) investigam a geografia da

inovação e as redes de conhecimento nos sistemas de navegação por satélite, enfocando o caso europeu. Eslami et al (2013) usam a ferramenta de rede small world para investigar as redes de artigos e de patentes de biotecnologia no Canadá. Boschma et al (2014a; 2014b) investigam a relação científica e tecnológica na área de biotecnologia e nas cidades dos Estados Unidos.

Restringir a investigação de redes de conhecimento a setores de alta tecnologia naturalmente exclui alguns locais do globo da análise, especialmente os do Sul global. Porém, não são apenas os setores de alta tecnologia que são afetados pela produção de conhecimento. Como mostra Malecki (2013), o setor de petróleo e gás, por exemplo, contradiz a visão tradicional baseada na teoria do ciclo de vida da indústria (para mais detalhes, ver Utterback e Abernathy, 1975), que afirma que indústrias maduras tendem ao esgotamento das atividades inovadoras.

Outro ponto importante, que justifica o estudo das redes de conhecimento nos mais diversos setores e locais, é o de que, como destacado por Lee et al (2018), em um contexto de redes globais de produção, ser capaz de gerar conhecimento é fundamental para a realização do upgrading, o que possibilita, no longo prazo, não apenas a produção e o melhoramento da produção de valor, mas principalmente a sua captura. Embora muitos autores envolvidos nos estudos de redes globais de produção e de cadeias globais de valor tratem o desenvolvimento econômico resultante de tal participação como um processo automático, é sabido que, principalmente no caso dos países em desenvolvimento, a simples participação nessas redes pode não levar a tal desenvolvimento, devido ao aprisionamento de determinados locais a atividades de baixo valor adicionado.

Algo semelhante foi destacado nos trabalhos de Marin et al (2015), que afirmam ser crucial que locais ricos em recursos naturais participem das redes de conhecimento, pois essa participação pode contribuir para o desenvolvimento local de atividades intensivas em conhecimento, contribuindo para que esses locais superem a função de fornecedores de recursos naturais e utilizem tais recursos como plataforma para a geração de conhecimento.