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Personalidade Normal e Patológica - Jean Bergeret

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Academic year: 2021

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Personalidade

Normal e Patológica

(3)

Prezado Leitor

Este livro traz algumas páginas impressas em fundo vermelho. Tal artifício visa a evitar a xerografia criminosa

que, além de atentar contra os direitos do autor, inibe toda iniciativa editorial, trazendo como consequência o

prejuízo do próprio leitor, cujo acesso a novas obras ficará, assim, cada vez mais restrito.

Nosso procedimento conta com a aprovação da ABEAS (Asso- ciação Brasileira dos Editores na Área da

Saúde), que, desde a sua fundação, tem chamado a atenção para a situação alarmante a que nos conduziu esse

tipo de atividade, cada vez mais sistemática.

Esperamos contar com a sua compreensão diante desse incon- veniente, que contraria nossos padrões

editoriais; porém enfatizamos que foi a única solução encontrada para podermos continuar servindo

à ciência e

à

cultura deste País.

EDITORA ARTES MÉDICAS SUL LTDA.

8496p Bergeret, Jean

A personalidade normal e patológica I Jean Bergeret; trad. Alceu Edir Fillmann- Porto Alegre: Artes Médicas,1988.

291p.

CDU: 159.97

Índices para o catálogo sistemático:

(4)

JEAN BERGERET

Personalidade

Normal ePatológica

Tradução:

ALCEU EDIR FILLMANN

Psicólogo e Médico

2

ª

EDIÇÃO

(5)

Obra originalmente publicada em francês sob o titulo

La personalité normale et pathologique

© Premiére édition BORDAS, Paris, 1974.

Capa:

Mário Rõnhelt

Supervisáo editorial:

Rua 13 de Maio, 468- Fone: (054) 222.6223 95080- Caxias do Sul- RS

Reservados todos os direitos de publicação à EDITORA ARTES MÉDICAS SUL LTDA

Av. Jerônimo de Ornei as, 670- Fones: 30.3444 e 30.2378 90040- Porto Alegre- RS - Brasil LOJA-CENTRO

(6)

Sumário

Introdução

... 9

Primeira Parte HIPÓTESES SOBRE AS ESTRUTURAS DA PERSONALIDADE Histórico

... 15

1. ESTRUTURAS E NORMALIDADE 1. A noção de normalidade

... 19

2. Patologia e normalidade

... 24

3. A normalidade patológica

... 30

4. "Normalidade" e padronização

... 36

5. Édipo e "normalidade"

... 39

2. A NOÇÃO DE ESTRUTURA DA PERSONALIDADE

45

1. O sentido dos termos

45

A)Sintoma ... 45

B) Defesa ... 46

C) Significação histórica do episódio

... 47

D) Doença mental

... 49

(7)

2. O conceito de estrutura da personalidade .• 50

A) Definição e situação . .••.. 50

B) O ponto de vista freudiano .. 51

a) Prim eira posição freudiana 53

b) Segunda posição de Freud 53

c) Terceira posição freudiana 54

d) Quarta posição freudiana . 54

C) Gênese da estrutura de base • 55

a) Prim eira etapa 55

b) Segunda etapa •.••••. 55

c) Terceira etapa .•••• ••••. •••.• 56

D) Considerações acerca das estruturas no tocante à infância,latência e adoles· cência . • . . . • . . . • • . . . • . . 57

3. AS GRANDES ESTRUTURAS DE BASE

1. A linhagem estrutural psicótica ..

A) A estrutura esquizofrênica ••.

B) A estrutura paranóica •

C) A estrutura melancólica .••••.

D) Reflexões diferenciais .... • •.

2. A linhagem estrutural neurót ica

A) A estrutura obsessiva ... .

B) A estrutura histérica . . . ... . a) A estrutura histérica de angústia b) A estrutura histérica de conversão

C) Reflexões diferenciai s D) As falsas "neuroses" 65 68 75 77 81 84 99 103 107 109 111 115 118 4. AS ANESTRUTURAÇÕES •. 1. Situação nosológica • ••.

2. O tronco comum dos estados limltrofes

3. A organização limltrofe •••••••.

A) O ego anaclltico •••••• •• ..

B) A relação de objeto anaclltica • •

C) A angústia depressiva •.•••.•

D) As instâncias ideais .• •••.••

E) Os mecanismos de defesa •••• 4. Evoluções agudas •••.•.•••.• •

A) Descompensação da senescência •

B) Rompimento do tronco comum .

5. Ordenamentos espontâneos •••••

A) O ordenamento perverso ...

B) Os ordenam entos caracteriais

a) "Neurose" de caráter .. . b) As "psicoses" de caráter . 126 126 129 131 131 132 136 137 139 141 141 143 147 147 153 154 154

(8)

rico 159 5. O CARÁTER 167 1. Os caracteres neuróticos • • • • • • • • ••••••••••. 169 B) O caráter histerofóbico ••.. • •••••.••••••••. 174 C) O caráter obsessivo •.•.•• 178 2. Os caracteres psicóticos •••••• 186 A) O caráter esquizofrênico 187 B) O caráter paranóico . 191 3. Os caracteres narcisistas . 197 A) O caráter abandônico . 198 B) O caráter de destinado 199 C) O caráter fóbico-narcisista 199 D) O caráter fálico .. •••.•••.•• 200 E) O caráter depressivo •.• 201 F) O caráter hipocondr!aco • 201 G) O caráter psicastênico .. 202 H) O caráter psicopático . . 202 I) O caráter hipomaniaco . 203 Segunda parte

HIPÓTESE SOBRE OS PROBLEMAS DO CARÁTER

A) O caráter histérico de conversão ••••••••••••..•. 170

4. Os caracteres psicossomáticos . . . . . . • • . . • • • • • . . . . . . . • . • • • . . • 204 5. O caráter perverso • • • . . . • • • . . • . . • • • • • • • • • • • • • . . • • • . • • • . 209

6. Observações acerca dos problemas do caráter da criança • . • • • • • • • • • • 211 7. Existe um "caráter epilético"? • • • . • • • • • . • • . • . . . • • • • • • • . . • . 213

6. OS TRAÇOS DO CARÁTER .. 216

1. Traços de caráter estruturais 220

A) Os traços de caráter neuróticos . • • • • • • • • 220

a) Os traços de caráter histéricos . . • • • • . • • . • . • • • • • • • . • . • • 221

b) Os traços de caráter obsessivos • • • • • • • • • • . • • • • • • • • • • • . 221

B) Os traços de caráter psicóticos • • • • • • • • • • • • • . . • • • • • • • • 221 a) Os traços de caráter esquizofrênicos • • . • . • • • • . • . • • • • • • . 221

b) Os traços de caráter paranóicos • • • . . • • • • • • • • • • • • • • • • . • . . 222

C) Os traços de caráter narcisistas • • • • • • • . . • • . . • • • • • • • • . • • • • • 222

2. Traços de caráter pulsionais • • • • • • • • • • • • • • • • • • . . . • . • • • . • • . • 223

A) Traços de caráter libidinais • • • • • • • • • . • . • . • . • • . • . • • . 224 a) Traços de caráter orais • • . . • • • . • • • • • • • • • • • • • • • • 224

b) Traços de caráter anais . • • • • • . . • • • • . . 226

c) Traços de caráter uretrais

d) Traços de caráter fálicos

e) Traços de caráter genitais

B) Traços de caráter agressivos

a) Traços de caráter sádicos

b) Traços de caráter masoquistas

c) Traços de caráter autopunitivos

C) Traços de caráter dependentes das pulsões do ego .

228 228 229 231 231 233 234 235

(9)

7. A PATOLOGIA DO CARÁTER • •• • • • o • o •••• •• •• ••• • o ••• •••••• o 236 1o A "neurose" de caráter o ••••• • • • o o ••••••• o •• o o o o o o o • • • • • • 240

2. A "psicose" de caráter .. o ••••• o •••••••• o o o • o o o o • o o o • o o o • 245 3. A "perversão" de caráter o ••• • • •• ••••••• • • o o •••• o o o • o • • • • • 252

CONCLUSÃO BIBLIOGRAFIA

257 263 ÍNDICE DAS FIGURAS o o o o o o o o o o o o o o o o o o o . o o o o o o o . o o o o o o o o o 283

ÍNDICE DAS OBSERVAÇÕES o o o • o o • o o o • o o o o o o o o o o o o o • o o o .. o . . 285 ÍNDICE REMISSIVO o o o . o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o . o o o . o . o 287

(10)

Introdução

A presente obra constitui a síntese e o desenvolvimento das pesquisas que tenho empreendido desde 1963 acerca da articulação dos fenômenos manifestos, ao nível do caráter ou dos sintomas, com os elementos metapsicológicos, mais estáveis e profundos, situados sobre o plano menos visível e latente da estrutura da personalidade.

Muitos autores interessaram-se por aspectos fragmentários desta tr ilogia: estrutura- caráter- síntomatología.

Pareceu-me oportuno tentar uma síntese que se apoiasse sobre tão numerosos pontos de vista, e emitir hipóteses novas, apropriadas a fazer renascer o debate sobre os problemas, um tanto negligen- ciados atualmente, da abordagem caracterológica.

A caracterologia poderia, com efeito, ser pretensiosamente considerada como uma ciência destinada a precisar os entrecruzamentos metapsicológicos visíveis entre as múltiplas manifestações relacionais possíveis que amenam desta ou daquela estrutura de base. Cada tipo de estrutura profunda da perso- nalidade poderia, assim, dar origem a diferentes modelos relacionais, uns per- manecendo no domínio caracterial, outros mergulhando mais ou menos radi- calmente no registro patológico.

Penso ser necessário, atualmente, introduzir uma concepção sistemática que leve em conta a dinãmica e a genética freudianas.

Muitas personalidades, com efeito, correspondem a tentativas de estrutu- ração imperfeitas ou inacabadas; encontram-se, pois, em um bom número de casos e durante muito tempo, possibilidades, quer de mudar ainda o curso das coisas na via estrutural, quer de deter a evolução estrutural por um período muito variável de um sujeito par a outro, sobre a base de uma simples pausa la- tencial que em si nada teria de definitivo. Podemos também observar fixações

(11)

sobre o modo de um frágil arranj o defensivo, muito cust oso do ponto de vista econômico, porém conservando todo tipo de capacidades ev olutivas em dire- ções mais estáveis e mais sólidas.

Em suma, as personalidades nitidamente estruturada s, c orrespondendo a funcionamentos econômicos ao mesmo tempo estáv eis e bem integrados (condições essenciais ao rótulo de "normalidade", no seio de uma linhagem estrutural definitivamente fixada) mostram-se mais raras do que até aqui se po- deria ter pensado.

Tais personalidades somente poderiam originar-se em um contexto onto-

genético limitado, e unicamente em momentos precisos desta ontogênese. Tais condições podem, sem dúvida, encontrar-se notavelmente esc larec idas pelas in- vestigações clínicas, cuja sínteencontrar-se é apreencontrar-sentada neste trabalho. Estas investiga- ções devem permitir-nos a localização de critérios ao mesmo tempo muito pro- fundos e essencialmente polivalentes.

Sem dúvida, torna-se possível, assim, situar melhor muitos casos particu-

lares de personalidades ou caracteres que os antigos sistemas tipológicos, de- masiado rígidos, não permit ia m ligar mui claramente aos principais modelos estruturais bem definidos . Par eceu-me um obj etivo a ser visado não mais falar dos muito fáceis "tipos mist os" ( dos quais se desconhece a natureza e os níveis da "mistura"), sem compr o missos nem c oncessões.

A distinção que estabeleci entr e "caracteres" e "estruturas" poderá parecer

bastante artificial para alguns , uma v ez que,segundo a terminologia filosófica ou psicológica, a denominação "estrutu ra" ma is comumente recobre todo e qual- quer modo de organiza ç ão, seja qual for o nível: personalidade, caráter, tipo, etc. Trata-se de um termo bast ante geral, que dificilmente poderá opor-se a outro termo que defina uma catego ria particular depe ndente do mesmo conjunto.

Em psicopatolog ia, ao contrário, o vocábul o "estr utur a" assume um senti-

do mais preciso, limitado aos elementos de base da per sona lidade, ao modo pelo qual esta personalidade é or g anizada no plano profundo e fundamental; os psicopatologistas podem, pois, opo r livremente a noção de estrutura de base, ou estrutura da personalidade (em geral se diz simplesmente "estrutura"), tanto aos "sintomas" quanto aos

"caracteres " ( o que os filósofos talv ez prefeririam chamar de "estruturas dos sintomas " ou "estruturas de caráter") . Os

psicopatologistas, com efeito, ocupando-se essencia lmente do aspecto funcional destes sintomas ou caracteres, consideram-nos co mo dependentes, em primeiro lugar, em sua gênese, sua originalidade e limitaç ões, da natureza e varied ade da estrutura de base da personalidade sobre a qual repousam.

A estrutura da personalidade (ha bitualmente denomi nada simplesmente de "estrutura" em psicopatologia) é concebida, pois, por u m lado, como a ba- se ideal de ordenamento estável dos ele me ntos met a ps icológicos

constantes e essenciais em um sujeito, ao passo que o c a ráter, por outr o lado, aparece como o nível de

funcionamento manifesto e não mór bido da estrutura, tal como acaba de ser definida.

Em uma ótica como esta, a sintomatologia torna -se simplesmente o modo de funcionamento mórbido de uma estrutura quando esta se descompensa, isto

(12)

é, desde que os fatores internos ou externos de conflitualização não se encon- trem mais equilibrados por um jogo eficaz (e não perturbador em si) dos varia- dos mecanismos de defesa e adaptação .

Se não desenvolvi especificamente, nem em capítulos originais ,o ponto de vista sintomatológico, é porque somente reteve minha atenção, no presente es- tudo, o lugar económico dos sintomas no conjunto de tal personalidade dada.

O exame fenomenológico dos sintomas encontra-se copiosamente condu- zido nos tratados de psiquiatria das diversas tendências. Meu obj etivo aqui limi- ta-se a ressituar a função do sintoma em relação a estrutura de base, por um la- do, e ao funcionamento caracterial, por outro.

É

evidente que tal concepção de conjunto, essencialmente dinâmica, ape-

nas pode ser desenvolvida no contexto de uma posição e reflexão autêntica e claramente psicanalítica. Com efeito, seguindo FREUD e os trabalhos psicanalíti- cos contemporâneos, torna-se possível compreender a estrutura, tal como se encontra definida acima, como elemento organizador de base da personalidade, em situação ativa e relaciona I. Escapa-se, assim, aos habituais e inevitáveis aca- valamentos entre "estruturas de personalidade", "estruturas de caráter" e "es- truturas nosológ icas", a todas as hesitações (ou mesmo contradições) encontra- das nos antigos procedimentos.

Minha pesquisa levou-me inevitavelmente a repensar, sobre estas novas bases conceptuais, o problema da normalidade.

Do ponto de vista metodológico, esforce1-me por esclarecer o debate (com os riscos certos da "sistematização") com máximo de pranchas ou esquemas; também ative-me a inserir, nos momentos mais "teóricos" de meu texto, obser- vações clínicas tão expressivas e vivas quanto possível, destinadas (com o risco de por vezes beirar a caricatura) a bem definir o traço motor principal de minha pesquisa.

Minha ambição será a de que o clínico pouco propenso às reflexões teóri- cas, ou simples mente o leitor apressado, possam encontrar, pelo menos em um primeiro tempo, nestas observações que escolhi e desenvolvi com especial cui- dado, o essencial do fio condutor de meu propósito.

Por falta de lugar, e para não tornar este trabalho pesado demais, nem sempre pude agrupar, sistematizar e desenvolver, tanto quanto teria desejado, as minhas fontes de documentação e minhas reflexões críticas a este respeito, particularmente nos parágrafos "históricos".

Não teria como exprimir todo o reconhecimento aos pesquisadores e clíni- cos que me trouxeram tantos elementos de elaboração, em particular D. AN- ZIEU, M. BENASSY, M. FAIN, A. GREEN, R. GREENSON, B. GRUNBERGER,

J.

GUILLAUMIN, O . KERNBERG, R . KNIGHT e P. C. RACAMIER.

Df.· SeJO v ivamente que minha contribuição, apesar de suas numerosas im- perfeições, possa movimentar um pouco os quadros demasiado rígidos ou im- precisos das antigas posições estruturais ou caracterológicas, e que incite os autores contemporâneos a ampliar ainda mais o debate, a retomar e desenvol- ver poster iores estudos fecundos nestes níveis.

(13)

Primeira parte

HIPÓTESES SOBRE AS ESTRUTURAS DA

PERSONALIDADE

(14)

Histórico

O termo estrutura é marcado de significações muito diversas, conforme se refira à teoria da Gestalt, às teorias jacksonianas ou ao estruturalismo.

É

igual- mente, por vezes, empregado no sentido de "estrutura de conjunto", aproxi- mando-se então do emprego do substantivo inglês "pattern".

Entretanto, na linguagem usual, a estrutura continua sendo uma noção que implica uma disposição complexa, porém estável e precisa das partes que a compõem, é a maneira mesma pela qual um todo é composto e as partes deste todo são arranj adas entre si.

No decorrer de minha introdução, estendi-me suficientemente quanto ao

sentido dado em psicopatologia ao termo "estrutura", para não precisar de novo justific ar aqui os limites desta utilização ao nível da estrutura de base da perso- nalidade.

Considerarei que "constituição" e "estrutura" da personalidade represen-

tam, grosso modo, um conceito idêntico, do modo de organização permanente mais profundo do individuo, aquele a partir do qual desenrolam-se os ordena- mentos funcionais ditos "normais", bem como os avatares da morbidade.

Afora casos em que é empregado no sentido de "temperamento" ou "ca-

ráter", o termo "tipo" refere-se habitualmente à estrutura de base, e parece não necessitar de tratamento especial. Didier ANZIEU (1965) situa no primeiro quartil do século XX o desenvol- vimento da idéia de "estrutura" e pensa que esta noção recobre uma tomada em consideração dos sintomas segundo o método associacionista. Ora, para D. AN- ZIEU os sintomas apenas têm sentido se ligados uns aos outros, ou em sua rela- ção com o caráter; o que fica de especifico não é sua simples presença1, mas seu

1 Existem, por exemplo, obsessivos sem qualquer "obsessão" vis!vel exteriormente.

(15)

modo de disposição entre si. Ademais, é preciso ter em conta tanto sintomas "negativos", correspondentes aos déficits registrados nos pacientes, quanto sintomas "positivos", correspondentes às reações específicas do paciente diante da alteração de sua personalidade .

Entretanto, desde as descrições poéticas ou filosóficas que remontam à antigüidade, a vertente patológica das estruturas sempre viu-se mais facilmente desenvolvida. Encontramos, contudo, em HOMERO, na BÍBLIA, DEMÓCRITO, ESCULÁPIO ou PLATÃO, referências a tipos estruturais não-mórbidos. Os au- tores da Idade Média, depois SHAKESPEARE, o classicismo literário e tantos autores mais modernos, destacaram-se na análise não apenas do caráter, mas da estrutura de alguns de seus personagens, chegando mesmo a mostrar como podia efetuar-se a passagem entre a esfera psicológica ainda adaptada e esfera patológica já descompensada, no seio da mesma organização mental.

A partir do século XVIII, foram os psiquiatras os que mais desenvolveram

seu ponto de vista no terreno estrutural. PINEL (1801), ESQUIROL (1838) RÉGIS (1880), na França, TUKE (1892), MAUDSLAY (1867), JACKSON (1931), na Grã-

Bretanha, RUSH (1812) e A. MEYER (1910) nos Estados Unidos, GRIESINGER (1865), MEYNERT (1890), W ERNICKE (1900) e KRAEPELIN (1913), em língua

alemã, foram os primeiros a referirem-se à continuidade entre o normal e a pa- tologia no seio de uma estrutura profunda da personalidade. Sua atitude geral fundamentalmente "humanitária" embasa-se nesta convicção, mesmo que esta nem sempre se encontre claramente expressa. Os perfodos ditos "social", depois "comunitário", da psiquiatria, não se apresentam, no fundo, mais do que como seqüência lógica do andamento anterior: sejam quais forem os fatores desenca- deantes ou curativos mais especificamente privilegiados por esta ou aquela es-

cola, o andamento profundo de cada uma conduziu aos poucos em direção

à

idéia da não-especificidade da natureza mórbida de tal ou qual estrutura, da la- bilidade e curatividade de toda estrutura em si. A antipsiquiatria em quase nada pôde ir além das tendências sociais ou comunitárias precedentes no plano de um liberalismo que, voluntariamente ou não, permaneceu racional; ela nos propõe simplesmente o "salto" para fora da lógica, mas não reverte nada de novo e na- da traz de novo, sobretudo, quanto ao problema do continuum estrutural do qual não pode nem ouvir falar, tanto parece haver ai ficado presa ao registro da angústia.

Embora a classificação dos dados profundos tenha-se revelado uma ne-

cessidade, é preciso reconhecer que, na falta dos meios metapsicológicos que atualmente possufmos com a contribuição de FREUD e dos pós-freudianos, as simples descrições não poderiam ser suficientes em tal domínio; também não é de espantar a constatação de que encontramos, no domínio estrutural, muito menos hipóteses a passar em revista do que no capítulo consagrado às caracte- rologias.

Podemos considerar, com Henry EY (1955), que a "variação mental pato- lógica" pode ser encarada segundo quatro modelos teóricos: como alienação ra- dical, como produto dos centros cerebrais, como variação da adaptação ao meio, ou ainda como efeito de um processo regressivo na organização psíquica. Qual-

(16)

_,. seja a resposta escolhida, convém compreender a condição mental,

'sódio mórbido, em uma estrutura profunda original e formal, conser-

• ce a mente, sua significação existencial e antropológica.

o que diz respeito ao ponto de vista estrutural na criança, Colette CHI-

- :::> ( 971) resumiu a opinião de muitos psiquiatras infantis contemporâneos, ndo a particular complexidade da noção de estrutura na idade em que tu-

·oo a não parece haver-se desenrolado, na medida em que as fases de equi- . e descompensações podem suceder-se, sem que uma significação profun-

G3 sej a sempre evidente.

A estrutura, para Colette CHILAND (1967), permanece inspirada na opinião e LÉVI-STRAUSS (1961 ), interessada nos modelos, levando em consideração ão só os termos em si, mas as relações entre os termos. Para C. CHILAND,

tr ata-se de procurar a explicação estrutural, não exclusivamente ao nível do sis- t ema de relação, mas ao nível das regras de transformação, que permitem pas- sar de um sistema a outro, tomando em consideração os sistemas reais, tanto quanto os sistemas simplesmente possíveis.

C. CHILAND refere-se à opinião de A. FREUD (1965) para ligar a estru- tura ao nível da segunda tópica, em relação às pulsões, com o ego e o superego, e para fundar um eventual diagnóstico estrutural no estudo da relação de objeto e dos mecanismos de defesa.

Antes da contribuição freudiana, havia-se visto inicialmente a proposição de classificações sintomatológicas, com KAHLBAUM (1863) , MORE L (1851), HEC- KER (1871 e 1874) e, certamente, Émile KRAEPELIN, cuj as hipóteses foram re- tomadas na classificação centrada na noção de psicose, proposta pela Associa- ção Americana de Psiquiatria . Estas classificações que tendem a ligar o sintoma ao "distúrbio fundamental" subjacente limitam-se a descrições clínicas que, em todos os tempos, seduziram os psiquiatras. Certas modificações foram trazidas por E. BLEULER em 1911, no sentido de um afinamento da semiologia, mas ainda em dependência muito grande dos sintomas .

Na mesma época, vemos aparecer tentativas de classificação org nicas

com JACOBI (1830), MOREL (1860), SKAE (1897), CLOUSTON (1904), TUKE

(1892). Estes pontos de vista são retomados na classificação proposta há alguns anos pela Associação Médico-Psicológica Real da Grã-Bretanha. Haveria uma íntima ligação obrigatória entre o distúrbio psíquico e uma suposta lesão orgâni- ca. Reencontramos, no mesmo caminho, o ponto de vista organo-dinamista de Pierre JANET (1927), repousando em grande parte na noção de evolução, os trabalhos de H. JACKSON (1931 ), de MONAKOW e MOUR-GUE (1928) e, final- mente, as concepções de H. EY (1958), inspiradas em JACKSON. J. ROUART buscou precisar, em BONNEVAL (1946), o possível papel de toda organicidade em um tal sistema de classificação.

As classificações fisiológicas foram sustentadas por MEYNERT (1884), TU- KE (1892), W ERNICKE (1900), A. MEYER (1910), CONNOLY (1939), LAYCOCK

(1945), D. HENDERSON e R. D. GILLESPIE (1950). Elas tentam estabelecer as relações entre o funcionamento mental observado e localizações neurológicas diversas, que corresponderiam a centros reguladores do funcionamento mental sobre tal ou qual registro particular.

(17)

As classificações psicológicas correspondem a uma preocupação em bus- c ar , no domínio do funcionament o mental do "homem normal", categorias nas quais se tentará, a seguir, fazer com que entrem os distúrbios psicopatológicos . Um certo número de autores trabalhou neste sentido, tais como LINNE (1763), ARNOLD (1782), CRICHTON (1798), PRICHARD (1835), BUCKNILL e HAKE-TU-

KE (1870), ZIEHEN (1892), HEINROTH (1890).

O ponto de vista freudiano, ao contrário, interessa-se por alguns marcos fundamentais que permitam diferenciar ou aproximar as estruturas, tais como o sentido latente do sintoma (símbolo e compromisso no interior do conflito psí- quico), o grau atingido pelo desenvolvimento libidinal, o grau de desenvolvi- mento do ego e do superego, e a natureza, a diversidade, sutileza e eficácia dos mecanismos de defesa.

Os pós-freudianos prosseguiram nas pesquisas sobre estas bases: K. ABRAHAM (1924), F. ALEXANDER (1928), E. GLOVER (1932 e 1958), K.

MENNINGER (1938 e 1963),

J.

FROSCH (1957), D. W . W INNICOTT (1959), W . SCOTT (1962).

M. BOUVET distingue, em 1950, os modos de estruturação genital e pré- genital.

L.

RANGELL (1960 e 1965) coloca-se em uma perspectiva de conjunto das diferentes funções do ego . A. GREEN (1962 e 1963) procurou apoiar-s e nas noções de perda e restituição do objeto, de fantasmatização, de identificação e desfusão, de castração, de fragmentação, de sublimação e recalcamento, para dar conta não só das grandes entidades nosológicas clássicas, mas também da diversidade das pequenas entidades "intermediárias", tão comumente esqueci- das ou descuidadas por um bom número de autores.

J.

H.THIEL (1966), por seu turno, levanta-se contra a exclusividade neurótica, tanto tempo manifestada pela pesquisa psicanalítica e estima que se deva distinguir entre uma teoria do dis-

túrbio mental, uma certa filosofia da natureza, das causas e funçõ es da doença e, por outro lado, enfim, um sistema de classificação das desordens entre si.

(18)

.---111r---

Estruturas e normalidade

1. A noção de "normalidade"

O emprego da noção de "normalidade" certamente apresenta incontestá- veis perigos nas mãos dos que detêm a autoridade médica, polftica, social, cul- tural, econômica, filosófica, moral, jurfdica ou estética e, por que não, intelec- tual? A história antiga ou contemporânea das comunidades, bem como das ideologias, grandes ou pequenas, serve-nos para isto de cruéis exemplos, cada qual apenas conservando em sua memória representações muito seletivas, em função de suas opções pessoais.

Se a "normalidade" se refere a uma porcentagem majoritária de compor- tamentos ou pontos de vista, azar daqueles que ficam na minoria. Se, de outra parte, a "normalidade" torna-se função de um ideal coletivo, muito se conhece os riscos corridos, mesmo pelas maiorias, desde que se encontrem reduzidas ao silêncio por aqueles que se crêem ou se adjudicam a vocação de defender dito ideal pela força; entendem limitar o desenvolvimento afetivo dos outros, depois de se haverem também visto, eles mesmos, acidentalmente bloqueados, e de- pois elaborado secundariamente sutis justificações defensivas.

De fato, a "normalidade" é mais comumente encarada em relação aos ou-

tros, ao ideal ou à regra. Buscando permanecer ou tornar-se "normal", a criança identifica-se com os "grandes" e o ansioso os imita. Em ambos os casos, enun- cia-se a questão manifesta: "Como fazem os outros?" e subentende-se: "Como fazem os grandes?"

Ora, o verdadeiro problema colocado pelo eventual reconhecimento de

uma "normalidade" talvez não se situe a este nivel, entre estes dois falsos as- pectos objetivos: os outros ou o ideal.

(19)

- érlaa atômica levou o mundo às catástro>es oue C0'1hecemos; nem =:;

trata-se,

mesmo entre os mais pacifistas, de

"ega· a

existência do áto-

;:,or que então experimentaríamos a necessidade de '"' ar toda e qualquer ;mção de "nor malidade"?

Se ao invés de formu lar (ou temer), a todo momento, ,u gamentos deva- lor em relação aos outros quanto a uma eventua l"normalidade", f""' ui freq üente e desastrosamente neste sentido, enfatizarmos em primeiro lugar a constatação de bom

funcionamento interior que pode comportar esta noção,tel"ôo em conta dados particulares a cada indivíduo (foi ele muito

limitado em suas possibilida- des pessoais, de modo ocasional ou duradouro), parece-me que poderíamos en- carar as coisas de modo completamente diferente do que com simples defesas projetivas, ou então proselitismos invasores e inquietantes.

Contudo parece não ser fácil encontra r interlocutores que aceitem discutir

um aspecto subjetivo eminentemente nuançado e variável de "normalidade" em função das realidades profundas de cada um. Por um lado, a tentação sádica leva- nos logo em direção às estatlsticas e

ideais; por outro lado, a tentação masoquista e "pauperista" desencadeia uma alergia horripilante e imediata diante de todos os compostos da palavra "nor- ma"1.

No primeiro caso encontramo-nos prisioneiros de um imperialismo que se apodera da noção para tentar salvar os privilégios que esta tão comumente re- cobriu e, no segundo, defrontamo-nos com uma recusa do termo, em razão de todas as recordações opressivas e dolorosas que este desperta .

Nossa posição de pesquisa complica -se ainda mais ao constatarmos que

muitos daqueles que não se encontram ofic ialmente engajados em uma nem outra destas duas posições defensivas precedentes muitas vezes hesitam suces - sivamente entre um arroubo sádico pelo lado das normas "autoritárias" ou uma piscadela demagógica para as suscetibilidades "contestatórias". Tal movimento pendular de sucessivas anulações corre o risco não só de emudecer estas pes- soas, mas sobretudo de fazer com que percam toda a coragem cientlfica ou qualquer poder de investigação.

Entretanto, a noção de "normalidade" está tão ligada à vida quanto o nas-

cimento ou a morte, utilizando o potencial do primeiro buscando retardar as restrições da segunda, na medida em que toda normalidade apenas pode coor- denar as necessidades pulsionais com as defesas e adaptações, os dados inter- nos hereditários e adquiridos com as realidades externas, as possibilidades ca- racteriais e estruturais com as necessidades relacionais.

1 Em latim o termo norma corresponde, em seu sentido próprio, ao instrum ento de arqui· tetura chamado em português de esquadro; apenas em seu emprego secundãrio e figurado encontram os o term o utilizado mais ta rdiamente por Clcero, Horácio ou Pllnio o Jovem, com o sentido de regra, m odelo ou exem plo. O prim eiro significado determina somente o ângulo funcionalmente m ais vantajoso para articular dois planos em um a construção, e não uma posição ideal fixa da casa em relação ao solo. O ediflcio pode encontrar-se "a- prumado" (isto é, em equillbrio interno} mesm o em um solo de sério declive, graças ao esquadro que haverá justamente retificado os perigos que a primitiva inclinação do terreno poderia representar para a solidez do conjunto do ediflcio.

(20)

O principal perigo atual parece bem menos ser o risco, bastante conhecido , de usurpação da noção teórica de normalidade em beneffcio dos poderosos ou dos sonhadores, do que da denegação pelos pessimistas, sutilmente a serviço do instinto de morte, do conjunto dos elementos reguladores internos que permi- tem aos humanos (sempre limitados) arranjar-se interiormente para buscar, não a ilusão de onipotência ou felicidade, mas pelo menos zonas bastante constantes de eficiência e bem-estar, em meio às suas obrigatórias imperfeições e seus não menos obrigatórios conflitos interiores.

Chegarfamos assim a uma opinião, em suma, bastante próxima daquela do homem da rua que estima, mui sabiamente, sem dúvida, que qualquer ser humano encontra-se em um "estado normal", quaisquer que sejam seus pro- blemas pessoais profundos, quando chega a se arranjar com isto e adaptar-se a si mesmo e aos outros, sem paralisar-se interiormente em uma prisão narcfsica, nem fazer-se rejeitar pelos demais (prisão-hospital-asilo), apesar das inevitáveis divergências incorridas nas relações com eles.

Minha atual tentativa de definição da noção de "normalidade" longe está de satisfazer-me inteiramente, ainda que mais não fosse, pelo seu tamanho; contudo pareceu-me difícil, até aí, reduzir o número de seus parâmetros.

Tentativa de definição:

O verdadeiro "sadion não

é

simplesmente alguém que se declare como tal, nem sobretudo um doente que se ignora, mas um sujeito que conserve em si tantas fixa- ções conflituais como tantas outras pessoas, e que não tenha encontrado em seu caminho dificuldades internas ou externas superiores a seu equipamento afetivo he- reditário ou adquirido, s suas faculdades pessoais defensivas ou adaptativas, e que se permitia um jogo suficientemente flexfvel de suas necessidades pulsionais, de seus processos primário e secundário nos planos tanto pessoal, quanto sociais, ten- do em justa conta a realidade, e reservando-se o direito de comportar-se de modo aparentemente aberrante em circunst ncias excepcionalmente "anormais".

Será, pois, necessário insistir na independência da noção de "normalida- de" em relação à noção de estrutura .Foi amplamente demonstrado, com efeito, pela observação cotidiana, que uma personalidade reputada como "normal" po- de, a qualquer momento de sua existência, entrar na patologia mental, inclusive na psicose, e que, inversamente, um doente mental, mesmo psicótico, bem e precocemente tratado, conserva todas as chances de retornar a uma situação de "normalidade", de forma que atualmente não mais se ousa opor, de maneira demasiado simplista, as pessoas "normais" aos "doentes mentais", ao se consi- derar a estrutura profunda. Não mais nos deixamos ludibriar por manifestações exteriores, por mais ruidosas que sejam, correspondentes ao estado (momentâ- neo ou prolongado) em que se encontra uma verdadeira estrutura ,e não a urna mudança real desta estrutura em si.

Para, pelo menos em um primeiro tempo, apenas nos referirmos ao q...e chamo, em minhas hipóteses pessoais, de

estruturas estAveis (ou se;a, osicóticas ou neuróticas), parece evidente existirem tantos termos de passage...-, 110

se·

o de

uma linhagem estrutural psicótica, entre "psicose" e um certa fo,...,a de · norna-

lidade" adaptada à estruturação de tipo psicótico, quanto no seio de uma linha -

(21)

gem estrutural neurótica, entre "neurose" e uma certa forma de "normalidade" adaptada à estruturação do tipo neurótico. Um exemplo, sem dúvida, poderá ilustrar o meu propósito de modo muito

mais preciso:

Obs. n!! 1

Ren tem 38 anos. Não conhece nenhum passado médico digno de nota. Alto, magro, não parece muito forte

fisicamente, nem muito cuida- doso com sua pessoa, nem muito atento ao que se passa ao seu redor. Re- nê é o único filho de um pai bastante idoso e taciturno, notário em uma ci- dade pequena, e de uma mãe muito mais jovem, aut- oritária e bastante agressiva.

Ele cresceu principalmente entre esta mãe, sua tia (irmã da mãe) e a avó

materna, junto

à

qual morou durante os seus estudos secundários e no iní- cio da universidade.

Seus estudos foram excelentes, sendo Renê dotado de muito bom 0.1., mas estes se eternizaram, pois Renê não chegou a decidir-se por uma via definitiva nem uma carreira precisa. Rapidamente recebido na Escola Normal Superior no ramo literário, nem por isto deixou de perseguir certi- ficados de licença em todos os sentidos, principalmente certificados "cien- tfficos", pelos quais passava facilmente, chegando a haver um momento de voltar- se para o lado do Direito.Tendo passado no concurso da Agre- gação de Letras, aceitou finalmente um posto em um grande liceu pari- siense e depois, ao final de alguns anos, continuando ainda a lecionar nas classes preparatórias, foi nomeado para um posto importante na adminis- tração central.

Também seguiu fazendo algumas pesquisas matemáticas, e escreveu

alguns poemas. Manifestava um grande ecletismo, mas muito poucos elementos passionais; proporcionava-se poucas distrações,sem contudo enfastiar-se.

A maioria dos seus colegas, casados e pais de famnia, reputados "nor·

mais" por passarem suas noitadas em coquetéis ou espetáculos da moda, seus domingos nas ruas dos subúrbios, ter ça-feira gorda em Val-d' lsêre, Páscoa com a sogra, e os meses de agosto na Espanha, consideravam ele um "original" simpático, mas um tanto inquietan!e. Diante dele, com efei- to, sem que, bem entendido, isto fosse muito consciente, todo mundo sen- tia-se mais ou menos questionado, e cada qual mui rapidamente aprovei- tava para projetar sobre Renê a inquietante estranheza que este originava no outro, no sistema ideal coletivo bastante frágil adotado pelos membros do grupo tido como "normal" por simples razões estatfsticas ou ideais.

Re.né conhecia desejos sexuais reais, porém mais comumente arranja- va-se de modo a colocar, entre a mulher e ele, tranqüilizadoras distâncias e apaziguadoras dificuldades.

(22)

Após muitas hesitações, acabou finalmente casando-se com uma j ovem viúva, inteligente, ativa e simpática, mas a quem as pessoas reputadas "normais", na época, recriminavam por não sacrificar-se mais aos gostos do dia.

Renê teve um início conjugal difícil: sua mãe não era lá muito favorável ao casamento; os sogros, por seu turno, "apoiavam" um pouco exagera- damente o casal; enfim, Renê em alguns meses passou a sentir uma espé- cie de "bola" que subia e descia, trancava ao nível da laringe. "O pomo de Adão", sem dúvida, diziam-lhe rindo aqueles dentre seus amigos que ha- viam lido tratados de vulgarização psicanalítica . A gozação parecia, com efeito, plenamente cablvel, em virtude das circunst â ncias matrimonia is di- fíceis.

Depois o casal criou para si uma vida independente, pouco original em relação ao que os outros chamam de "originalidade", mas bastante origi- nal, contudo, quando nos referimos ao que a maioria normalmente deno- mina,demasiado rapidamente, de "normalidade" .

Nasceram três filhos, criados de um modo "curioso", isto é, os viz inhos, parentes e amigos declaravam-se enlouquecidos pelas liberdades de que gozavam. Estas crianças, contudo, de modo algum encontravam- se aban- donadas por seus pais e não pareciam, absolutamente, sofrer em meio às atitudes "boêmias" desta famllia, que continuou a ter apenas uma habita- ção antiga (em um bairro pouco estimado ), um automóvel curioso (de marca estrangeira pouco conhecida), uma casa de férias sem conforto em um lugar do interior, bonito mas sem renome, uma situação financeira sempre apertada, apesar de um bom salário e alguns adicionais, etc.

Renê e sua esposa muitas vezes são convidados para visitarem seus colegas ou casais encontrados em viagens ou atividades culturais diversas, não porque experimentem a necessidade de brilhar ou distrair a socieda-

de, mas porque sobretudo Renê, graças

à

sua grande cultura e seu espírito

aberto, mostra-se interessado nas zonas de investimento narcisista, as mais diversas, encontradas em seus hóspedes. Por seu turno, Renê e sua esposa recebem facilmente, e sem particular necessidade demonstrativa, as pessoas que simplesmente têm vontade de ver, sem sentirem-se, todavia, particularmente agressivos quando devem, por necessidade prática, misturar aí um superior ou um colega menos simpático, mas bem situado.

Renê é "normal", ou não?

Sem dúvida alguma, trata-se de uma estrutura edipiana com uma fixação materna bastante importante, havendo fixado os investimentos afetivos entre certos limites dificilmente transponíveis. Mas, isto posto, podemos inicialmente constatar que não se produziu qualquer descompensação nítida e, a seguir,que não há qualquer ameaça de descompensação a temer, pois o conjunto dos me- canismos de defesa e adaptação parece funcionar com evidente flexibilidade e incontestável eficácia, certamente levando em conta o real exterior, bem como,

(23)

em primeiro lugar, as realidades internas do sujeito, seus talentos e seus setores eventualmente ameaçados.

Considerarei, pois, o caso de Renê como sendo ao mesmo tempo uma es- trutura neurótica edipiana e genital (o que, certamente, não é uma doença em si, mas uma categoria fundamental de funcionamento psíquico) e como um caso bem adaptado no interior deste grupo de estruturas.

2.

Patologia e normalidade

No decorrer destas últimas décadas, diferentes autores debruçaram-se so- bre a dialética normalidade-patologia.

E. MINKOWSKI (1938) chama a atenção para a subjetividade da noção de

"norman,

que contudo parece comumente ir por si só, como simples acordo entre as necessidades e realidades da existência. A ênfase é colocada na relação com

os outros, embora a principal caracterfstica do estudo permaneça em uma ótica mais especialmente fenomenológica.

E. GOLDSTEIN (1951) parte de saída em uma direção bastante perigosa, ao referir-se às noções de "ordem" e "desordem", preparando toda uma suces- são de jufzos de valores a qual sempre se torna desagradável formular ou mes- mo simplesmente solicitar no domfnio da psicopatologia; com efeito, a unidade de medida corre automaticamente o risco de ser considerada mais em referência às escalas do grupo de observadores do que a uma escala estabelecida em fun- ção dos dados interiores do sujeito observado.

G.CANGUILHEM (1966) refere-se a diversos trabalhos de anos passados:

A. COMTE (1842), que se apóia no princfpio de BROUSSAIS, apresenta a doença como excesso ou falta em relação ao estado "normal"; C. BERNARD (1865), para quem toda doença nada mais é do que a expressão perturbada de uma função "normal"; LERICHE (1953), para quem não existe limiar previsível entre fisioló- gico e patológico, podendo resumir-se a saúde como estado de silêncio dos ór- gãos; JACKSON, finalmente, para quem a doença está constituída por uma pro- vação e um remanejamento, ligados a uma dissolução e regressão, idéias reto- madas por H. EY ao precisar a ordem de dissolução, na doença, das funções mentais, de infcio a partir do que foi mais recentemente adquirido na maturação ontogenética do sujeito. G. CANGUILHEM define a doença como redução da margem de tolerância em relação às infidelidades do meio. "Normalidade" seria também sinônimo de adaptaçáo, e esta idéia comporta nuances que permitiriam a G. CANGUILHEM considerar como permanecendo nos limites do "normal" certos estados tidos por outros como patológicos, na medida em que estes esta- dos podem exprimir uma relação de "normatividade" com a vida particular do sujeito.

M. KLEIN (1952) propõe-nos, em toda evolução psicogenética da criança, uma posição persecutória primitiva, seguida de uma posição depressiva mais ou

(24)

menos edipiana. A primeira posição, sobretudo, procederia obrigatoriamente mediante mecanismos econômicos do tipo psicótico, e toda patologia ulterior só poderia ter em conta fixações arcaicas a estas fases obrigatórias a todos. Embora seja oportuno não mais considerar a estrutura "normal" como tendo seguido uma evolução infantil de todo privilegiada, da mesma forma

é

diffcil considerar, em se tratando de neuróticos ou de estados limítrofes, que todo indivíduo tenha conhecido um perfodo no qual seu Ego teria inicialmente se constituído sobre um modo psicótico, no sentido bastante preciso que continuaremos dando a este termo, isto

é,

em uma economia de autêntica fragmentação, verdadeira or-

ganização estrutural e não somente etapa, lacuna ou imperfeição evolutiva.

A.

FREUD (1968) pensou poder definir a normalidade na criança a partir da maneira pela qual aos poucos se estabelecem os aspectos tópicos e dinâmicos da personalidade, e do modo pelo qual se engajam e se resolvem os conflitos pulsionais.

C.G. JUNG (1913) procurou apresentar as faces complementares dos per- sonagens míticos Prometeu (aquele que pensa antes) e Epimeteu (aquele que pensa depois), ou seja, introvertido e extrovertido, reportando-se às obras de Car l SPITTELER e de W. GOETHE. A "normalidade" estaria ligada à união des- tas duas atitudes, que C.G.JUNG compara à concepção bramânica do símbolo de união. De outra parte, o autor compara as noções de adaptação (submeter-se ao meio), inserção (ligada unicamente à noção de meio) e "normalidade", que corresponderia a uma inserção sem fricções, destinada simplesmente a preen- cher condições objetivamente fixadas. A patologia surgiria desde que o indiví- duo saísse do contexto de submissão ao meio, correspondente à "inserção" re- servada unicamente a este circulo. Isto parece-nos aproximar-se daquilo que descreverei alhures a propósito do movimento de depressão anaclítica do estado limite, desde que ele se arrisque a deixar o círculo, constrangedor mas assegu- rador, do familiar fálico.

J. BOUTONIER (1945) mostrou a passagem da angústia à liberdade no in- dividuo que se tornou "normal", ao passo que a maturação afetiva, fundamento de toda "normalidade" autêntica,

é

definida por D. ANZIEU (1959) como uma atitude sem ansiedade diante do inconsciente, tanto no trabalho quanto no lazer, uma aptidão a enfrentar as inevitáveis manifestações deste inconsciente em to-

das as circunstâncias em que a vida possa colocar o individuo.

R. DIATKINE (1967) propôs um marco de anormalidade no fato do pa- ciente "não se sentir bem" ou "não ser feliz", e insiste, de outra parte, na im- portância dos fatores dinâmicos e econômicos internos no decorrer do desen- volvimento da criança, nas possibilidades de adaptação e recuperação, na ten- dência à limitação ou extensão da atividade mental, e nas dificuldades encontra- das na elaboração dos fantasmas edipianos. R. DIATKINE alerta-nos contra a tão freqüente confusão entre os diagnósticos de estrutura mental e de normali- dade psicopatológica. Esta precaução parece-nos extremamente motivada. Com efeito, um diagnóstico de estrutura psíquica estável, no sentido em que a defini ao longo de todo o presente estudo, pode ser colocado fora de toda e qualquer referência à patologia, ao passo que o diagnóstico de "normalidade" implica, ao

(25)

contr ário, um exame do modo pelo qual o suj eito se arranj a com sua própria estrutura psíquica.

Para R. DIATKINE não se encontra, no adulto, qualquer estrutura dita "normal". Toda situação nova para o indivíduo recoloca em questão o seu equi- líbrio psíquico, e o autor estuda sucessivamente as dificuldades que podem ex- pressar este sofrimento na criança, conforme as idades e os estág ios maturati- vos. Procura determinar o leque de prognósticos relacionais posteriores, dis- pondo ao lado dos elementos prejudiciais todas as restrições às novas atividades e operações mentais, em particular os sistemas sistematicamente repetitivos mais ou menos irreversíveis.

C. CHILAND (1966) retomou um ponto de vista paralelo, ao mostrar que as

crianças, cuj o poder normativo é mais extenso, nem por isto estão isentas de certos sinais da linhagem neurótica ou fóbica .É a flexibiiÍdade da passagem de um bom funcionamento situado ao nível do real a um bom funcionamento si- tuado ao nível fantasmático que serviria de critério de normalidade, e não tanto um simples diagnóstico de estrutura, e este ponto de vista parec e muito produti- vo no plano de reflexão, quando o comparamos com as conclusões a que che- garam, na patologia escolar africana, LEHMANN (1972), LE GUÉRINEI (1970) ou MERTENS DE W ILMARS (1968) diante de crianças que, esbarrando na ambi- güidade causada por dois modelos culturais muito diferentes propostos pela realidade, experimentavam justamente reais dificuldades par a fazer a passagem entre uma boa integração do real e uma boa elaboraç o fantasmática; os distúr- bios psicopatológicos constatados vão completamente no sentido das hipóteses de C. CHILAND, que estabelece (1965):

"Nosso objetivo náo é necessariamente tornar a criança conforme o que seu

meio, a famOia, a escola ou a sociedade esperam dela, mas sim torn /a capaz de as- ceder, com omenor número delimitações possfveis,

sua autonomia efelicidade.

n

P. BOURDIER (1972), enfim, opôs o que se poderia esperar logicamente como diferença entre as "normas" de uma mulher e de um homem, por exem- plo, ou de crianças de idades diferentes. Uma criança de quatro anos poderia comportar-se como um "louco" e ser absolutamente "normal", ao passo que no período de latência os mesmos sinais desencadeariam uma mui viva inquietude no psiquiatra. De outra parte, diante da morte da mãe, uma criança "normal" de quatro meses nem mesmo s e aperceberia se se encontrasse interposto um substituto válido, ao passo que uma criança "normal" de quinze meses ficaria bastante perturbada por não poder agredir e ao mesmo tempo ver a mesma mãe intacta um instante após; quanto a uma criança "normal" de seis anos, ela se contentaria com o sofrimento incluído no trabalho de luto.

A. HAYNAL (1971) mostra a dificuldade de aplicar ao domínio psíquico os

habituais critérios de "normalidade", referindo-se

à

adaptação, à facilidade, ao desenvolvimento, etc., e à importância da relatividade sociológica da noção de "normalidade", tanto no homem quanto nas sociedades animais, onde em maior conta se deve ter as condições ecológicas, como a densidade territorial da coletividade em questão.

(26)

Por outro lado, comportamentos raros nem por isto são anormais . Como observa J. de AJURIAGUERRA (1971) a propósito de um texto de KUBIE: A saúde

é

um estado estatisticamente

raro,

mas nem por isto anormal.

Contudo, parece-me bom voltar agora um pouco para trâs, para os dados freudianos concernentes

à

noção de "normalidade", aos quais, em nosso enten- der, demasiado raramente se dâ atenção.

Neste domfnio, como em tantos outros domfnios relativos

à

psicopatologia "normal" e "patológica", S. FREUD marcou uma importante virada no modo de

pensar dos psicopatologistas .Antes e depois de seus relatos teóricos e clfnicos, as concepções mudaram radicalmente; o que certamente não quer dizer, con- forme veremos, que antes de FREUD ninguém tenha escrito sobre estes assun- tos, nem que S. FREUD tenha tido possibilidade e tempo para esgotar tal estu- do.

Podemos reter três postulados de seus Três ensaios sobre a teoria da se-

xualidade (1905), da Formulaçlío de dois princfpios do funcionamento mental (1911) e de suas Cinco psican lises (1905 a 1918): 1. Toda a psicologia do adulto origina-se das dificuldades experimentadas ao nfvel de desenvolvimento da sexualidade

infantil.

2. São as pulsões recalcadas, sexuais e agressivas, que criam os sintomas.

3. O modo como

é

vivida a etapa organiz;,dora da personalidade (isto

é,

o Édipo) depende essencialmente das condições tle

ambiente.

As delimitações trazidas por S. FREUD em outros lugares, em textos me-

nos conhecidos, em nada desmentem estes três postulados: em seus Psychopa- thic characters on the stage (1906), mostra que no caráter não-patológico o recal- camento deve ser exitoso, e que este resultado faz falta no caráter patológico; mas "patológico" encontra-se aqui limitado unicamente ao sentido neurótico. Em seus Alguns tipos de caroter destacados pela psican lise (1915)

é

ainda unica- mente com referência à economia edipiana, superegóica, genital e castradora, logo

à

linhagem neurótica, que são estudadas as exceções, aqueles que falham

diante do sucesso e os criminosos, pelo sentimento de culpa .No Declfnio do di- po, S. FREUD (1923 c)chegarâ a declarar que o que distingue normal ou patoló- gico situa-se no desaparecimento ou não do complexo de Édipo, dito de outra forma, ele recusa

o estatuto de "normalidade" a toda estruturação não neurótica e mesmo, parece, a uma estrutura neurótica na qual o recalcamento do Édipo teria ocorrido só de modo parcial. Ele exige o desaparecimento completo do complexo. Em seus

Tipos-libidinais, enfim (1931 a), procura "preencher a lacuna que se supõe existir entre o normal e o patológico", pela distinção de três

tipos básicos: erótico, narcísico e obsessivo, que mais habitualmente se combinariam em subtipos: erótico-obsessivo, erótico-narcísico e narcísico-obsessivo; o tipo teórico erótico-obsessivo-narcfsico representaria, ao final das contas, diz FREUD, "a absoluta normalidade, a harmonia ideal". Mas FREUD parece deixar- se apanhar na armadilha da universalidade das

apelações "neuróticas", pois se as suas pertinentes descrições do obsessivo e do narcísico-obsessivo bem cor- respondem a economias de neurose obsessiva e o tipo erótico a economias neu- róticas histéricas, parece que FREUD mais descreve estados

limftrofes do que

(27)

;-.e roses sob a cobertura do tipo erótico narcísico, caracteriais exitosos sob a cooertura do tipo narcfsico e, finalmente, pré- psicóticos sob a cobertura do tipo erótico obsessivo (a ênfase aqui está colocada nas defesas antipsicóticas, mais :::o que sobre as incertezas do ego).

Neste último artigo, mais tardio em sua obra e mais arrojado na pesquisa cos elementos dialéticos entre normalidade e patologia, S. FREUD tenta ir o mais longe possível no reconhecimento de fenômenos não-patológicos que contudo implicam particulares inflexões no modo de investimento da libido em cada tipo descrito. Mas FRE UD acha-se prisioneiro de sua grande descoberta:a economia genital edipiana e neurótica. Reúne ar, por certo com alguma insatisfa- ção, a maior parte de suas outras descrições clinicas.

Com efeito, antes de FRE UD, dividia-se habitualmente os humanos em duas grandes categorias psíquicas: os "normais" e os doentes mentais (nos quais se dispunham em bloco neuróticos e psicóticos). O grande mérito de FREUD foi o de haver mostrado, através de seus trabalhos revolucionários sobre a economia neurótica, que não existia qualquer solução de continuidade entre certos funcionamentos mentais tidos como "normais" e o funcionamento men- tal tido como "neurótico". Existem todos os graus e, no geral, os mecanismos permanecem os mesmos; somente a adequação e a flexibilidade do jogo destes mecanismos diferem mais ou menos. Infelizmente, S. FREUD não se aventura muito para além do domínio neurótico. Um incontestável estado limítrofe como o "homem dos lobos" (1918) é descrito como uma neurose, e se conheceo pou- co gosto que tinha pela abordagem dos psicóticos, suas hesitações na discussão dos dados nosológicos concernentes ao Presidente SCHREBER (1911 c).

Embora tenha escrito, ao final de sua vida, no Esboço da Psicanálise (1940 a), que era "impossfvel estabelecer

cientificamente uma linha de demarcaçáo entre estados normais e anormais': S. FREUD foi por muito tempo levado a

pensar, as- sim como aqueles que, claramente ou não, permanece ram fixados somente às posições de sua época, que o fosso não mais se situava entre normais de um la- do e doentes (neuróticos ou psicóticos reunidos) do outro, mas de um lado neuróticos e normais (correspondendo aos mesmos mecanismos conflituais e defensivos), do outro lado o grupo dos "não-normais", englobando todo ores- to; este "resto" quer se encontrava imprecisamente denominado de psicóticos e pré-psicóticos diversos, quer então diversificado em psicoses, por certo, mas também em estados \limítrof§ caracteriais, perversos, etc.

Meu propósito conserva a ambição de ir ainda mais longe: parte do ponto

, de vista de que cabe distinguir, de um lado, as estruturas autênticas, sólidas, fi- xas e definitivas (psicóticas ou neuróticas) e do outro, as organizações interme - diárias ( dos limítrofes), menos especificadas de maneira durável e podendo dar origem a arranjos mais estáveis (doenças caracteriais ou perversões).

No que diz respeito ao primeiro grupo, podemos considerar que existem tantos termos de passagem entre "normalidade" e psicose descompensada no seio da linhagem estrutural psicótica fixa, quanto entre "normalidade" e neurose descom pensada, no seio da linhagem estrutural neurótica fixa. Em contraparti- da, no que concerne ao segundo grupo, definido como intermediário, de ime-

(28)

diato verem os que não é fácil considerar uma real "normalidade': devido aos enormes e permanentes contra-investimentos rgéticos idepressivos pos- tos em jogo (em virtude da precane aae justamente da adaptação às realidades internas e externas) e à instabilidade, no final das contas, de tais organizações não realmente estruturadas no sentido definitivo e pleno do termo.

A noção de "normalidade" estaria, assim, reservada a um estado de ade- quação funcional feliz, unicamente no seio de uma estrutura fixa, sej a esta neu- rótica ou psicótica, sendo que a patologia corresponderia a uma ruptura do equilíbrio dentro de uma mesma linhagem estrutural.

Um exemplo clfnico poderá ser útil à nossa reflexão:

Obs. n!! 2

Georges tem 42 anos e é diretor de um colégio. Ele sabe poucas coisas de sua primeira infância, pois não desej a falar

e declara lembrar-se dela muito mal. Foi órfão de mãe, depois de pai, bastante cedo, adotado por uma família amiga de seus pais, com uma mulher autoritária, rígida e pou- co afetiva.

Muito bem educado no plano funcional, fez muito bons estudos . Reve- lou-se um adolescente bastante precoce no plàno intelectual, um estu- dante meticuloso, depois professor atencioso e muito racional. As qua lida- des de precisão, ordem, raciocínio teórico, seu senso de autoridade, de di- reito, de método, valeram-lhe uma rápida promoção administrativa, ape- sar de algumas dificuldades nas relações com seus alunos e colegas.

Casou-se aos 25 anos com uma mulher da mesma idade, também pro- fessora, igualmente autoritária e bastante rígida. Tiveram dois filhos que parecem ter boa saúde, mas muito cedo foram colocados em um internato bastante longe "para seu bem" aparente e racional.

O casal evoluiu em grupos de pesquisa profissional e mesmo filosófica bastante ousados (mas permanecendo especificamente burgueses), fre- qüentemente ocupando suas noites, domingos e dias de folga sob pretex- tos de reuniões ou estágios diversos, orientados para técnicas, posições ou idéias cuidadosamente escolhidas para encontrarem-se sempre em oposi- ção ao pensamento comum dos colegas do mesmo estabelecimento.

Poder-se-á ver em Georges um exemplo de sujeito "original", por cer- to, mas de aparência normal, bem adaptado às suas realidades internas e externas. Os principais mecanismos de defesa até aí empregados podem ser considerados como sendo do tipo _pbsessLvo.

Mas eis que, no decorrer de uma sessão de "dinâmica de grupo" orga- nizada por sua Academia, Georges

é

o suj eito mais velho e mais graduado no grupo em que participa. O animador, conhecido por sua ambivalência em relação à Universidade, em parte o julga capaz de defender-se e, em parte, sem dúvida, não está muito descontente tampouco de vê-lo vacilar um tanto em suas bases. O moderador, muito mais cáustico ainda em rela-

(29)

ção

à

autoridade e cuidadoso em não desagradar aos agressivos, abstém - se de intervir. Também Georges recebe sem especial precaução (nem pre- paração, bem entendido) toda a descarga agressiva do grupo. Sente-se prontamente presa de um mal-estar interior, não mais sabendo muito bem quem é, onde está, o que faz . Foge desta assistência e, muito excitado, percorre a pequena cidade onde se desenrola a sessão acreditando-se per- seguido por qualquer um que use uniforme.

No momento em que se chama um médico, intervém um amigo que mora nas redondezas; ele leva Georges consigo e o confia a um psiquiatra de seus amigos, que coloca o paciente em repouso e o trata, inicialmente com medicamentos e sedativos, encaminhando-o depois a um psicanalis- ta.

Georges atualmente vai bem. Retomou todas as suas atividades profis- sionais, mas suas relações sociais melhoraram e seus aspectos reivindica- tórios emendaram -se.

Entretanto, sem dúvida, trata-se de uma estrutura psicótica; o tratamento analítico o demonstrou, com uma transferência fusional, uma angústia de frag- mentação, importantes negações da realidade. Esta estrutura, até então não des- compensada e que havia permanecido nos limites de uma incontestável "nor- malidade", repentinamente "rompeu-se" sob o golpe de uma agressão externa demasiado forte para as defesas habituais do suj eito. Foi isto que deu origem à despersonalização e ao delfrio. Georges passou do estado "normal" ao estado "patológico", sem contudo mudar de estrutura profunda. As defesas de modo obsessivo cederam momentaneamente diante da intensidade da agressão pelo real; foi preciso negar este último, pois as anulações obsessivas das representa- ções pulsionais não mais podiam dar conta. Foi assim que Georges ficou "doente" sem mudar de forma estrutural do ego. E foi sempre sem variar de estado profundo do ego, logo de linhagem estrutu ral, que depois "curou- se", graças a um tratamento que permitiu o restabelecimento de defesas melhores sem modificar, contudo, seu modo de organização mental subjacente.

3.

A "normalidade" patológica

Acabamos de ver como seria possível considerar, por um lado, uma certa "normalidade" e, por outro, manifestações patológicas, em função de um modo de estruturação fixa e precisa.

Porém a coisa parece complicar-se um pouco ao sermos levados a descre- ver, ao contrário, personalidades ditas "pseudonormais" e que não correspon- dem, justamente, a uma estrutura estável nem definitiva, conforme considera- mos no caso das estruturas das linhagens neurótica ou psicótica. No interior destas linhagens bem definidas em sua evolução, os sujeitos defendem-se con-

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