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1 ·A linhagem estrutural psicótica

C) A ESTRUTURA MELANCÓLICA

O esquema proposto por R. FLIESS (fig. 1) permitiria supor que a estru- tura melancólica ocupa uma posição intermediária entre a estrutura esquizofrê- nica e a estrutura paranóica.

Est<; hipótese parece exata quanto ao grau atingido pela evolução libidinal, mas não

é

certa quanto ao estado de elaboração do ego; parece, com efeito, que o e o melancólico, ainda que intensamente regredido, tenha atingido um nível anterior de maturação e adaptação bem super ior ao das organizações paranói- cas.

De outra parte, mostra-se capital, no presente ensaio de classificação es- trutural, voltar-se para a clínica e considerar que neste plano não se encontra, na ontogênese dos estados melancólicos, uma progressão que siga os primeiros estágios de "pré- estrutura" ao longo da linhagem psicótica, tal como foi descrita a propósito da linhagem estrutu ral psicótica em geral e das estrutura s esquizo - frênicas e paranóicas em particular.

A estrutur a melancólica estaria, então, ocupando um lugar totalmente à parte na classificação estruturai do modo psicótico. Embora a sua autenticidade psicótica não cause dúvidas quando estabelecida, esta est rutura não pode ser comparada, ao que parece, às duas outras estruturas psicóticas, quanto à sua et iologia.

Não será surpreendente, para aqueles que tiveram conhecimento das atuais pesquisas sobre os problemas dos estados limítrofes e da depressão, que se considere aqui a hipótese de uma gênese dos mecanismos melancólicos na li- nha gem depressiva, da qual se tratará no capítulo seguinte.

Cabe, contudo, seguramente, não reservar unicamente às organizações

depressivas ou maníacas reativas do tipo verdadeiramente introj etivo e psicótico a denomina Ção da "estrutura melancólica", com o risco de ligar a esta estrutura psicótica particular outras entidades próximas, de estatuto maníaco-depressivo, limitando de forma precisa, o que continua sendo o lote da categorização psicó- tica de tais movimentos ext remamente variados e disseminados.

Desde HOMERO, HIPÓCRAT ES e ARETAEUS da CAPADÓCIA, muito

tem-se discutido acerca da alternância dos episódios de excitação e depressão. A noção de psicose maníaco -depressiva foi concebida por KRA E PE LI N em 1913 como englobando numerosas entidades clínicas, junto à melancolia (melas khole, ou sej a, a "bile negra" de HIPÓCRATES ).

No espírito das hipóteses estruturais apresentadas no presente capítulo, pareceu oportuno recorrer a uma metodologia inversa à de KRAEPELIN e con- siderar que os movimentos alternados constatados nas descrições da "psicose maníaco- depressiva" nada mais representam que avatares ativos ou passivos, dependendo, no plano estrutural, daquilo que constitui o contexto da estrutura melancólica. O interesse desta forma de ver não repousa em um paradoxo, nem numa sutileza de linguagem, mas na necessidade de separar aqui o que é de es- truturação verdadeiramente psicótica, no seio das oscilações entre excitaçao e depressão, dos simples movimentos mais moderados e superficialmente reati- vos no decorrer das depressões ditas "neuróticas" ou de suas defesas hipoma- níacas, dito de outra forma, das organizações nem psicóticas nem neuróticas, conforme veremos adiante.

A noção de estrutura melancólica parece poder por si só dar conta, no pla-

no estritamente psicótico, dos aspectos depressivos autenticamente psicóticos (e só destes) e dos aspectos maníacos defensivos autenticamente psicóticos (e ape- nas destes).

Trabalhos que nos permitem apoiar esta tese foram publicados em 1916 por S. FREUD, em 1921 por M. KLEIN, em 1924 por K. ABRAHAM, em 1928 por

S. RADO, em 1931 por

L.

BINSW ANGER, e em 1933, por H. DEUTSCH.

A maioria dos trabalhos psicanalíticos não separa, pois, o estudo dos me- canismos maníacos do estudo do mecanismo melancólico. Em Psicofog!a de massas e análise do ego, S. FREUD (1921) apresenta o movimento do tipo ma- níaco como simples defesa contra a depreciação íntima, pois para ele: "Apessoa dominada por um sentimento de triunfo e satisfação, que nenhuma crftica vem a per- turbar, encontra-se livre de qualquer entrave, ao abrigo de qualquer reprovação, de qualquer remorso... Compreendendo o ideal de ego a soma de todas as restrições às quais o indivfduo deve dobrar-se, o regresso do ideal ao ego, sua reconciliação com o ego deve equivaler, para o indivfduo que reencontra assim o contentamento de si mesmo, a uma festa magnffica."

É,

pois, nesta possibilidade particular de liberar as pulsões, que K. ABRA- HAM (1912) situa sua "orgia canibalesca" ligada a um considerável incremento das necessidades orais.

M. KLEIN (1921) pensa que o movimento maníaco evita que os objetos

fi-

ram o suj eito e se firam entre si; ela fala de "minimização" e "desprezo" do ob- jeto para dar conta ao mesmo tempo da necessidade de devo ração dos obj etos e do desapego parcial em relação a eles quanto à importância que aparentemente lhes

é

reconhecida.

L. BINSW ANGER (1931) enfatizou a vertente maníaca, E. MINKOW SKI (1930) e H. EY (1954) insistiram na melancolia, no triunf o pela parada da vida e do tempo.

Tudo o que se mostrava positivamente engajado no universo relaciona!,

positivo até então, da vida do suj eito, parece desestruturado e negado, a ponto do sujeito chegar a negar a si mesmo como suj eito próprio.

K. ABRAHAM (1912) foi o primeiro a comparar os mecanismos do luto aos da melancolia: trata-se, em ambos os casos, de uma perda de obj eto, mas no

segundo caso a hostilidade experimentada em relação ao objeto perdido acha-se voltada contra o próprio suj eito . Assiste-se, ademais, a uma regressão pré-ge- nital da libido obj etai de modo oral antropofágico e sádico anal, ao mesmo tem - po que o ego opera uma regressão narcisista intensa , contribuindo os dois mo- vimentos para constituir a autenticidade da organização estrutural do tipo psicó- tico na verdadeira posição melancól ica.

S. FREUD retomou (1917 c) as hipóteses de K. ABRAHAM, precisando co- mo no mecanismo melancólico a pessoa perdida era incorpora da ao sujeito . Aliás, a partir destas concepções de incorporação é que a seguir foram estabele- cidos os conceitos de "ideal de ego" e de "superego", desempenhando estas duas noções uma parte extremamente importante na economia melancólica.

K. ABRAHAM (1924), por seu turno, retomou o ponto de vista freudia no para precisar o papel da oralidade e da reativação das feridas narcisistas da mais tenra idade nos mecanismos maníaco - depressivos.

Para S. RADO (1928). o mecanismo melancólico corresponde a uma de- manda desesperada de amor, a um esforço para evitar a punição parenta!, se- guindo a tensão ligada ao antigo sentimento de frustração (cólera, fome, etc.). Mas será que se pode, a este nível, falar de culpa e de superego? Pareceria mais prudente ver as coisas em termos de temor de perda do amor "não fazendo su- ficientemente bem" (ideal de ego), do que sendo punido por "fazer mal" (supe- rego), o que, economicamente, não se situa, absolutamente, no mesmo grau de elaboração estrutural. Para S. RADO, o obj eto incorporado se acharia clivado em duas partes: uma parte boa, que continua a amar a criança, permaneceria conti- da nos elementos superegóicos, ao passo que uma parte má, frustrante e detes- tada, se veria integrada ao ego.

Melanie KLEIN (1934 e 1952) descreve na criança mecanismos reencontra- dos nos psicóticos, constituindo as posições "paranóide" e "depressiva". A posi- ção depressiva sucede

à

posição paranóide e deve, por sua vez, estar superada antes do final do primeiro ano de vida, mas deixa persistir uma fixação que no adulto poderá reativar- se no luto ou nos estados melancólicos. A imagem ma- tern a não está mais clivada, como em RADO, e a mãe total seria introj etada com seus aspectos "bons" e "maus". O objeto torna-se, assim, ambivalente, suporte, ao mesmo tempo, do amor e do ódio.

O maníaco -depressivo, para Melanie KLEIN, seria aquele que fracassa no trabalho de luto por não haver conseguido, na primeira infãncia, estabelece r o vínculo afetivo com suficientes objetos bons internos, levando à segurança inte- rior; a depressão infantil fundamenta l não teria sido jamais superada; não pode, aí, haver "reparação" profunda do objeto ; a defesa maníaca constitui uma re- compensa para a angústia dos fantasmas sádicos destruidores que ameaçam o objeto.

As hipóteses kleinianas obtiveram intenso sucesso, justificado pelas cons- tatações clínicas na criança e no adulto. Entretanto,

é

necessário não confundir os níveis estruturais e convém, sem dúvida, notar que as fixações causadas por frustrações precoces demasiado intensas, dependendo de sua intensidade e da data do seu aparecimento, podem representar o prelúdio de conseqüências bem

diversas, indo do simples movimento leve e superficial do luto, em qualquer que seja a estrutura, até a vivência dramática do melancólico, mesmo não descem- pensado, passando por todos os estados intermediários de organizações antide- pressivas do ego (estados limítrofes, perversões, ordenamentos caracteriais), dos quais nos ocuparemos na última parte do nosso trabalho.

Os recentes trabalhos concernentes aos mecanismos próprios da melanco- lia incidiram novamente sobre os aspectos tópicos: F. PASCHE (1963) fala de um curto-circuito entre um superego bastante personificado e um ideal de ego, ao contrário, muito impessoal, enquanto B. GRUNBERGER (1963) refere-se às relações entre o ego e o ideal de ego, e

I.

BARANDE (1966) supõe que seja a perda da auto-estima que leva a um considerável desinvestimento libidinal.

Na linguagem da estrutura melancólica, o sujeito procura reencontrar o caminho do objeto perdido e introjetado. Na fase de excitação,a sintaxe é afrou- xada, o vocabulário permanece rico e variado, mas mostra-se comumente im- preciso; na fase depressiva, ao contrário, a expressão se torna pobre, monocór- dica,indecisa.