• Nenhum resultado encontrado

A ESTRUTURA ESQUIZOFRÊNICA

1 ·A linhagem estrutural psicótica

A) A ESTRUTURA ESQUIZOFRÊNICA

Dentre as estruturas psicóticas, a estrutura esquizofrênica situa-se na posi- ção mais regressiva, tanto do ponto de vista da evolução libidinal quanto do de- senvolvimento do ego.

Para C. MULLER,

L.

KAUFMANN e

L.

CIOMPI (1967), o conceito psicodi-

nâmico ligado ao problema esquizofrênico baseia-se no estudo dos fenômenos psicológicos, da influência da constelação familiar e dos fatores sócio-culturais.

Estes autores mostraram como FREUD, já em 1898, havia descoberto a

analogia existente entre sonho e alucinação enquanto maneiras de reviver expe- riências recalcadas da infância sob uma forma substitutiva. Gr aças ao delírio, os objetos encontram-se novamente reinvestidos.

S. FRE UD, muito cedo havia definido a esquizofrenia sob o vocábulo "neurose narcisista", para insistir na importância da massiva regressão narcisista primordial nesta entidade. O funcionamento mental de modo esquizofrênico é guiado pelos mecanismos de deslocamento, condensação e simbolização, tribu- tários dos processos primários, o que ao mesmo tempo acarreta uma distorção, ao menos parcial, da r ealidade, um afrouxamento das associações e uma lógica aparente, dita "autista". Em seus conflitos com a realidade, o esquizofrênico de estrutura espera poder mudar esta realidade, e não as suas necessidades, de modo a satisfazer, de forma total e instantânea, a pulsão pré-genital de prepon- derância oral.

Podemos afirmar que a estrutura esquizofrênica corresponde especifica- mente a uma organização psicótica do ego fixado a uma economia pré-genital de dominância oral. O papel das frustrações precoces, de origem ao mesmo tempo materna e paterna, (A. GREEN, 1958) sempre foi colocado em primeiro plano na economia esquizofrênica. P. C. RACAMIER (1954) insiste na necessida- de de maternagem para o desenvolvimento da criança. Define (1963) a mãe co- mo o "verdadeiro ego do

lactente" e afirma que, se faltar o objeto, este permane- cerá incapaz de reconhecer e amar a si próprio.

Ademais, parece que a mãe do esquizofrênico não tem só de ser frustran- te, mas precisa também ser tóxica; é lícito supor que se ela se mostrasse apenas frustrante a criança se limitaria, mais facilmente que na evolução esquizofrênica, a uma das formas de infradotados motores ou afetivos, múltiplos e precoces, que evocamos ao final do capítulo anterior.

O desapego e a estranheza dos sentimentos na estrutura esquizofrênica estão em estreita relação com o aspecto particularmente arcaico de um universo fantasmático tão exuberante quanto profundamente regressivo.

Buscou -se muitas vezes estabelecer relações entre a deficiência de certos

meios sócio-culturais e o desenvolvimento de uma estrutura esquizofrênica. Com efeito, não é raro, na prática cotidiana, encontrar, no seio de uma família que leva um esquizofrênico para tratamento ou consulta, outros membros es- truturados (sem contudo estarem "doentes"), segundo um modo esquizofrênico de organização mental.

Mas, com um certo recuo, e talvez também um modo de exercício misto (hospitala r e liberal, rural e urbano), damo-nos conta de que a estrutura esqui- zofrê nica não é apanágio de qualquer meio social em particular, mas antes de um meio afetivo particular. Encontramos disposições afetivas tão lamentáveis por predileção, nas camadas ditas "baixas" da sociedade? Não estou, de minha parte, de modo algum, convencido disto. Tenderia antes a explicar esta opinião cor rente, mas duvidosa, pelo fato de que os autores que possuem as estatísticas mais abundantes operaram até agora sobretudo em ambiente hospitalar e urba- no, ao passo que se hesitaria,talvez, em um outro gênero de prática e de clien- tela, em pronunciar certas palavras, ao mesmo tempo que ampliava-se a cate- goria mais discreta das "neuroses graves" de todas as variedades.

Nada nos permite adiantar que nos meios modestos as crianças sejam mais cruelmente tratadas e as mães sejam mais tóxicas - que em outros lugares.

Igualmente não penso que se deva perguntar por que tal ou tal criança, em

uma fratria, torna-se "esquizofrênica" (sube ntendido: doente esquizofrênica) ao invés de outra. Olhando as coisas de perto percebemos que, ao adotar de safda nosso ponto de vista estrutural, e independente da descompensação mórbida na mesma família, existem mais comumente várias estruturas esquizofrênicas; o único verdadeiro problema psicopatológico reduz -se, pois- o que parece mais preciso - a saber por que tal caso de estrutura esquizof rênica dentre as outras, no seio da mesma família, descompensou-se, e não as outras (de mesma estru- tura, contudo).

A mãe da família onde se encontram estruturas esquizofrênicas em geral é

apresentada como autoritária, superprotetora, mas ao mesmo tempo ansiosa e culpabilizada. Mas talvez ela seja ainda mais marcada pela frieza afetiva pessoal, ao mesmo tempo que pela necessidade de total dependência de seu filho em relação a ela. A atitude simbiótica, tão comumente descrita hoj e em dia, parece conotar esta absoluta necessidade.

Os pais de famílias em que eclodem as estruturas esquizofrênicas come- çaram, há algum tempo, a interessar os autores, mas as opiniões parecem, sin - gularmente , divergir, pois as observações parecem incidir mais sobre o que se tornaram mais tarde os pais de doentes esquizofrênicos, do que sobre o que eram antes da situação criada entre a mãe e a criança já doente. Não estou certo de que a palavra "pai" constitua um verdadeiro valor em tal economia, nem de que estes personagens representem algo mais que uma pálida duplicação de uma imagem fálica materna ainda mais falha. Estamos ainda bem longe da eco-

nomia paranóica, muito mais diferenciada.

No que diz respeito aos aspectos lingüísticos da estrutura esquizofrênica, observa-se que o sujeito não pensa nem fala realmente com palavras, mas age com estas palavras como o faria com objetos.

A linguagem mais comumente encontra-se colocada a serviço da pulsão agressiva, e esta comunicação sádica vê-se facilitada pelo fato de o obj eto não estar tão sepa rado do suj eito, dado o aspecto unipolar da economia afetiva. Che· gando ao verdadeiro autismo, o obj eto torna-se completamente auto-investido.

P. C. RACAMIER (1955) estima que no esquizofrênico a semântica, tanto quanto a sintaxe, sej am sacrificadas ao ritmo e

à

fonética. O vocabulário torna - se restrito; algumas palavras são expurgadas, outras repetidas incessantemente. As formas verbais, no plano estético, assumem um aspecto mais pseudo- poético do que uma verdadeira forma poética; elas evocam os procedimentos simbolis- tas e surrealistas, permanecendo contudo muito mais limitadas, tanto em seu campo quanto em seu poder evocador, pois o psicótico, enquanto se aproxima da descompensação, regride progressivamente a falares infantis ou primitivos, paralelamente à regressão do pensamento. Qualquer expressão pode, assim, deixar de ser "um modo de falar", par a tornar-se uma verdadeira construção delirante (cf. o exemplo do violino, acima).