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4º TEXTO Hábito das Manhãs

No documento O universo poético de Armando Artur (páginas 132-152)

BIBLIOGRAFIA ELETRÓNICA

4º TEXTO Hábito das Manhãs

Stefan Florana Dick (Hábito das Manhãs)

Acordar com a baba na memória e afastar a recordação breve dum sonho inacabado. Consultar a tabuada do dia, mesmo que o mesmo aconteça sem orvalho. (mau agoiro?) (para adiar “a renúncia impossível” abreviar a coragem da fome).

Da leitura do poema da página 9, que dá título ao livro, palavras que afinal, constituem a chave dos avatares semânticos propostos a propor pelo aos sujeito destinatários do poema. A voz pessoal de Armando Artur, imprimida n’ O hábito das Manhãs não tem outra contribuição, senão iluminar os sentidos da vida, dar melodia aos instantes feitos referenciais poéticas, passando o poema a ser anagrama dessa voz lírica influível.

A inspiração registada, o poema escrito, a imaginação mastigada, ficam os signos por serem revelados. E a revelação só será dada pelos ângulos interiores dos substantivos, dos verbos, dos adjetivos e dos conectores, participantes na construção montagem do texto. A revelação e a interrogação da própria escrita lírica, feita de “Palavraméricas” interiores.

O poeta, ao sabor do hábito das nas manhãs, estende a lista dos substantivos e retira baba-memória-recordação-sonho-tabuada,dia-orvalho-agoiro-mesmo-renúncia-coragem-fome. Comparemos esses substantivos com tijolos de uma casa. Arrumar por arrumá-los, sem dúvida, cairão aquando de ventos fortes. Precisam de argamassas para dar consistência. Armando Artur, como argamassa, usara os conectores (com, a, de um, o que, sem, para) para unir os diferentes tijolos. Mas uma casa não é um ovo, entanto que uma construção hermeticamente fechada, deve ter portas, janelas furos – diga-se, entradas e saídas. E os verbos, na sua maioria surpreendidos no seu modo natural, leia-se, infinitivo (acordar, afastar, consultar, adiar, abreviar) com excepção do acontecer, que por necessidade de construção exige-se que aconteça na sua forma flexionada para melhor indefinibilidade das ações, sejam elas ativas e/ou passivas, dão corpo à construção. Os adjetivos são necessariamente parte de um poema. São elementos valorativos, uns atributos exteriores às coisas interiores. Porque são atributos, só poucos, em termos de quantidade, podem quantificar todas as partes inacabado breve mau impossível o uso de cada um destes por parte do leitor dependerá muito da linha referencial poética explorada a explorar. Será na apreciação interior ou exterior que se dirá

sonho inacabado, ou breve, ou impossível, ou mau. No lugar de sonho todos os outros substantivos podem figurar e merecer todas as apreciações convenientes.

O poeta mobiliza os conceitos para o poema. Às vezes, os arruma em forma de proposta. Será no interior, melhor, no significativo múltiplo de cada que se encontrará a compreensão, na tentativa de arrumar o que se já arrumou que se achará as formas múltiplas de fazeção de um poema ideia.

O Hábito das Manhãs. Manhã instante, ou manhã sujeito, a par de hábito de Armando Artur, ou dos gatos?

Uma dúvida pertinente. Uma interrogação necessária. Se o poeta pode tomar as manhãs e nelas fazer-se, porque as manhãs não o tomarão também para o inspirar?

Qual é o hábito das manhãs? – É o de o poeta acordar para o novo instante, o de continuação dum sonho inacabado, ou de luta entre a aceitação da “fome” e renúncia impossível do mundo que é tido de poeta, mas que não é?!

Sonhar, acordar, recordar (o sonho) que foi breve. Três instantes num momento poético de reflexão que desembocará no novo dia, o de “consultar a Tabuada”, - aceitando assim que cada dia seja algo de cores, pensamentos e lógica interior particular própria, que a matemática seja do conhecimento de todos. Aqui, a lógica não se sobrepõe ao pensamento, às ideias. O poeta, indivíduo da minoria, vai à ordem desconhecida do seu eu entregar-se às palavras para delas erguer o nada.

“A literatura é o esforço do homem para se indenizar dos males da sua condição” – cito Emerson. Esse homem pode ser substituído por poeta. O poeta, por sua vez, por armando Artur. A sua única escola, como diria Nabokou, é o talento – “A única escola da literatura é o talento, que lhe permite servir-se dos muros e das grades da língua para sair da cadeia da linguagem e abrir-se à imaginação, aos conceitos suspensos ainda por serem dado significação”.

Temos o substantivo orvalho ou baba. Estes, de estado, aceite se, líquido, terão diferença com o sémen que fecunda o dia do poeta? Tomemos as palavras: Coragem e fome e junte-se a elas a “renúncia impossível”. Por que a renúncia?, de quê? fome ou/e coragem? O poeta é um ser corajoso, até na fome. Chega a alimentar-se do mistério absoluto, que lhe escorre à boca/memória o sonho que lhe povoa o sono/o dia.

Aqui fica uma leitura de um poema do livro “Hábito das Manhãs”, de Armando Artur. Não se trata de uma leitura acabada; é apenas uma leitura a glorificar a criação lírica de Armando Artur, que aparece como a contínua procura da exploração do indizível, do acasalamento do eu e da realidade no código lírico vivo da sua experimentação consciente e

independente. Diga-se a verdade ainda que esta leitura seja apenas de um poema, a poesia de Armando Artur, lírica por excelência, indiferente ao seu nome e ao que ele é como homem, merece mais do que umas simples linhas de um articulista-aulista, sem adjectivos próprios para pôr na posição que lhe é merecida.

O lirismo em Moçambique, abraçado por muitos, poucos conseguem tuteá-lo. Esses muitos, cheios de vontade e vocabulário, pensam que a poesia é um simples encontro feliz entre o abecedário e as ideias, não a poesia não se encontra nas ideias, mas na maneira fina de surpreender essas ideias. E Armando Artur, na sua linha ainda particular, com influências que vêm da meditação poética constante, do refazer vigoroso do VERBO, da disciplina plena inspiratória consegue manter o seu barco lírico atraente para os espíritos finos.

5º TEXTO

NOA, Francisco. A Nova Poesia Moçambicana. In: NOA, Francisco. A Escrita Infinita. Maputo: Livraria Universitária, UEM, 1998.

6º TEXTO

O diário e o exílio na poesia de Armando Artur Por Adelino Timóteo

A poesia de Armando Artur, reunida no seu livro “O hábito das manhãs”, resulta do emerso reflexo de procura, a começar do próprio sujeito poético, de novas formas de existência, novas formas de reinvenção do corpus poético na sua aliança com o Cosmos e, acima de tudo, a recusa de vários fatores subjetivos circunscritos à realidade circundante, através da qual emerge a imagem de um discurso persistente na sua esfera intimista (retratada na relação com a sua amada). Quer dizer, tal aliança é seguida pela incorporação da componente social e humanista na sua escrita, ao mesmo tempo que o País real impinge à procura de um modus vivendi, que é a sua tendência firmada no “exílio voluntário” e “involuntário, num rasto de sentido que depois é reconfirmado e recuperado no seu terceiro livro, “Estrangeiro de nós Próprios”.

Trata-se de um percurso em que não denota nenhuma rotura à temática iniciada em “O espelho dos dias”, que marcou a sua estreia em livro, e também a sua perspectiva de escrita observando o plano diarístico, com que se confirmaram os títulos desta e da segunda obras. Portanto, não há nenhuma cisão nelas, mas uma nítida meditação sobre o tempo no quadro grotesco da existência, com que ele, sobre o espectro dos Eros e Tanatos, redesenha a esperança, porque “se em cada dia/triunfa um voto de viver/ a vida não será senão uma viagem sem fronteiras? (pág.7, “O hábito das manhãs”).

Se o “ o voto de viver” mais um dia (que se acresce a outro, e daqui indefinidamente, sem nenhum horizonte obstacular) evidência certa ânsia, os mencionados versos apenas vão atestar e configurar o modo como decorre ou discorre a pluma que ele levanta, tendo pela frente um inimigo que nos é comum: a morte, que o poeta pretende afastar de si e do pleito cotidiano, como é lugar comum em exorcismos desta contemporaneidade. E não só, sobre o peso da derrocada humana, já que alguns versos andam envoltos na áurea da conjuntura armada e sanguinária, que, em todos os horizontes e latitudes, ainda que temporais, relembram o recente e findo conflito bélico moçambicano – solo despojado até a agonia, porquanto não se discura a esfera universal para o qual o poeta se desloca, como é sinônimo no poema. “Excursão pelo Rio Congo/Excursão pela Memória”, dedicado a Eugénia Neto e Luandino Vieira, nomes da literatura e Angola, a nação ainda hoje flagelada por um conflito armado.

“Nesta hora do pôr-do-sol/sobre o barco e águas corredoras, algas caladas, aves acocoradas/ eu sei simplesmente que sou um dos convivas a bordo da alegria de Maio de 1987/pelos mistérios do rio Congo/ na memória desenha-se a minha gente/ crianças guardando a fome, a sede, o luto/ por detrás do amargo sorriso” (pág.14, “O hábito das manhãs”).

Refira-se que num poema que não se pretendia alheio àquele período, Eduardo White, outro poeta contemporâneo de Armando Artur afirma que “diário é também/ o ofício da morte neste país/essa gangrenada de fome e de sede e desentendimento/ o fogo em circuito que nos cerca lembra nossas quotidianas invulgaridades”/(pág.35 “O País de mim”), trazendo deste modo os elementos simbólicos configuradores daquela etapa epocal (fome, morte, sede e guerra). São estes cenários que transcorrem hoje várias pátrias, da Jugoslávia à Palestina do Congo ao Ruanda, e converterão por certo em marcas intemporais por que Armando Artur, ao apostar neste discurso diarístico, nos faz subjazer dias sem fim, o efêmero. Uma das surpresas com que somos confrontados na leitura dos livros do autor em estudo, e que indica esta forma diarística de esculpir palavras, tem a ver com o fato de nos interceptarmos com o sujeito poético, não raras vezes, a “acordar” a sonhar, num percurso onde ele nos deixa vislumbrar a sua insônia, incluindo até a noite ou o Sol ou ainda a manhã, com que retoma interminavelmente o regresso e a caminhada iniciados com a consulta da “tabuada do dia” (pág.9,”O hábito das manhãs”).

Os poetas são, por natureza, seres inconformados, mesmo perante as realidades, daí que a Armando Artur acontece. As manhãs sobem como grito de esperança, durante a noite “há menos dureza na lembrança”, “Setembro e o mês da levitação/iniciação do voo”. É o que se pode depreender nesta escrita “hakay” e de viagem, bastante influenciada por Sophia de Melo Breyner Andersen e Eugénio Andrade.

Entretanto persistindo no uso do tempo como única hipótese/da função existencial” (p. 29), em “Estrangeiros de nós próprios”, o poeta em análise vai reformular todo o discurso anterior, estabelecendo intercepção ou intertextualidade consigo mesmo, como se comprova no poema “Prefácio”, em que ele, a título pórtico e de introdução à obra, nos submete à recordação dos seus três títulos livrescos a que qualquer um dos leitores se compenetra pela mão de Armando Artur, que os ilumina. Aqui não escapa a imagem de construção e desconstrução de textos e ainda no aludido exílio. “Com os espelhos dos dias quebrados/recomeçamos com o hábito das manhãs/e estrangeiros de nos próprios/entricheiramo-nos no nosso constrangimento” (pág.5).

7º TEXTO

No documento O universo poético de Armando Artur (páginas 132-152)