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Aspetos formais da sua poesia

No documento O universo poético de Armando Artur (páginas 78-82)

A Poesia de Armando Artur 2 Breve biografia

DIMENSÃO HUMANA

4. Aspetos formais da sua poesia

4.1. A dimensão dramática

De acordo com a etimologia, a palavra poética, no grego poétikós, define a arte de produzir poesia.181 A história dessa arte iniciou-se com os clássicos, com Aristóteles e o seu estudo sobre a poética, e Homero, primeiro poeta grego, autor das epopeias Ilíada e Odisseia, cujo legado serve de inspiração para a reflexão sobre a vida humana.

Deste modo, o universo poético de Armando Artur parece querer organizar-se numa dimensão própria. A discursividade oralizante leva a supor serem lidos os poemas em voz “alta”, e, por vezes, apresentados para encenação ou teatralização.

É evidente que o poeta se inspirou nas leituras dos clássicos anteriormente referidos, bem como nos Diálogos Socráticos. A sua maneira particular em trabalhar o conhecimento dos pensadores gregos proporciona uma visão ampla ao poeta, que apresenta, em torno de sua obra, temas de caráter humanístico, de âmbito filosófico, através de uma linguagem de dimensão metafórica, sobretudo em formas que sugerem o monólogo ou o diálogo, assumindo ainda a vox populi.

No prefácio do livro No Coração da Noite (2007), Ana Mafalda Leite assevera que a escrita arturiana

[...] confere ao poema uma múltipla vertente de leitura, a dramático-trágica, a épica

anti-épica, a vertente lírica, a reflexão crítica, bem como a dimensão de encenação total a que obriga o texto oral, ou seja, a teatralidade necessária ao acto performativo da anunciação. Isto tudo, fragmentariamente, texturado com sábia habilidade, nos leva, de página a página, a visualizar o palco a que o poema se oferece como evidência.182

180Reis, C. (2001:150).

181Houaiss e Villar. (2003:2909).

Estamos diante uma escrita que recorre a estratégias de “teatralidade” e dramatização com o propósito de mostrar uma visão que, apesar de onírica é também vital para o ser humano: o incentivo de lutar pelos seus objetivos. Nesta visão, o sujeito poético evoca problemas latentes da humanidade e trabalha numa dialética muito particular (com frequência, dirige-se a um destinatário – tu, num tom coloquial), por meio de processos característicos do texto dramático.

Dentro desse contexto, sua poesia representa, o recurso à memória enquanto viés do drama social, pois é por meio de relatos quotidianos que se rememora a história dos homens e se a imortaliza.

A poesia transforma-se, de fato, num teatro visual. A função poética se dá através da linguagem do autor. As suas composições se elaboram por meio de recursos construtivos em que encontramos frases ou versos entre parênteses, dedicatórias (algumas em negrito) que tanto funcionam como uma forma de coro ou ainda o uso do monólogo, da reiteração e da interjeição, enfim de procedimentos que visam a dramatização.183 Exemplo: Quando digo eu/ Não sou eu quem o diz./ Sou a soma de muitos eus/ Com as mesmas vertigens.184

Em Espelho dos Dias, (1986) no poema EUREKA, constatamos a existência de encenação teatral:

«Eureka! Eureka!» (em jeito de Arquimedes)

O miúdo sobe ao palco da manhã E, de costas para o céu,

Anuncia o seu maravilhoso sonho: «a terra será o próximo paraíso!»185

O protagonista, O miúdo sobe ao palco, se dirige a um público através da exclamação

Eureka! Eureka! (Encontrei! Encontrei!) A frase entre parênteses (em jeito de Arquimedes)

funciona como didascália ou indicação cénica. E, de costas para o céu/ a criança Anuncia o

seu maravilhoso sonho, ou seja, fantasia e irrealidade, que reforçam o sentido da última

exclamação do jovem mensageiro: a terra será o próximo paraíso!. Insinua-se a ironia contextual, ao anunciar-se que o retorno edénico será possível na terra.

Vejamos, em O Hábito das Manhãs, o poema(FUTURO: ESSA TRANSCENDÊNCIA):

Onde

começamos os caminhos

183Leite, A. (2004:3) no prefácio do livro NCDN. 184Artur, A. (2007:61).

da transcendência? no grito

inadiável sobre o tempo ou no pequeno gesto que sempre se principia? onde

a imagem e o retrato do sonho que nos habita? ou ali onde a vida se adia constantemente e o mar e a madrugada se enamoram nas areias?186

O poema estabelece relações intertextuais implícitas com A Onda, (A onda anda/

aonde anda/ a onda?) de Manuel Bandeira.187 O poeta brasileiro recorre também à

paronomásia, que consiste em utilizar palavras semelhantes quanto à sonoridade, mas com significado diferente (exemplo, onde/onda), assim como a anáfora.

No entanto, no poeta moçambicano, a sonoridade do marulhar da onda é apenas sugerida ao longo do poema, sobretudo no início da estrofe, através do fonema nasal /on/ no advérbio interrogativo lugar onde, em alternância com a conjunção coordenativa disjuntiva ou, subentendendo-se “onda” por meio da crase (sublinhado) do primeiro verso, na última estrofe,

ou ali onde a vida e no sentido metafórico da imagem se adia constantemente/ e o mar e a madrugada/ se enamoram nas areias?

Nota-se que as interrogações retóricas (quatro) que constituem o poema incutem certo dramatismo. O tom interrogativo, em harmonia imitativa, imprime um ritmo ascendente, ora sincopado, ora se prolonga, tal como o som das ondas: onde/ a madrugada e o retrato/ do

sonho que nos habita?/ ou ali onde (…)? E torna-se motivo para refletir sobre a

transcendência do futuro: o tempo, o sonho e a vida.

Essa transcendência conduz a Martin Heidegger, que afirma estar

186Artur, A. (1990:39). 187Bandeira, M. (1986:255). a onda anda aonde anda a onda ? a onda ainda ainda onda ainda anda aonde ? aonde ? a onda a onda

[...] a poesia, em comparação com o pensamento, (...) de modo bem diverso e privilegiado a serviço da linguagem, nosso encontro que medita sobre a filosofia é necessariamente levado a discutir a relação entre pensar e poetar.188

Seguindo essa via de pensamento, podemos dizer que os versos de Artur nos conduzem à meditação filosófica, dando a sensação de liberdade, para desvendar enigmas que orientam para um novo caminho. É através dessa visão poética que compreendemos a percepção do conhecimento cognitivo e sensorial.

A linguagem é uma forma especial de compreender o mundo, o homem e o poeta vão usar esse poder para reestruturar o seu discurso e estabelecer caminhos futuros.

No livro Estrangeiros de Nós Próprios (1996), analisamos o poema com dedicatória à poetisa portuguesa

(PARA SOPHIA DE MELLO BREYNER):

Os búzios iam e vinham vinham e iam

como um pêndulo do tempo perdido. Que mistério lá havia, afinal?

(será, realmente, o naufrágio Cúmplice dum crime impossível?) ─ Talvez. Pois da redoma dos astros Ressoa a marcha fúnebre dos deuses.189

O búzio é uma concha marinha da qual a mitologia grega faz nascer Afrodite. É também o atributo dos Tritões. Vemos, aqui, dois aspectos do seu simbolismo: a sua relação com as águas primordiais e o seu uso (…) como produtor de som (…) perceptível de longe inspira o terror, foi por isso que outrora foi utilizada na guerra.190

O título do poema de A. Artur retoma um tópico cultivado por Sophia. Por exemplo, em Os Búzios de Cós e Outros Poemas,191 no poema da poetisa portuguesa, com o mesmo

188Heidegger, M. (1973:2). 189Artur, A. (1996:42)

190Chevalier e Gheerbrant. (1994:134). 191Andressen, S. (1997:10).

Este búzio não o encontrei eu própria numa praia Mas na mediterrânica noite azul e preta

Comprei-o em Cós numa venda junto ao cais Rente aos mastros bailoçantes dos navios E comigo trouxe o ressoar dos temporais (...)

título, o búzio, comprado na ilha grega, trouxe o ressoar dos temporais (…) o cântico da

longa e vasta praia Atlântica (perífrase que representa Portugal). A composição poética, Os búzios, de Artur, com contornos trágicos, divide-se em três partes (ou cenas) 1ª parte –

introdução ao tema – os búzios iam e vinham (como ondas) e simboliza o tempo passado,

pêndulo do tempo perdido (terceto); 2ª parte – interrogações sobre mistério, naufrágio e crime impossível (monóstico e parelha); 3ª parte – resposta em discurso direto – a marcha fúnebre dos astros (última parelha). Deste modo, o discurso poético caracteriza-se pela plurivocidade,

isto é, surgem várias vozes que contribuem para o tom trágico do poema.

Essas diferentes vozes evocam os diálogos de Sócrates, numa reflexão com seus interlocutores sobre a essência do conceito de justiça ética e política no livro X da República

de Platão,192cujo propósito era o de buscar respostas para as reflexões discutidas entre as

distintas opiniões (vozes).

Encontramos, entre distintas vozes, um debate em torno de um mistério a desvendar, como no enigma de esfinge. Compreende-se, desse modo, o uso da filosofia com a intenção de meditar sobre os problemas mais complexos que envolvem todo o universo. É a existência de um segredo por desvendar que leva as vozes a debater o assunto por meio de interrogações. A resposta surge na última estrofe em tom dubitativo – Talvez. E culpabiliza a marcha surda

dos deuses. Como na tragédia grega, o destino inexorável conduz o destino dos homens.

Parafraseando os clássicos da literatura grega, a poesia de Armando Artur potencia, em forma de diálogo, interrogações que povoam o pensamento humano.

Na sua quarta obra, Os Dias em Riste (2001), no poema

No documento O universo poético de Armando Artur (páginas 78-82)