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O Universo da Poética

No documento O universo poético de Armando Artur (páginas 35-38)

A Poesia de Armando Artur 2 Breve biografia

2.2. O Universo da Poética

O percurso literário de Armando Artur teve início num período marcado pela nova poesia moçambicana. Durante a década de oitenta, fortemente influenciada pelo movimento da Charrua, uma das linhas de força mais seguidas pelos jovens escritores moçambicanos foi a lírica intimista, afastando-se assim do apelo do cânone oficial, não se tratando apenas de uma escolha de tema ou género literário, mas sim de uma reivindicação da liberdade de expressão, e usufruto da liberdade da escrita.

Podemos encontrar simultaneamente a descrição do sentir do poeta A. Artur através de metáforas, que descrevem o desânimo que o envolve: “Dói-me esta mania de me despir à luz

quando tudo permanece obscuro nos confins do meu horizonte (…);67(…) nas sendas dos sonhos adiados eu caminhava com archotes nas veias porque era necessário incendiar”.68

60Noa, F. (sobre o livro NCDN, de Armando Artur). Disponível em:< http:/machamba.com/literatura- mocambique/1878/>. Consultado em 08/08/2012. 61Artur, A. (2007:25). 62Ibid., 53. 63Ibid., 29. 64Ibid., 36. 65Ibid., 9.

66Noa, F. (sobre o livro NCDN, de Armando Artur). Disponível em:< http:/machamba.com/literatura- mocambique/1878/>. Consultado em 08/08/2012.

67Artur, A. (1986:31). 68Ibid., 37.

Também é sentida a contiguidade do sujeito com o mundo: “Trata-se enfim de um

lirismo emancipado e particularmente enriquecedor por não traduzir o fechamento do sujeito sobre si próprio”.69

Verificamos, desta forma, a referência ao coletivo (povo): “Nosso é o tempo/ nossas

são as coisas/ Nossa é a liberdade/ nossos são os sonhos”.70

A década de oitenta é marcada por um conjunto de acontecimentos que condicionaram o fenómeno literário em Moçambique, tais como: Publicação da coleção “Autores Moçambicanos”, num total de doze títulos publicados entre 1980 e 1981, pelo Instituto Nacional do Livro e do Disco, em Moçambique, e pela Edições 70, em Portugal; Formação da Associação de Escritores Moçambicanos (AEMO), em 1982, promovendo a divulgação literária dos seus autores (catorze títulos entre 1982 e 1985) organização de tertúlias e saraus de poesia; Aparecimento, em 1984, de duas revistas, dedicadas à Literatura Moçambicana, a mais marcante, revista Charrua, pertencente à AEMO e a Gazeta de Artes e Letras, fundada por Carlos Patraquim, da revista Tempo e na qual também Armando Artur participou; Criação da revista Forja, em 1987, após o encerramento de Charrua, e igualmente com o apoio da AEMO, com a coordenação de Castigo Zita. Esta revista promoveu a divulgação literária de jovens poetas, por todo o país.

Segundo Francisco Noa, surge uma nova poesia, de onde emerge a afirmação da liberdade subjetiva:

[...] assenta não exclusivamente na questionação interior, na temática amorosa ou

na relação do sujeito com o mundo, mas, muito particularmente na exploração da ambiguidade, da ironia, […] da obliquidade referencial, do elemento subversivo, da metáfora enquanto distanciamento do real.71

Esta nova poesia, de que A. Artur é elemento dinamizador, marcou momentos importantes no desenvolvimento e afirmação da literatura moçambicana, cuja tendência estética, divergindo da Poesia de Combate, corresponde agora a uma poesia de cariz mas intimista. Caracteriza-se pela afirmação da liberdade subjetiva, tanto do poeta, dos seus versos e dos respetivos destinatários: “Agora não professo nem sussurro ao vento/ remo na

transumância dos dias/ agora não tenho fronteiras”.72

A liberdade subjetiva, que multiplica e diversifica a experiência literária, institui, como referiu Kierkegaard, filósofo oitocentista, um espaço de todas as dispersões: do sujeito, da

69Noa, F. (2008:43). 70Artur, A. (1986:41). 71Noa, F. (2008:43). 72Artur, A. (1986:48).

linguagem e das realidades referenciadas.73A referência da influência deste filósofo, na poesia moçambicana, prende-se pela

[...] constatação de que alguns conceitos do vocabulário existencialista, no seu todo,

têm particular relevância no universo desta nova poesia moçambicana, como por exemplo: liberdade, escolha, risco, subjectividade, responsabilidade, consciência do devir (negação do estável e do definitivo), angústia, ser-para-a-morte (aqui sob o estigma da guerra civil).74

Semelhante característica é percetível na escrita arturiana:

É urgente inventar novos atalhos/ descobrir novos horizontes/ é urgente quebrar o silêncio/ passo a passo coalhadas de pirilampos/ é urgente içar novos versos escalar novas metáforas/ é urgente partir/para onde nascem sonhos / buscar novas artes de esculpir a vida.75

A nova poesia moçambicana constitui um lirismo emancipado, cuja riqueza se deve em grande parte por o sujeito poético não se fechar em si próprio. É um lirismo que não assenta exclusivamente no questionamento interior, na temática amorosa e na relação do sujeito com o mundo, mas também na exploração da ironia, da obliquidade referencial, do elemento subversivo da metáfora e da metonímia.

É neste contexto que surge a primeira publicação de Artur, Espelho dos Dias (1986), após pouco mais de uma década de independência do país, durante a qual se sentiu um crescente desenvolvimento da expressão literária, tornando-se mais consistente de traços originais e de formas peculiares. Assim, o poeta efetua um processo de interpretação da realidade. A partir da captação do olhar e do tempo, obtém imagens, efetuando a sua recriação interior, “vendo nesta o mundo inteiro: viva a invenção dos olhos76/ com os olhos tacteava o

tempo/ a poesia existia dentro da invenção dos olhos”.77

Em de O Espelho dos Dias, é sentida a evocação de emoções a partir de imagens. Neste livro observamos como a partir das imagens captadas pelo olhar do poeta se efetua a desconstrução da imagem habitual. Na imagem refletida do seu olhar recompõe-se o mundo inteiro.

Tal como a independência de Moçambique é um tempo novo, o sujeito poético trilha também um novo caminho, com lugar para o amor e para a liberdade na evocação entre passado e futuro feita a partir da figura materna: “Mãe, eu vejo o amanhã reflectido no teu

73Noa, F. (1998:42).

74Severino, E. (1986:82), citado em Noa, F. (1998:43). 75Artur, A. (1986:44).

76Ibid., 16. 77Ibid., 37.

rosto/ entre os poros da tua pele/ nas páginas brancas do teu sonho/ na insónia dos teus dias”.78

Nos poemas de Artur é sentida a expansão do “eu”, oscilando entre a profunda interiorização de si próprio, o lirismo utópico coletivo (nós): “mandaremos nossas aves/

estaremos prontos79 / nosso é o tempo/ nossa é a liberdade/ nossos são os sonhos que inventamos”.80 Nesta manifestação do “eu,” segundo Fátima Mendonça na nota de

apresentação (EDD, 1986), observa-se, por um lado, um lirismo amoroso, por outro, um lirismo feito “ars poética”, que trouxe à literatura moçambicana a configuração de poesia como artefacto, da qual Rui Knopfli foi representante.81

A poesia de Armando Artur presta homenagem aos militantes moçambicanos, afirmando que não serão esquecidos no presente e no futuro, sendo lembrado no “amanhecer” no novo tempo histórico, atribuindo-lhes o louvor de considerá-los raízes de um novo Moçambique:

PROMESSA

Plantarei os vossos nomes em todas manhãs de cacimba e habitarei uma azagaia dentro das vossas raízes.82

Pese embora a referência sutil a um passado de guerra, (repare-se no vocábulo bélico “azagaia” – arma de arremessão) a sua obra ultrapassa este tema, fazendo prevalecer o amor, o sonho, a harmonia da natureza, reencontrada na liberdade entre o sujeito e a sua terra.

No documento O universo poético de Armando Artur (páginas 35-38)