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NÍVEL TEMÁTICO

No documento O universo poético de Armando Artur (páginas 119-132)

BIBLIOGRAFIA ELETRÓNICA

2º TEXTO Ideiotopias

3. NÍVEL TEMÁTICO

Em ambos os textos, o sujeito poético intratextual pretende insistemente coagir o receptor à ação, de sorte a modificar determinado estado de coisas, determinadas situações e a recriar, restaurar um mundo salutar, mais humano. Estamos em ambos os casos, por conseguinte, perante a função apelativa da Linguagem.

O primeiro verso de Eugénio de Andrade «É urgente o amor» parece sintetizar todos os outros versos seus, assim como todo o poema de Armando Artur, já que toda a ação para o qual se faz o apelo acaba por desembocar transitivamente no amor pela vida, pela alegria e pela saúde. É curioso, igualmente, notar-se que em Eugénio de Andrade o primeiro verso desta estrofe é repetido na última instância.

A primeira instância de Eugénio de Andrade é mais sintética, tende apenas dois versos:

«É urgente i amor

É urgente um barco no mar».

O primeiro verso é digamos o verso-chave do poema, já que nele está cristalizado o resultado final de toda a ação para a qual se faz o apelo: o Amor. No segundo verso, é sugerida a necessidade de explorar o mar, implicitamente, para se responder ao propósito Amor, Alegria.

A primeira estrofe de Armando Artur é constituída por quatro versos:

«É urgente investigar Novos atalhos

Acender novos archotes e descobrir novos horizontes».

Aqui é esboçado o caminho através do qual se deve enveredar em buscar do amor e do bem-estar, o que equivale a dizer descobrir novas e rápidas maneiras de viver ou de conceder a exigência mediante uma nova visão e novos conhecimentos do mundo.

Veja-se como os signos «atalhos» e «archotes», remetem para um sentido de alcance maior: não se trata simplesmente de urdir veredas que geograficamente conduzam a um determinado lugar físico; ou pegar em fósforos, riscá-los e acender tochas, mas sim renovar a concepção arcaica, caduca do mundo. A segunda estrofe de Eugénio de Andrade possui apenas quatro versos:

Ódio, Solidão e Crueldade Alguns lamentos,

Muitas espadas».

Aqui o apelo é dirigido no sentido de se exterminar realidades que entravam uma maneira de ser mais humana, que impede a felicidade humana (ódio, Solidão, Crueldade; Guerra), através do desenvolvimento de acções que proporcionem alegria e amor à espécie humana. Aprecie-se como Eugénio de Andrade nesta estrofe se nos dirige num tom moralista, que se podia ouvir de um eclesiástico, defendendo os valores humanos considerados sãos. Em Armando Artur, a segunda estrofe apresentada seis versos:

abrir fendas ao tempo e, passo a passo, habitar outras noites coalhadas de pirilampos».

Aqui o apelo é no sentido de não haver inibição quanto à expressão livre e para a realização de obras duradoiras no Tempo, o que terá como consequência, a mudança no modo de ser, de viver, ora vigente.

Porém, note-se a semelhança nos dois textos entre os versos: «É urgente destruir.../ É urgente quebrar...». Estamos ante palavras da mesma área semântica (Quebrar/Destruir), sinônimas, fato que também contribui para a proximidade textual.

A terceira estrofe de Eugénio de Andrade apresenta quatro versos apenas:

«É urgente investigar alegria, multiplicar os beijos, as searas,

É urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras».

O sentido desta estrofe aponta para através da ação criadora, gerar-se o desafogo e o bem-estar. Note-se que a linguagem é sugestiva e, sobretudo, metafórica, e as palavras possuem um longo alcance semântico: «É urgente descobrir rosas e rios/ E manhãs claras ..., pelos matagais, florestas ou jardins», na ânsia de localizar-se numa árvore cheia de espinhos a que se chama roseira, «rosas» até aqui desconhecidas, bem como rios desconhecidos, até este momento algures. O sentido é sugerido apenas (Alegria, felicidade), através do simbolismo que as palavras possuem. É nisto que reside literariedade de um texto: o sentido principal, pertinente está nas entrelinhas e é lá onde deve ser captado através de uma leitura em que o receptor, na descodificação, também gera significados, «escreve com o escritor».

A terceira estrofe do texto de Armando Artur é constituída por cinco versos, i.e., um verso a mais em relação a Eugénio de Andrade:

«É urgente içar novos versos

escalar novas metáforas E trazer esperanças recalcadas pela angústia».

Aqui deparamo-nos, para já com um certo «estranhamento motivado por certas combinações dos signos: «...Içar novos versos». «Escalar novas metáforas» combinação destes signos empresta uma certa propriedade, uma certa atmosfera ao poema, que se propaga insolitamente pela alma dentro. Nesta estrofe, Armando Artur propõe reformas na linguagem a empregar, e que esta ser portadora duma mensagem encorajadora, esperançosa.

A quarta estrofe de Eugénio de Andrade possui apenas quatro versos:

«Cai o silêncio/os ombros a Impura até doer.

É urgente o amor, é urgente permanecer».

No primeiro verso desta estrofe, o emissor lamenta a fadiga provocada pela busca incessante felicidade humana e o caráter incessível da mesma, porém, nos dois últimos versos, o sujeito poético recobra a mesma coragem de buscar o amor de existir.

A última estrofe de Armando Artur é constituída por seis versos:

«É urgente partir sem medo e sem demora

para onde nascem sonhos buscar novas artes de esculpir a vida».

Aqui o sujeito poético de Armando Artur é mais persistente na procura do seu ideal, a felicidade, reconhecendo também a necessidade de coragem e pressa na odisseia desta procura.

4. CONCLUSÃO

Em face do exposto acima, parece-nos legítimo e irrecusável concluirmos que em ambos os textos existe o fenômeno de intertextualidade, e que o texto de Eugénio de Andrade serviu de fonte de inspiração para a feitura do texto de Armando Artur. Por isso, o texto

«Urgentemente» é o ante-texto neste processo. Armando Artur não rejeita o texto de Eugénio de Andrade, pelo contrário, aceita-o prolongando-o, absorvendo-o. Em ambos os textos, subjaz um apelo ao destinatário no sentido de este desenvolver acções que proporcionem alegria à espécie humana e destruir aquelas realidades que obstruem o amor, a felicidade humana.

Em Armando Artur, todavia, existe a necessidade não só de melhorar o mundo, mas também a obsessão de reformar a linguagem artística (literária) «(Urgente içar novos versos/escalar novas metáforas»), banhada de um novo conteúdo otimista. Em Armando Artur, não é explicitamente revelada a consciência de que a ação à qual se apela é penosa, ao passo que em Eugénio de Andrade tem-se esta consciência, nitidamente. Em ambos os textos uma certa similitude e complementariedade, parecendo que o texto do escritor moçambicano é um prolongamento do escritor português. As diferenças aqui apontadas são tênues e pouco significativas.

Ambos os textos, sob o ponto de vista dos textos estilísticos, navegam nas mesmas figuras: anáfora – enfatizando a ideia de urgência, a metáfora, a elipse.

Ambos os textos, em última análise, são um canto ao amor, pela vida e pela espécie humana, por isso também em ambos descortinamos claramente uma certa dose de humanismo coletivo.

3º TEXTO

LEITE, Ana Mafalda. Literaturas Africanas e Formulações Pós-Coloniais. 2 ed. Maputo: Imprensa Universitária, 2004.

4º TEXTO

No documento O universo poético de Armando Artur (páginas 119-132)