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7º TEXTO O exílio

No documento O universo poético de Armando Artur (páginas 152-161)

BIBLIOGRAFIA ELETRÓNICA

7º TEXTO O exílio

Por Adelino Timóteo

Na leitura da poesia arturiana, deparamo-nos inúmeras vezes com a utilização do termo “exílio” pelo sujeito-poético. Por que essa preferência quando o poeta não é nenhum exilado? Por que tal insistência? E o que pretendemos saber para melhor o compreendermos.

Diz Manuel Alegre, num texto intitulado “Errância e Enraizamento”, lido num congresso realizado pelo Departamento de iberística na Universidade de Veneza em 1995, que “talvez toda a nasça de um sentimento de exílio. Ou pela perda forçada da pátria, ou por se viver exilado dentro…….. ou, como diz Jorge... por ser estrangeiro do mundo”, o que, segundo ele, “é condição da emergência do humano” e, porquanto da própria literatura”.

De acordo ainda com Manuel Alegre, há exílio que provoca o desenraizamento, como também há o que leva à redescoberta da raiz, ao voltar a casa, ao enraizamento, que se crê que seja o caso de parte significativa da literatura portuguesa e o sentimento encontrado nalguns poetas moçambicanos (Alberto de Lacerda, Virgílio de Lemos, Rui Knopfli, Luís Carlos Patraquim, entre outros escassos exemplos) a que Armando Artur se junta.

A presença de fatores como a dor, a angústia, a mágoa e a divisão social no contexto em que a escrita discorre gera na poesia de Armando Artur um estado de insatisfação perante a realidade conjuntural e, consequentemente, o sentimento de desenraizamento, que o leva a exilar-se “em nós próprios” – entende-se em si, na amada ou dentro da sua pátria, espelhando assim “uma moral em estado de sítio” (1)

Não é a dor física que o impele ao desenraizamento, mas sim “uma situação similar de foro psíquico” (2), que o leva juntamente com o povo (o poeta é um sujeito colectivo que arrasta consigo a voz de toda uma sociedade) a serem “estrangeiros de si próprios”, porque vivem “entrincheirados no constrangimento”, sinônimo de uma dolorosa realidade atravessada, quiçá em Moçambique, ou qualquer outro lugar. O estranhamento que ele evoca parece centrar igualmente na recusa de sermos “nós próprios”, que é a causa fundamental das desalianças e do desencontro com a “raiz” identitária. Em suma, impele-se aqui a atenção para o retorno aquilo que nos é próprio” (herança secular perdida e não é assumida como valor identitário), que por isso os torna “estrangeiros de si próprios” enquanto habitam o mundo e a pátria.

Aliás, é a emergência desta crise ou sentimento que lhe vai permitir bastas vezes o “regresso ao mundo inteiro e das coisas que sempre amei” (“O hábito das manhãs”, p.37),

pois, ainda que seja inatingível, ele pela sua ânsia e poesia, parece ter já alcançado o futuro onde mora a tranquilidade e esperança.

Bibliografia

ARTUR, Armando. O hábito das manhãs. Coleção Timbila, n. 11 da AEMO, 1989. ARTUR, Armando. Estrangeiros de nós próprios. Coleção Timbila, n. 15 da AEMO. MATHIAS. Marcelo Duarte. Autobiografias e Diários. Colóquio/Letras n. 143/144. Notas

NEVES. Pedro Teixeira. Diário de Moçambique. 25/1/97.

(1) Ibidem.

8º TEXTO

Estrangeiros de Nós Próprios - Um olhar constrangido ao espelho

Por Brito Semedo

Gostaria de ter tido mais que 24 horas para, assim, aprofundar a leitura dos livros de poema de Armando Artur – Espelho dos Dias (1986), O Hábito das manhãs (1990) e Estrangeiros de Nós Próprios (1996), todos publicados pela Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) – em vez destas considerações feitas ao correr da pena.

Do lexema ao sintagma

No “início”, era a palavra... na “Timbila”, o canto. Assim, se poderia definir o percurso temático deste ciclo de poesia de armando Artur – alvorada (1996), manhã (1990) e tarde (1996) – que abrange precisamente uma década. Recorda-se que logo a seguir, a 1986, viria o período marcante, nenhum homem uma ilha, o poeta não ficou alheio ao processo.

Espelho dos Dias, o primeiro livro de poesia, foi publicado na coleção “Inícios”. É um conjunto de poemas líricos e eufóricos onde determinados lexemas funcionam como embrião de versos que, alargados e aprofundados posteriormente, vão dar origem a novos poemas.

O sujeito poético revela-se puro e inocente: Dói-me esta mania/ de me despir à luz/ quando tudo permanece/ obscuro nos confins/ do meu horizonte/ dói-me este hábito/ de sonhar acordado/ em cada instante/ que me dou conta que existo” (p. 31).

Outras vezes é sonhador e ansioso: “Aprendi a voar com asas nos dedos/ [...]/ até então a poesia existia/ dentro da invenção dos olhos/ pois em mim gritava a ânsia/ de embalar a manhã concebida/ os dias passavam/ e na senda dos sonhos adiados/ eu caminhava com archotes nas veias/ porque era necessário incendiar (p. 37). É a descoberta do poeta da “quintessência do amor”: “Encontrei o sentido/ obscuro de todas as coisas/ quando o luar foi apenas/ a imitação dos teus olhos” (p. 42).

Os lexemas hábito e manhã do primeiro livro são recuperados, melhor, fundidos, e emergem como um segundo título: O Hábito das Manhãs agora na colecção “Timbila”. Começa o canto disfórico desencantado do poeta: agora, pouco a pouco/ minha infância/ vai perdendo o seu sentido/ apesar do equinócio/ que promete a memória/ hoje, o meu sonho/ tem a forma de um papagaio/ que voa até se desprender/ no horizonte/ nele se marca o tempo de espera/ a derradeira hora inadiável/ (agora durmo acordado/ às portas da mudança) (p. 8). Torna-se “hábito das manhãs” acordar com a baba da memória/ e afastar a recordação breve/ dum sonho inacabado/ consultar a tabuada do dia/ mesmo que o mesmo aconteça/ sem orvalho. (maus agoiro?)/ (para adiar a “renúncia impossível”/ abreviar a coragem da fome. (p. 9).

Constrangido, o poeta assumindo o seu coletivo, lança um olhar ao espelho dos sonhos e ideias antigos, e vê-se: Estrangeiros de Nós Próprios. A sua declaração preliminar é: Como os espelho dos dias quebrados/ recomeçamos como o hábito das manhãs/ e estrangeiros de nós próprios/ entrincheiramo-nos no nosso/ constrangimento.

Passou a manhã e já é tarde. Com desvelo e desencanto/ a estrangeiros de nós próprios/ imigrámo-nos./ Ser ou não ser/ agora pouca nos importa. O destino que parte e se reparte/ eis o nosso desassossego. (p. 19). Fica a dúvida e o desespero. Será possível o amor/ na noite que se avizinha? (p. 21). Contudo a angústia maior é a de ser cúmplice do avesso desta noite./ Ventura trôpega esta/ a de testemunha desta/ procissão. (p. 27).

Nesse percurso disfórico, o poeta recupera alguns sintagmas utilizados nas obras precedentes, aprofunda-os e alarga-os; é o que se poderia chamar a continuidade na circularidade. A “Quintessência do Amor”, antes poema em Espelhos dos Dias, É agora uma seção com um conjunto de oito poemas (p. 4-16), os lexemas manhã e espelho são outros tantos signos recuperados.

Um Apelo à esperança

Quando parece que o tom vai ser de lamúria, mágoa e nostalgia, eis que o poeta se renova em esperanças ao ver que o hábito das manhãs/ é tão antigo e visível/ com o longo e indelével rasto/ deixado pelas estações e repara como o sol brilha, incólume, sobre o mar fundo/. (Será longe, ainda, o lugar/ do exílio?) (p. 52). Surge um apelo ao dever de resistir e caminhar/ pelos destroços da nossa utopia/ eis-nos aqui de novo, acocorados/ aqui onde o tempo pára/ e as coisas mudam (p. 53). Num crescendo de esperança e de alegria, o poeta canta que para que o nosso sonho renasça, com a levitação do vento e do grão/ eis nos aqui de

novo/ passivos como os espelhos/ no tear da nossa experiência (p. 54). Contudo, só chegamos aos trópicos/ do nosso descontentamento/ quando a torrente dum rio longínquo/ deixar de desaguar na nossa nostalgia..(pág. 55). O canto termina em tom triunfal. Esta sempre será/ o nosso amanhecer./ E a nossa perseverança/ e como a da erva daninha/ que lentamente desponta na pedra nua. (p. 56).

Antes de terminar, merecem ainda algumas considerações, embora breves, os recursos formais dos versos curtos e interpostos em parênteses.

Os poemas de Armando Artur são de leitura fácil e agradável. A linguagem é simbólica, mas os pensamentos são claros. Os versos são curtos, sendo a maior parte deles de 11 sílabas, sem estarem ordenados em estrofes, o que dá uma imagem visual de frescura e de modernidade. Uma particularidade do autor é o uso diversos em parênteses, com função explicativa e, por vezes, conclusiva.

Concluirei, tal como comecei parafraseando, desta vez a escritora inglesa Evelyn Wauch (1903-1966): algumas pessoas pensam através de imagens, outras através de ideias. Os poetas pensam inteiramente através de palavras.

9º TEXTO

No documento O universo poético de Armando Artur (páginas 152-161)