• Nenhum resultado encontrado

PARTE II – HIDROPOLÍTICA INTERNACIONAL

Capítulo 3 – Prenúncios da crise hidroambiental

3.5 Água e Saúde Humana

Um aspecto não menos importante que o tema da escassez física da água e o estresse hídrico compete à relação da água com a saúde humana. A poluição das fontes hídricas e a falta de acesso em segurança e quantidade suficientes têm vitimado milhares de pessoas no mundo todo. As taxas mais altas de doenças e mortalidade infantil por causa da falta da qualidade da água, de higiene e de serviços básicos a ela relacionados se registram nos países pobres, menos desenvolvidos e mais populosos. Nesse sentido, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que só no chamado ―‗Terceiro Mundo‘ morrem 25 milhões de pessoas a cada ano por causa de doenças relacionadas ao controle inadequado dos recursos hídricos127‖. Em Camdessus et al.,(2004) se confirma que ―um bilhão de pessoas adoecem pela água, oito milhões morem, 50% são crianças, e a zona mais afetada é a África Negra‖.

A diminuição da pobreza, de doenças graves e da mortalidade infantil, adunados à garantia da sustentabilidade ambiental, ao acesso a água potável e a meios para obtê-la figuram na Declaração do Milênio das Nações Unidas, assinada em Nova Iorque pelos chefes de Estado e de Governo de 191 países, em 2000, como parte de seus principais objetivos:

―Reduzir para metade até o ano 2015, a percentagem de habitantes do planeta com rendimentos inferiores a um dólar por dia e das pessoas que passam fome; de igual modo, reduzir para metade a percentagem de pessoas que não têm acesso a água potável ou carecem de meios para a obter.

127

102

―Pôr fim à exploração insustentável dos recursos hídricos, formulando estratégias de gestão nos planos regional, nacional e local, capazes de promover um acesso eqüitativo e um abastecimento adequado‖128.

Além disso, forma parte dos princípios e valores da declaração ―o respeito pela natureza, a gestão prudente de todas as espécies e dos recursos naturais e a alteração dos atuais padrões insustentáveis de produção e consumo, no interesse do nosso bem-estar futuro e no das futuras gerações‖. Apesar disso, a menos de três anos de se chegar a 2015, data limite para alcançar os objetivos de desenvolvimento do milênio, os resultados são desalentadores, considerando que a crise da água - falta de qualidade e acesso- tem-se convertido em um dos símbolos mais concretos da crescente desigualdade no mundo. Nesse sentido, o segundo relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância UNICEF129 e a OMS130 é bastante esclarecedor no sentido de demonstrar que ainda há muito por fazer para dar solução à falta de acesso à água limpa e para garantir os serviços básicos, especialmente nos países mais pobres e populosos. As estimativas do Programa de Monitoramento Conjunto da OMS/UNICEF indicam que 1,1 bilhão de pessoas ainda não têm acesso a fornecimentos adequados de água potável.

Globalmente, o relatório informa que 88% das mortes estão relacionadas com a diarréia131, sintoma que é apenas um inconveniente no mundo desenvolvido e, no entanto, é causa de mortalidade de milhões de pessoas nos países pobres, especialmente crianças. Por doenças relacionadas à diarréia e à malária morreram cerca de 3,1 milhões de pessoas em 2002, conforme o relatório da UNESCO, apresentado no Quarto Fórum da Água, no México, em 2006. Noventa por cento dessas mortes foram de crianças com menos de cinco anos de idade. Além disso, é de se considerar que conforme Barlow (2008:44), o número de crianças mortas ―devido à água suja supera o de mortes por guerra, malária, AIDS e acidentes de trânsito‖. Informa esta autora que ―o número de crianças mortas por diarréia ultrapassou o número de pessoas mortas em todos os conflitos armados desde a Segunda Guerra Mundial, sendo que a cada oito segundos uma criança morre por beber água suja‖.

Segundo a OMS, a água contaminada é uma das causas de oitenta por cento de todas as enfermidades e doenças em todo o mundo e informa que ―metade dos leitos de hospitais do

128 Disponível em http://www.pnud.org.br. Acesso em Outubro de 2009.

129 Disponível em http://ww.unicef.org/media/files/final_diarrhoea_report_october_2009_final.pdf 130

Intitulado Diarréia: Por que as crianças continuam morrendo e o que pode ser feito. Disponível em: http://www.unicef.org/brazil e lançado em outubro de 2009.

131 O Relatório da UNICEF – OMS, na categoria diarréia, incluiu doenças mais graves como cólera, tifóide e disenteria.

103 mundo está ocupado por pessoas com doenças propagadas pela água de fácil prevenção‖. Esse crítico panorama poderá ser caótico até 2025, quando dois terços da população mundial, segundo a UNESCO,poderá estar sofrendo os problemas ligados à escassez de água limpa, quadro que se agrava ante os efeitos das modificações climáticas132.

Por outra parte, com o crescimento populacional em aumento, é provável que se continue a acentuar o número de conglomerados humanos sem condições básicas de saneamento. Fato que tende a elevar as epidemias em massa de doenças transmissíveis pela água. De acordo com Seldorne (2001), segundo o Conselho de Suprimento de Água e Serviços Sanitários, ―cerca de 1,4 bilhão de pessoas (25% da população mundial) ainda não tem acesso ao fornecimento regular de água; e 2,9 bilhões (50-60% da população mundial) têm falta de serviços sanitários básicos‖133

.

Outro problema de ampla preocupação é que as metrópoles estão ficando sem fontes hídricas suficientes para suportar o crescimento populacional. Fato que se agrava pelo cada vez maior consumo de água, assim como pelos próprios valores consumistas da sociedade e seu desejo ilimitado de adquirir bens industrializados, dentre os quais os alimentos processados134.

Dados mais recentes, conforme a OMS, indicam que ainda 2,6 bilhões de pessoas (metade da população dos países em desenvolvimento) vivem em locais sem condições básicas de saneamento – o que equivale a dois quintos da população mundial. Nesse sentido, cabe mencionar que o relatório publicado pela UNICEF e a OMS, em 2009, afirma que em 2006 ―2,5 bilhões de pessoas não tinham acesso a instalações sanitárias adequadas e aproximadamente uma em cada quatro pessoas nos países em desenvolvimento defecou ao ar livre, e 1 bilhão de pessoas não tem acesso a água potável‖.

De acordo com Petrella (2004), na Índia 70% da população não tem um sistema apropriado de saneamento e entre 30 a 40% da população da cidade do México, Carachi, Manilha, Jacarta, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Casablanca, Delhi, Hanói, Cairo, Xangai e Seul no tem acesso à água potável. Essa problemática e sua ampliação são ratificadas pelos cientistas, como alerta Barlow (2009):

132 As mudanças climáticas podem piorar ainda mais a situação ao aumentar os períodos de seca, alterar os padrões de chuva e derreter parte das geleiras do planeta. "No (hemisfério) norte, a quantidade de chuva está aumentando, enquanto no sul os períodos de seca estão ficando mais longos", disse a OMS.

133

Serlborne Lord. A ética do Uso da Água Doce: um Levantamento. Brasília. CADERNOS DA UNESCO. Disponível em: http://www.canaldodivulgador.com.br/indexfrases/lordselborne.pdf

134 Estes dependem de preparos prévios pela agroindústria, além do seu formato e empacotamento, operações todas que demandam o uso de maior quantidade de água, gerando resíduos que, por sua vez, afetam a qualidade das fontes hídricas.

104

Os cientistas chamam de ―manchas quentes‖ as partes da Terra que estão ficando sem água potável. Incluem o norte da China, grandes áreas da Ásia e África, o Oriente Médio, a Austrália o centro-oeste dos Estados Unidos e algumas regiões da América do Sul e do México. Os piores efeitos sobre as pessoas são, evidentemente, as áreas do mundo com grandes populações e recursos insuficientes para oferecer saneamento básico.

Todo o exposto neste capítulo confirma as delicadas e complexas relações de interdependência que o tema hídrico apresenta, e que desenham um iminente estado de crise hídrica, que está exigindo, por um lado, mudanças nos critérios da elaboração das políticas dos Estados-nação e, pelo outro, o resgate de uma relação de cooperação internacional e de regras hidro-ambientais com caráter de lei internacional.

Considerando que a Amazônia constitui o tema específico de exploração deste trabalho, no item a seguir serão contextualizados alguns dos efeitos hidrológicos que mais preocupam a comunidade científica com respeito aos impactos que a deterioração ambiental e a ação antropogênica podem estar causando aos espaços amazônicos.