• Nenhum resultado encontrado

ÁREAS PROTEGIDAS E A BIODIVERSIDADE

OS 15 ANOS DE SNUC:

2.3 ÁREAS PROTEGIDAS E A BIODIVERSIDADE

A ideia de preservar e manter espaços reservados, originalmente, foi motivada pela necessidade de preservar locais considerados sagrados e de manter estoques de recursos naturais, como por exemplo as reservas reais de caça que datam do ano 700 a.C. (BENSUSAN, 2014).

A atividade exploratória sobre o meio ambiente ao longo dos séculos, impulsionou a alteração de ecossistema, forçando limites urbanos e de atividades econômicas (industriais, agropecuária, etc) para dentro de ecossistemas naturais, desestabilizando-os. Dessa forma, a partir do século XIX, a definição de espaços para preservar paisagens naturais surgiu como forma de resguardar pedaços naturais, dada a aceleração do impacto das atividades humanas sobre o meio ambiente (BENSUSAN, 2014).

Durante o século XIX muitas áreas protegidas foram criadas com o objetivo de manter paisagens consideradas belas para as futuras gerações. Devido às altas taxas de extinção de espécies durante o século XX, e a acelerada conversão dos espaços naturais em paisagens urbanas, proporcionando a perda de habitats, houve o aumento da criação de áreas protegidas como uma forma de tentar reduzir esses impactos sobre os ecossistemas naturais (BENSUSAN, 2014).

década de 1960, aliada a ideia de que a biodiversidade era somente uma lista de espécies, iniciou os debates de novos critérios para a definição de áreas protegidas (BENSUSAN, 2014; DIAMOND; 1975). Em 1975, Diamond sugeriu que as áreas protegidas se assemelhavam a ilhas isoladas e, portanto, poderia se aplicar os conceitos de MacArthur e Wilson como tentativa de reduzir a extinção de espécies. Segundo o autor, o número de espécies que uma área pode suportar depende do tamanho de sua área, sua geometria e seu isolamento: áreas maiores, circulares e localizadas próximas de outras áreas suportariam o maior número de espécies (DIAMOND; 1975) e, consequentemente, maior biodiversidade (ROSENZWEIG, 1995).

Apesar de críticas ao estudo de Diamond (1975), áreas protegidas foram delimitadas baseadas em seu princípio até o desenvolvimento de novos métodos (BENSUSAN, 2014). Esta teoria foi adotada para auxiliar nos esforços de conservação de espécies e delimitação de áreas preservadas ao longo dos anos. Porém, diferentes autores mostram que o uso do modelo para fins de conservação não incorpora fatos biológicos e relações ecológicas importantes (GRAVEL et al., 2011; MURPHY; WILCOX, 1986; SIMBERLOFF; ABELE, 1976; DIAMOND et al., 1976) e que essa relação não é empiricamente observada em todos os tipos de habitat (LIIRA; JÜRJENDAL; PAAL, 2014; NOLBY et al., 2015; OERTLI et al., 2002).

Devido à teoria de MacArthur e Wilson (1967), tradicionalmente, a diversidade taxonômica22 foi a mais usada para analisar a diversidade de uma área. Contudo, reconhece-se que as relações funcionais e filogenéticas são também um importante indicador de biodiversidade (HOOPER et al., 2005; KANDZIORA; BURKHARD; MÜLLER, 2013; STRECKER et al, 2011). Por isso, a diversidade funcional também pode ser considerada como um dos indicadores que melhor representam o funcionamento do ecossistema e de biodiversidade que as outras medidas (ANDRÉS et al., 2012; HOOPER et al., 2005).

Regiões com alta diversidade taxonômica podem ser incongruentes com regiões de alta diversidade funcional ou filogenética (ANDRÉS et al., 2012; STRECKER et al, 2011). Esses padrões de (não) congruência de distintos indicadores sugerem que a mesma espécie, que ocorre em diferentes locais em uma determinada região, pode responder a variações ambientais de maneiras distintas, por possuírem histórias evolutivas e biogeográficas diferentes (CUMMING; CHILD, 2009). Essa resposta diferenciada pode gerar uma

22Táxon é uma unidade dentro do sistema de classificação taxonômica, e pode representar qualquer nível de

classificação biológica, como reino, filo, classe, ordem, família, gênero ou espécie (PAPAVERO, 1994). Portanto, a “diversidade taxonômica” pode se referir à diversidade existente em qualquer nível taxonômico de interesse. O nível taxonômico mais utilizado é o de espécie.

correlação negativa entre diversidades taxonômica, funcional e filogenética (PRINZING et al., 2008).

Dessa forma, delimitar áreas baseadas somente em informações de riqueza pode limitar a composição de espécies a uma restrita variação de características funcionais, reduzindo, assim, o grau da diversidade funcional capaz de influenciar diferentes propriedades dos ecossistemas. Por isso, medidas de conservação que visem somente manter (ou ampliar) a riqueza de espécies pode, então, levar a uma divisão do espaço disponível que não são suficientes para manter a integridade dos processos ecológicos e evolutivos que originam e mantêm a biodiversidade (ANDRÉS et al., 2012; BENSUSAN; 2014; KANDZIORA; BURKHARD; MÜLLER, 2013; NAEEM; 1998).

Em 1993, Pressey e coautores alertaram que muitas reservas criadas sob o critério de Diamond (1975) ameaçavam a proteção e a sustentação da diversidade como um todo, ou seja, em proteger espécies, comunidades e ecossistemas (PRESSEY et al., 1993). Por isso, sugeriram três princípios para a escolha de áreas, baseadas na escala regional e representatividade: complementaridade, flexibilidade e raridade (PRESSEY et al., 1993; PRIMACK; RODRIGUES, 2001). O primeiro princípio visa verificar áreas na região que possam complementar características presentes em outras áreas protegidas na região. O princípio da flexibilidade objetiva buscar formas de combinar locais diferentes para formar uma rede de reservas. E o último princípio diz respeito a buscar locais importantes para a conservação dado a sua possível insubstituibilidade (BENSUSAN, 2014; PRESSEY et al., 1993; PRIMACK; RODRIGUES, 2001).

Em 2000, Margules e Pressey sugeriram uma abordagem sistemática para a delimitação de áreas protegidas, que integra os diferentes interesses com relação aos recursos naturais e ao uso do solo, ou seja, econômicos e ecológicos (MARGULES; PRESSEY, 2000). O planejamento para a conservação pode ser feito em seis passos: 1) escolha dos recursos naturais que se deseja conservar, pelo mapeamento da biodiversidade; 2) definição de metas específicas de conservação; 3) revisão da eficácia nas reservas já existentes; 4) seleção de novas áreas para a conservação; 5) implementação das ações de conservação; e 6) monitoramento e gestão adaptativa das reservas (BENSUSAN, 2014; MARGULES; PRESSEY, 2000).

O cumprimento de todos esses critérios, no entanto, é limitado. Questões práticas já esbarram no primeiro critério, o de mensuração e mapeamento da biodiversidade, pois o conhecimento da complexidade das relações entre espécies e a implicação para a manutenção da biodiversidade é ainda restrito (ANDRÉS et al., 2012; BENSUSAN, 2014; NAEEM, 1998;

YACHI; LOREAU, 1999). Por isso, se faz uso de indicadores na tentativa de mensurar, parcialmente, a biodiversidade para estimar a semelhança ou a diferença entre as áreas a serem analisadas numa região. Um dos métodos mais utilizados é a designação de um grupo de espécies, como plantas vasculares, vertebrados ou borboletas, como indicador da existência de significativa biodiversidade na área. No entanto, a sua efetividade para caracterizar mais de um nível de biodiversidade ou de mais um nível hierárquico é questionada (ANDRÉS et al., 2012; BENSUSAN, 2014).

O uso de outros níveis hierárquicos de organização como comunidades, tipos de habitats e ecossistemas podem possuir menor precisão da riqueza biológica, mas indicar processos ecológicos que contribuem para a manutenção do funcionamento do ecossistema (BENSUSAN, 2014). Ou as medidas de riqueza de espécies de uma determinada área podem ser complementadas por medidas de riqueza em um território mais amplo, dentro de um continuum ambiental, e assim auxiliar para o planejamento da alocação de áreas protegidas (ANDRÉS et al., 2012; BENSUSAN, 2012). Uma abordagem recente é a medida de fenótipos23 das espécies mais abundantes como indicadores dos processos ecológicos. Ou seja, verificar a ocorrência espacial de espécies mais abundantes e com características mais diversas podem representar indicadores para a manutenção de processos ecológicos e de funcionamento do ecossistema (BENSUNSAN, 2014).

A decisão, portanto, sobre a informação desejada e o método de acesso a essa informação depende tanto da disponibilidade de dados, do custo para adquirir essas informações e do objetivo a que se destina (ANDRÉS et al., 2012; BENSUSAN, 2014). Dessa forma, não existe uma escala espacial única para a escolha do tamanho de uma determinada área protegida, pois a conservação se dá em diferentes escalas disponíveis na natureza (BENSUSAN, 2014).

Apesar dessas limitações, a estratégia mundial mais utilizada, conhecida, e mais consolidada dentro da Convenção da Diversidade Biológica, atualmente, para conservação da biodiversidade in situ24 é o estabelecimento de áreas protegidas (BENSUSAN, 2014; IUCN,

2017). A primeira modalidade de área protegida mundialmente criada foi o Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos em 1872, com o objetivo de preservar a beleza cênica (BENSUSAN, 2014). No Brasil, as áreas protegidas foram legalmente instituídas sob a denominação de "Unidades de Conservação" (UCs) com a publicação do primeiro Código

23Fenótipos são as características morfológicas, fisiológicas e comportamentais determinadas geneticamente

expressas pelos organismos.

24Conservação in situ é a preservação de comunidades naturais e populações no ambiente natural, considerada a

Florestal (Decreto n° 23.793/1934) (BENSUSAN, 2014; BRASIL, 1934). Dentro da modalidade de florestas remanescentes de direito público se encontravam os parques nacionais, estaduais e municipais, primeira categoria de UC regulamentada oficialmente no Brasil (BRASIL, 1934).

A primeira UC federal criada no Brasil foi o Parque Nacional do Itatiaia, RJ, em 1937 (BENSUSAN, 2014; PECCATIELLO, 2011). O critério para a delimitação das primeiras UCs brasileiras foi o mesmo utilizado para as primeiras reservas mundiais, ou seja, baseado na beleza da paisagem. A partir da década de 1960, com a publicação do Código Florestal (Lei n° 4.771/1965), novos critérios (técnicos) foram adotados, o que impulsionou a criação de novas modalidades de UCs (BENSUSAN, 2014). A instituição desses espaços ao longo do território tornou-se crescente e contínua principalmente a partir de 1967 com a criação do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal25 (IBDF) que passou a gerir as áreas protegidas brasileiras. Em 1973 a gestão e a criação das UCs também ficou a cargo da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA) (BENSUSAN, 2014). Com a criação do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) em 1989, a gestão das UCs concentrou-se em somente um órgão ambiental (BENSUSAN, 2014; BRASIL, 1989b). Em 2007, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) passou a ser o atual órgão gestor das UCs brasileiras (BENSUSAN, 2014; BRASIL, 2007).