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OS 15 ANOS DE SNUC:

2.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise à luz da economia ambiental e da ecologia dos 15 anos de gestão do SNUC, respondendo a questão 1 sobre o alinhamento entre os objetivos do SNUC e os instrumentos de política propostos, percebe-se que esta Lei possui falha de desenho e de implementação de política, em que há o desalinho entre os objetivos de política propostos e os instrumentos econômicos e financeiros utilizados. Além disso, os instrumentos econômicos previstos na Lei falham em sua eficácia. A falta de incentivos adequados para o cumprimento das normas legais, especialmente as relacionadas a conservação do meio ambiente, compromete a ações voltadas para a redução da degradação ambiental e da proteção da biodiversidade.

Portanto, com relação ao cumprimento dos objetivos do SNUC nos 15 anos de gestão (questão 2), esta Lei está aquém do alcance de seus objetivos. Mesmo após 15 anos de SNUC, ainda é possível observar falhas jurídicas, indefinições legais e ausência de regulamentação, que entravam a aplicação dos instrumentos econômicos e de política no alcance dos objetivos. Até 15 anos depois da publicação do SNUC, não foi possível determinar a natureza jurídica da compensação ambiental, por exemplo, para o uso dos proventos desse instrumento de maneira eficaz na gestão das UCs e na conservação da biodiversidade. A falta de confiabilidade nas leis civis e nas “regras do jogo”, também atrapalham o incentivo de financiamento privado, nacionais e internacionais, para a proteção da biodiversidade.

Quanto à questão 3, não foi possível observar uma gestão eficaz do SNUC. Além da alocação dos recursos disponíveis ser desviada de finalidade, existem poucos incentivos para o investimento privado (seja por ONG ou por empresa). Além disso, poucos são os dados disponíveis que permitem verificar a relação entre os recursos investidos anualmente em UCs, os custos com sua manutenção e o alcance dos objetivos dispostos nos planos de manejo. Adicionalmente, poucas são as UCs que possuem plano de manejo e o mantém atualizado.

Com relação à questão 4 sobre a conservação da biodiversidade, não há a contemplação de todos os biomas de maneira proporcional em termos de distribuição no território. Ou seja, não há ampla abrangência da biodiversidade contemplada no modelo do SNUC. Um dos exemplos é a distribuição de UCs nos pampas brasileiros. Além da existência de poucas áreas protegidas representativas no bioma, uma das UCs mais representativas, por fazer parte de uma convenção internacional (sítios Ramsar), possui problemas institucionais relacionados à gestão da área e sua relação com o objetivo de conservação, que é o caso do

PARNA Lagoa do Peixe.

Quanto à questão 5, sobre as modificações que poderiam ser feitas para ampliar a eficácia do SNUC, a descentralização da gestão das UCs e a flexibilização do instrumento que permita a participação e o envolvimento das comunidades que possuem atores locais ativos na conservação do meio ambiente, tanto nas ações de conservação quanto no seu monitoramento é uma opção para integrar a gestão das UCs e ampliar sua eficácia. Apesar dos custos iniciais para que isto ocorra, os custos de manutenção a longo prazo são reduzidos, o que possibilitaria a desoneração da gestão pública.

A reestruturação dos objetivos e dos instrumentos de política, após um estudo que permita identificar a correlação dos instrumentos aos objetivos de conservação, pode ser uma forma de minimizar, a longo prazo, os custos administrativos de monitoramento e manutenção de UCs. Além de permitir flexibilidade no uso de novos instrumentos dado modificações técnicas ao longo do tempo.

O mapeamento do bens e serviços do ecossistema ofertados pelas UCs em cada bioma e a influência que os processos ecológicos e ecossistêmicos têm sobre a provisão desses, também é uma forma de determinar o tamanho apropriado da UC assim como o cálculo do valor econômico total necessário para a sua manutenção, dado a provisão dos bens e serviços. Dessa forma, a alocação de recursos financeiros para a gestão de UCs pode ser feita de maneira custo-efetiva, além de possibilitar o percentual participativo de financiamento privado.

A gestão de áreas protegidas deve ser olhada de diferentes escalas e ter instrumentos flexíveis que se adequem às realidades do bioma local. O SNUC faz parte de um complexo de políticas ambientais, algumas delas analisadas nos próximos capítulos, que quando interligadas, permitem a gestão ambiental do território brasileiro de maneira integrada. No entanto, a centralização do poder público, a subestimativa do conhecimento científico e popular e a falta de integração entre os conhecimentos econômicos e ecológicos, em que há uma tendência a generalizações e replicações, geram falhas que enfraquecem o instrumento.

CAPÍTULO 3

SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS OU SERVIÇOS AMBIENTAIS? O QUÊ AFINAL ESTAMOS DEMANDANDO OU OFERTANDO?

3.1 INTRODUÇÃO

Serviços ecossistêmicos podem ser interpretados como uma conexão prática entre natureza e ser humano. É a conexão entre o quê a natureza pode prover para todos os seres humanos e o bem-estar humano obtido como consequência do usufruto desses serviços. Portanto, a discussão sobre conexões entre Ecologia e Economia, foco central desta tese, é permeada pelo conceito de serviços ecossistêmicos (Figura 3.1).

Figura 3.1 - PossívelRelação entre Ecologia e Economia.

Fonte: Elaborada pela autora.

Em 1997, Gretchen Daily definiu serviços ecossistêmicos:

são as condições e processos pelos quais os ecossistemas naturais e as espécies, as quais a eles pertencem, sustentam e preenchem a vida humana. Eles mantêm a biodiversidade e a produção dos bens ecossistêmicos, tais como frutos do mar, madeira, forragem, fibras naturais, combustíveis da biomassa e muitos produtos farmacêuticos industriais e seus precursores. (DAILY, 1997, cap. 1, p. 3)37.

37Tradução de: "Ecosystem services are the conditions and processes through which natural ecosystems, and the species that make them up, sustain and fulfill human life. They maintain biodiversity and the production of ecosystem goods, such as seafood, forage, timber, biomass fuels, natural fiber, and many pharmaceuticals, industrial products, and their precursors." (DAILY, 1997, p. 3).

A partir dessa definição, o termo "serviços ecossistêmicos" se tornou cada vez mais disseminado dentro da ciência (especialmente nas áreas econômica e ecológica) e dentre stakeholders e formuladores de políticas. Sua aplicação foi, em efeito, difundida em diversos setores da sociedade (acadêmico, governamental e terceiro setor). Não obstante, o conceito ainda está em formação quanto a definições, tipologias e ao real entendimento da sua complexidade (BLICHARSKA et al., 2017; KANDZIORA; BURKHARD; MÜLLER, 2013).

No Brasil e em outros países da América Latina, como na Costa Rica (MÉRAL; PESCHE, 2016), existe a disseminação de outro termo relacionado, o de "serviços ambientais". Tanto "serviços ambientais" como "serviços ecossistêmicos" têm sido usados em programas de gestão ambiental e de conservação da biodiversidade como sinônimos (TITO; ORTIZ, 2013; MÉRAL; PESCHE, 2016). Como não existia (e ainda não existe) uma regulamentação formal federal para o uso da ferramenta Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), a utilização desse instrumento ocorreu de maneira pontual pelo território brasileiro, com ações em municípios e estados.

O primeiro PSA brasileiro, formalmente reconhecido como tal, teve início em 2006, nos municípios de Montes Claros e Extrema, em Minas Gerais (PAGIOLA; VON GLEHN; TAFFARELLO, 2012). A nova abordagem foi utilizada como forma de experimentar um

novo instrumento para a gestão ambiental e conservação da natureza, dado que os

instrumentos até então utilizados eram de pouca eficácia. A partir de 2006, houve a difusão de programas de mesma natureza em outras regiões brasileiras, como no Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul (FUNDAÇÃO GRUPO BOTICÁRIO, 2016; PAGIOLA; VON GLEHN; TAFFARELLO, 2012).

Devido à crescente ocorrência de PSAs locais, a aprovação de leis municipais e estaduais, assim como à pressão da sociedade civil para que o uso do instrumento fosse regulamentado em nível nacional, em 2007 o Projeto de Lei (PL) n° 792 foi submetido no Congresso Federal para a regulamentação do instrumento "Pagamentos por Serviços Ambientais" no Brasil (BRASIL, 2007a). Após mais de nove anos de tramitação no Congresso, esse PL ainda não foi aprovado. Em seu texto, é visível a confusão entre os conceitos de serviços ambientais e de serviços ecossistêmicos, além do desvirtuamento de um instrumento de mercado com a proposição da criação de um fundo de financiamento para embasar o seu uso.

Dado o exposto, em consequência da indefinição dos termos na literatura e no texto legal, da ambiguidade no uso dos termos e pelo fato de ser um conceito usado tanto pela

Ecologia como pela Economia, este capítulo visa a: 1) fornecer o histórico do termo "serviços ecossistêmicos", a sua origem até se tornar o que se conhece hoje como serviços ecossistêmicos; 2) apresentar uma definição para serviços ambientais e ecossistêmicos, baseada na literatura disponível até 2016; 3) apresentar os principais PSAs no Brasil e analisá- los à luz da economia38 e à luz da ecologia; e 4) analisar o PL n° 792 de 2007 e seus desdobramentos nos últimos nove anos39.