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INSTRUMENTOS FINANCEIROS E ECONÔMICOS DO SNUC

OS 15 ANOS DE SNUC:

2.5 INSTRUMENTOS FINANCEIROS E ECONÔMICOS DO SNUC

A principal fonte de financiamento de UCs são os recursos públicos. Esses ainda são insuficientes e mal distribuídos entre as unidades. O ICMBio faz, atualmente, a gestão de 326 UCs (retirando as RPPN - Tabela 2.2), que em termos de área representam 709 mil km2, ou 8% da área continental brasileira (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2017b). Em 2014, o Instituto executou apenas 0,028% do total do orçamento direto do governo federal para a gestão de parcela similar de UCs do território nacional (GELUDA et al., 2015)

A Lei do SNUC consagrou a compensação ambiental como instrumento de financiamento de UCs, principalmente as de proteção integral. Muitos recursos provenientes

33As zonas de amortecimento são áreas ao redor das UCs, que também estão sobre o regime de regulamentação

do SNUC, na qual as atividades humanas estão sujeitas a regras e restrições de uso específicas, que visem reduzir os impactos negativos sobre a unidade (GELUDA et al, 2015).

34Os dados deste tópico são baseados no estudo de Geluda e coautores (2015), pois foi o estudo mais

deste instrumento não são utilizados para a gestão de UCs. Dados de Geluda e coautores (2015) mostram que em 2014, perto de R$ 1 bilhão foi arrecadado com a compensação ambiental, que teria a seguinte destinação: 82,7% para as UCs federais, 16,8% para as UCs estaduais, e os municípios ficariam com o restante. Regionalmente, o Sudeste deteve a maior porcentagem de destino, contando com 35% do montante total arrecadado. Apesar desse alto valor recebido, há falta de dados recentes sobre a efetiva aplicação desse.

O valor da compensação ambiental é calculado multiplicando o grau de impactos ambientais, cujo valor máximo é de 0,5%, pelos custos totais de implementação do empreendimento. Este percentual foi fixado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pela Confederação Nacional de Indústrias (CNI), que acreditava ser inconstitucional o valor mínimo de 0,5%, que anteriormente era cobrado, com a justificativa de caracterizar um tributo, instrumento no qual só poderia ser instituído por Lei Complementar (DOMINGUES, 2009; BRASIL, 2008). O STF, no entanto, reconheceu que a compensação não é um tributo, e que deveria continuar existindo, porém afirmou que a cobrança deveria incidir sobre o impacto ambiental não mitigável causado, e não sobre o valor total do custo do empreendimento. Segundo o STF, a metodologia para o cálculo da compensação necessitaria ser revisada, em que a medida de referência seria o valor do impacto ambiental causado sobre o meio ambiente pelo empreendimento sujeito ao licenciamento (DOMINGUES, 2009; GELUDA et al., 2015; BRASIL, 2008).

Os recursos provenientes da compensação ambiental podem ser geridos de três maneiras: 1) pela internalização dos recursos no orçamento público; 2) pela gestão direta pelo empreendedor; e 3) pela contratação de terceiros para a execução, via empreendedor (BRASIl, 2000). Todos as três possibilidades têm seus prós e contras, porém a última modalidade, que vem sendo aplicada à gestão de UCs no estado do Rio de Janeiro, tem trazido melhores resultados dentre as três possibilidades (GELUDA et al., 2015).

No primeiro caso, em que a gestão é via execução pública dos recursos da compensação, os aspectos negativos preponderam sobre os positivos. São eles: burocracia no processo de execução dos recursos compensatórios (que devem entrar nas regras da Lei das licitações públicas); ausência de previsibilidade legal para a execução pública de um recurso vindo de uma obrigação privada de fazer; maior pressão exercida sobre a máquina pública, já sobrecarregada; desvio de finalidade dos recursos da compensação injetados no orçamento público e uso para outro fim que não a gestão ambiental e a conservação da biodiversidade; efeito perverso no orçamento público pela internalização dos recursos nos cofres públicos,

pois a existência de recursos da compensação ambiental podem justificar que o planejamento aloque menos recurso para a gestão ambiental, deixando agendas ambientais que não são cobertas pela compensação à mercê; e falta de transparência no processo de alocação de recursos para a sociedade (GELUDA et al., 2015).

Os pontos positivos dessa forma de gestão, segundo Geluda e coautores (2015), são: concentração de recursos em apenas um executor, que pode gerar retornos de escala e um planejamento na execução dos recursos a longo prazo, caso exista a garantia de disponibilidade desses no longo prazo sem serem contingenciados ou desviados de sua finalidade; a concentração de recursos desonera o poder público de acompanhar e fiscalizar os diversos parceiros, como ocorre na execução pelos empreendedores; permite a cooperação entre diversas fontes, uma vez que o governo faz a gestão e execução de diversos recursos; e permite maior controle e gestão por parte do governo, facilitando fluxos decisórios. Para o empreendedor, há o benefício da desoneração da execução e da quitação da dívida no momento do pagamento integral de recursos.

Sobre as duas outras maneiras, pela gestão direta do empreendedor ou pelo contrato de terceiros, o empreendedor só pode começar as atividades de execução após ter o plano de trabalho aprovado pela Câmara de Compensação Ambiental (CCA). Uma vez aprovado, o empreendedor pode contratar terceiros para execução das atividades ou mesmo realizá-las. A quitação da compensação só é feita quando o empreendedor entregar a execução, ou quando comprovar a execução da atividade ao órgão gestor (GELUDA et al., 2015).

Quando o empreendedor decide executar as atividades, que não são costumeiras para ele, a qualidade do trabalho tende a ficar em segundo plano. Isto ocorre porque o interesse principal é agilidade no processo de execução e entrega, para a quitação compensatória e assim poder dar continuidade ao processo de licenciamento.Para o governo, essa opção tem um alto custo de transação, já que antes de autorizar o processo de execução aprovado, este é envolvido em uma série de decisões, e o empreendedor não pode fazer nada até que a execução das atividades seja autorizada pela CCA. Além disso, essa modalidade minimiza a possibilidade de uma estratégia a longo prazo. Porém, a prestação de contas para a sociedade pelo governo permanece falha.

Quando se tem a opção da contratação por terceiros, a qualidade do serviço prestado pode ser melhor, visto que há a possibilidade de contratação de uma empresa específica, que desonera a obrigação do empreendedor, o que diminui os riscos com a execução, mas aumenta os custos do ente privado. Nesta modalidade, tem-se as seguintes vantagens: há a desoneração da máquina pública na execução das atividades dos recursos compensatórios; há

menos chance de desvio de finalidade do recurso; não incorre nos problemas jurídicos vinculados à definição da natureza privada da compensação, já que o empreendedor seria o responsável por executar a ação.

Apesar de todas a modalidades terem seus aspectos positivos e negativos, é importante destacar que nenhuma delas tem se mostrado 100% efetiva. A última modalidade, de contratação de terceiros para a realização das atividades de execução compensatória, tem se mostrado satisfatória para o Rio de Janeiro, único estado em que este modelo está em curso. Segundo Geluda e coautores (2015), desde março de 2010 até dezembro de 2014, o montante de recursos arrecadados para a compensação foi de, aproximadamente, R$ 250 milhões, em que R$ 216 milhões foram depositados até 31 de dezembro de 2014. Desses, R$ 140 milhões foram destinados a projetos, 61% deste montante já tinham sido usados para a execução das atividades até o final de 2014, via Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO), órgão privado contratado para gerir os recursos e a execução. No total, 48 UCs foram beneficiadas no estado: três federais, 28 estaduais e 17 municipais. Quanto ao uso, foram 35 de PI e 13 de US (GELUDA et al., 2015).

A sustentabilidade financeira é um dos desafios do SNUC e é necessária para manter o provimento dos bens e serviços ambientais a longo prazo, além de manter a conservação da biodiversidade. Geluda e coautores (2015) identificaram algumas fontes alternativas de financiamento de UCs. No entanto, essas esbarram em alguns obstáculos, consequência da falta de vontade política e orçamentária para a questão ambiental. A falta de empreendedorismo e de marketing do poder público; a sobrecarga de trabalho dos poucos gestores das UCs; a inexistência de infraestruturas adequadas para geração própria de recursos nas unidades; a falta de regulamentação das normas existentes; a ausência de comunicação entre os setores do governo e da sociedade; o excesso de precaução dos gestores públicos (consequência da complexidade das normas dos órgãos de controle); a pouca procura por mecanismos de gerenciamento privados de recursos; o excesso de burocracia dos procedimentos; e descontinuidade política, são empecilhos que barram a aplicação de recursos privados para a gestão das UCs.

Além disso, a falta de regulamentação do instrumento de pagamentos por serviços ambientais, dispostos nos artigos 33, 47 e 48, inviabiliza o funcionamento desta ferramenta e o uso dos recursos que seriam provenientes desta (BRASIL, 2000; BRASIL, 2002b). Por exemplo, os artigos 47 e 48, que preveem pagamentos às unidades pelos serviços de proteção hídrica (BRASIL, 2000), têm um amplo potencial de arrecadação em prol das UCs, visto que 80% da energia hidrelétrica do país são gerados por águas protegidas pelas unidades; 9% da

água para consumo humano são diretamente captados dentro das unidades e 26% a jusante de UCs (MEDEIROS; YOUNG, 2011).

Além da compensação ambiental e dos pagamentos por serviços ambientais, recursos podem ser provenientes de doações nacionais e internacionais, e de fontes privadas para a regulamentação fundiária dentro das unidades. Porém, no primeiro caso, as empresas brasileiras têm pouca tradição ou incentivo em financiar as UCs. Já as unidades com recursos internacionais, a baixa capacidade governamental em gerir esses recursos limita a eficácia e a possibilidade de novos acordos. Apesar de a gestão poder ser privada, como é o caso dos programas ARPA (na Amazônia) e GEF Cerrado, do Fundo de Conservação da Mata Atlântica (com recursos do KfW) e do projeto Áreas Marinhas Protegidas (GEF Mar), em que o FUNBIO é gestor financeiro de todos, pouco dessa possibilidade é explorada (GELUDA et al. 2015). No segundo caso, existem duas ferramentas de adesão voluntária do financiamento do passivo fundiário: a compensação por reserva legal (Cota de Reserva Ambiental - CRA) e a conversão de multas, ambos regulamentadas na Lei de Proteção de Vegetação Nativa (LPVN) (Lei n° 12.651/2012, BRASIL, 2012a) (GELUDA et al. 2015).

Apesar de todas essas opções, o aporte financeiro realmente aplicado em termos de manutenção, implementação e gestão das UCs ainda é incipiente. Este quadro é preocupante a longo prazo, pois existe uma tendência de que os custos de conservação cresçam motivados por uma série de fatores. A inflação, o aumento das pressões antrópicas (tanto consequência do aumento populacional como de consumo e da expansão agrícola), as mudanças climáticas, o aumento da pressão sobre os recursos naturais no interior das UCs (devido a escassez de recursos naturais fora delas), e o aumento do valor da terra (também devido a escassez de áreas produtivas) são fatores que levam ao provável aumento de custos que não deverá ser acompanhado pelo aumento no financiamento, pois não há expectativas futuras de mudança no cenário de financiamento das UCs, que é essencialmente público.