• Nenhum resultado encontrado

OS 15 ANOS DE SNUC:

3.2 HISTÓRICO

Apesar do termo "serviços ecossistêmicos" ser relativamente novo, a noção expressa por ele não o é. Esta noção remete-se à época de Platão, no qual tinha o conhecimento de que o desflorestamento da terra levava à erosão do solo e a secas (DAILY, 1997; GÓMEZ- BAGGETHUN et al., 2010; MOONEY; EHRLICH, 1997). Porém, publicações modernas sobre o tema começaram a surgir no século XIX, com a publicação de Marsh (1864). O Quadro 3.1 apresenta a linha temporal das publicações com os assuntos e termos que levaram a origem do uso do termo de "serviços ecossistêmicos".

Autores consideram a publicação de "Man and nature" (Homem e a natureza - tradução livre), de George Perkins Marsh (1864) como a o marco moderno para a temática "serviços ecossistêmicos" (DAILY, 1997; FISHER; TURNER; MORLING, 2009; GÓMEZ- BAGGETHUN et al., 2010; MOONEY; EHRLICH, 1997) (Quadro 3.1). O livro foi a primeira publicação a chamar a atenção para a finitude dos recursos naturais, a importância dos solos, florestas e rios para o homem, o efeito da degradação de florestas sobre o clima, o serviço de eliminação de resíduos feito pela própria natureza e de controle de pestes (MARSH, 1864; MOONEY; EHRLICH, 1997).

Em 1899, a publicação de Henry Chandler Cowles foi considerada o marco da ecologia de ecossistemas. Porém, o termo "ecossistema" só foi utilizado pela primeira vez em 1935 por Arthur George Tansley (Quadro 3.1 e GOLLEY, 1993). Vogt (1948) foi considerado como pioneiro no uso do termo "capital natural" em sua publicação Road to Survival" (Estrada para a Sobrevivência - tradução livre) (MOONEY; EHRLICH, 1997), apesar de que economistas ecológicos atribuem esse marco a Schumacher (1973) (GÓMEZ- BAGGETHUN et al., 2010).

O primeiro termo que surgiu na literatura científica com "serviços" foi "serviços

38Baseada na definição de PSA fornecida por Wunder (2005), que será apresentada nas próximas sessões. 39Assim, este capítulo relaciona-se ao segundo pela brecha existente na Lei do SNUC da falta de

ambientais". Esse foi utilizado pela primeira vez no relatório do Study of Critical Environmental Problems (SCEP) feito no Instituto de Tecnologia de Massachusetts40 (MIT), em 1970 (Quadro 3.1) (MOONEY; EHRLICH, 1997; STUDY OF CRITICAL ENVIRONMENTAL PROBLEMS, 1970). Nele, "serviços ambientais" poderiam ter a oferta reduzida pelo declínio das funções ecossistêmicas: controle de pestes, polinização por insetos, estoque de pesca, regulação climática, retenção e formação do solo, controle de enchentes, ciclagem de matéria e composição da atmosfera (MOONEY; EHRLICH, 1997; STUDY OF CRITICAL ENVIRONMENTAL PROBLEMS, 1970).

40Esse estudo foi feito por uma equipe interdisciplinar com o objetivo de examinar os efeitos ecológicos e

climáticos globais causados pelas atividades humanas. Os profissionais participantes incluíam meteorologistas, oceanógrafos, ecólogos, químicos, físicos, biólogos, geólogos, engenheiros, economistas, cientistas sociais e do direito (STUDY OF CRITICAL ENVIRONMENTAL PROBLEMS, 1970).

Quadro 3.1 - Histórico do desenvolvimento do conceito de "serviços ecossistêmicos" até a publicação do termo pela primeira vez na literatura.

Ano Autor Publicação Contexto

1864 George Perkins Marsh Man and nature Autor explorou em seu livro a finitude dos recursos naturais, a importância dos solos, florestas e rios para o homem, o efeito da degradação de florestas sobre o clima, o serviço de eliminação de resíduos feito pela própria natureza e de controle de pestes. Considerado pioneiro e visionário a abordar tais assuntos para a época.

1887 Stephen Forbes The Lake as a Microcosm* Forneceu as primeiras bases para o entendimento ecológico do ecossistema, caracterizando uma comunidade biológica dentro de seu contexto físico.

1899 Henry Chandler Cowles

The Ecological relations of the vegetation on the sand dunes of Lake Michigan*

Trabalho visto como o primeiro marco da ecologia dos ecossistemas. Cowles mostrou em seu trabalho que a comunidade de plantas e seu ambiente físico estavam diretamente interligados.

1935 Arthur George Tansley

The use and abuse of vegetational concepts and terms*

O termo "ecossistema" foi usado pela primeira vez em seu artigo, cunhado com contribuição do conjunto da obra de Cowles.

1942 Raymond Lindemans The trophic-dynamic aspect of ecology* Marco do início da era moderna da ecologia dos ecossistemas, mostrou que a comunidade biológica não pode ser claramente diferenciada do meio abiótico e que o ecossistema é a unidade ecológica mais fundamental.

1948 Fairfield Osborn Our Plundered Planet Destacou a importância dos elementos "água solo, vida vegetal (de bactérias a florestas) e vida animal (de protozoários a mamíferos)" (OSBORN, 1948, p. 48 - 49) para sustentar toda a civilização e sua atividade na Terra.

1948 William Vogt Road to Survival Pioneiro no uso do termo "Capital natural". Segundo o autor, o uso de todo o nosso capital natural, como o solo, fará com que nunca possamos pagar esse débito com a natureza.

1949 Aldo Leopold A Sand County Almanac Descreveu sobre o controle de herbívoros por seus predadores naturais e reconhece que a completa substituição de serviços ecossistêmicos por ações humanas é impossível

1953 Eugene Odum Fundamentals of Ecology Forneceu os primeiros estudos ecossistêmicos baseados em uma abordagem de fluxo de energia.

1955 Paul Sears The Processes of Environmental Change by Man

Reconheceu a importância do serviço de reciclagem (ciclagem de nutrientes) provido por microorganismos e invertebrados.

1963 Rachel Carson Silent Spring Publicação foi o marco inicial para o movimento ambiental se iniciar. A autora trouxe a preocupação com a preservação do funcionamento dos ecossistemas devido às consequências das atividades humanas, de longo e de curto prazo, sobre eles.

1962 - 79

Frederick Bormann e Gene Likens

Patterns and Process in a Forested Ecosystem

Estudos com bacia hidrográfica, iniciados em 1962, demonstraram o papel crucial dos ecossistemas em modular os nutrientes, sedimentos e a capacidade hídrica das paisagens. Quantificaram, no final dos anos 1960 e início dos 1970, durante o "International Biological Program" (IBP) a capacidade produtiva da Terra, estabelecendo o ecossistema como uma importante unidade de estudo na Ecologia

Ano Autor Publicação Contexto

1970 Study of Critical Environmental Problems (SCEP)

Man's Impact On The Global Environment

Esse relatório foi a primeira referência a descrever o funcionamento dos ecossistemas em termos de entregar "serviços" a humanidade. No relatório, os autores afirmam que os "serviços ambientais" (tradução de "environmental services") poderiam reduzir se o funcionamento dos ecossistemas entrasse em declínio.

1974 John Holdren e Paul Ehrlich

Human Population and The Global Environment*

Os serviços ambientais listados no relatório do SCEP, 1970, foram ampliados sob o assunto de "funções dos serviços públicos do ambiente global" pelos autores, que incluíram na lista de serviços: a manutenção da fertilidade do solo e manutenção da biblioteca genética.

1977 Paul Ehrlich; Anne Ehrlich e John Holdren

Ecoscience: Population, Resources, Environment

Os serviços foram referidos como "serviços públicos do ecossistema global"

1977 Walter Westman How much are Nature's Services Worth?*

Sugeriu que o valor social dos benefícios que os ecossistemas provém pode ser potencialmente enumerados e, assim, a sociedade poderia tomar decisões políticas e de gestão mais informadas. Ele chamou esses benefícios sociais de "serviços da natureza".

1981 Paul Ehrlich e Anne Ehrlich

Extinction: The causes and the consequences of the Disappearance of Species

Elaboraram o termo "serviços ecossistêmicos" e trouxeram questões a respeito da relação entre os serviços, a biodiversidade e a substitutibilidade dos serviços pela melhora tecnológica.

* Os títulos marcados são artigos científicos disponíveis na lista bibliográfica. Os outros títulos não marcados são livros, também constantesnas referências. Fonte: Elaborado pela autora com base nas referências contidas no quadro e em Golley (1993), Gómez-Baggethun e coautores (2010) e Mooney e Ehrlich (1997).

O termo "serviços ambientais" foi construído, portanto, para destacar o valor social das funções ecossistêmicas. Na ecologia, entretanto, o termo função ecossistêmica

(sinônimo de funcionamento dos ecossistemas) foi (e ainda é) tradicionalmente usado para referir a uma série de processos ecossistêmicos operando dentro de um sistema ecológico, independente se esses processos são úteis ou não para os seres humanos (ARMSWORTH et al., 2007; DAILY, 1997; GÓMEZ-BAGGETHUN et al., 2010; KANDZIORA; BURKHARD; MÜLLER, 2013).

Dessa forma, de 1970 a 1980 as publicações a respeito do tema aumentaram. Os autores começaram a enquadrar as questões ecológicas em termos econômicos, a fim de enfatizar a dependência social dos ecossistemas naturais e de despertar o interesse público pela conservação da biodiversidade (GÓMEZ-BAGGETHUN et al., 2010; KAREIVA et al., 2011; MÉRAL; PESCHE, 2016). Por isso, o termo "serviços ambientais" passou por mudanças ("serviços públicos do ambiente global", "serviços públicos do ecossistema global", "serviços da natureza" - Quadro 3.1) até Paul Ehrlich e Anne Ehrlich cunharem o termo "serviços ecossistêmicos" (Quadro 3.1) (FISHER; TURNER; MORLING, 2009; GÓMEZ- BAGGETHUN et al., 2010; MOONEY; EHRLICH, 1997).

O raciocínio associado ao uso do termo "serviço ecossistêmico" foi principalmente pedagógico, pois tinha como objetivo demonstrar como o desaparecimento da biodiversidade afetaria diretamente no funcionamento do ecossistema que sustenta a oferta de serviços críticos para o bem-estar humano (ARMSWORTH, 2007; GÓMEZ-BAGGETHUN et al., 2010; KAREIVA et al., 2011; MÉRAL; PESCHE, 2016; PETERSON et al., 2010). Com o desenvolvimento do termo "serviço ecossistêmico", Ehrlich e Ehrlich (1981) trouxeram duas questões básicas sobre a dinâmica do ecossistêmica e sua relação com o bem-estar humano: 1) como a perda da biodiversidade afetará os serviços ecossistêmicos; e 2) se é possível encontrar e implantar substitutos tecnológicos para os serviços (MOONEY; EHRLICH, 1997).

Essas questões fomentaram o desenvolvimento de pesquisas tanto na área ecológica como na área econômica com diferentes enfoques. Ecólogos focaram no desenvolvimento de pesquisas sobre as consequências da extinção de espécies para a provisão de serviços ecossistêmicos e para o funcionamento e estabilidade dos ecossistemas (MOONEY; EHRLICH, 1997). Já os economistas, iniciaram o desenvolvimento de métodos para quantificar a provisão desses serviços, junto com os ecólogos, e seus benefícios, em termos

monetários, para a sociedade (GÓMEZ-BAGGETHUN et al., 2010; MOONEY; EHRLICH, 1997).

Portanto, o conceito de serviços ecossistêmicos veio da Ecologia (EHRLICH;

EHRLICH, 1981), enquanto serviços ambientais, cunhado anteriormente, foi proveniente

de uma equipe interdisciplinar, cujo enfoque foi o de ressaltar os efeitos que as atividades humanas causaram sobre o meio ambiente (STUDY OF CRITICAL

ENVIRONMENTAL PROBLEMS, 1970). Porém, após a publicação de Ehrlich e Ehrlich (1981), os economistas apropriaram o conceito de “serviços ecossistêmicos” para justificar os benefícios que os seres humanos retiram da natureza (sem ou com interferência humana).

Em publicação recente, Méral e Pesche (2016) enfatizam que ambos termos são utilizados ambiguamente na literatura (fato corroborado em publicações brasileiras - GUEDES; SEEHUSEN, 2011; TITO; ORTIZ, 2013 - e internacionais - WUNDER, 2005; WUNDER; ENGEL; PAGIOLA, 2008). A ambiguidade, porém, reside na utilização do termo ambiental versus ecossistêmico e nas diversas definições de serviços ecossistêmicos presentes na literatura (MÉRAL; PESCHE, 2016).

O adjetivo "ecossistema" evoca o funcionamento dos ecossistemas, enquanto “ambiental” refere-se a questões relacionadas com atividades humanas, como a exploração dos recursos naturais, e suas consequências, como a poluição (MÉRAL; PESCHE, 2016; STUDY OF CRITICAL ENVIRONMENTAL PROBLEMS, 1970). Assim, o conceito "serviço ecossistêmico" é usado com o objetivo de enfatizar a dependência dos humanos aos ecossistemas para fins educacionais e de construção de políticas (MÉRAL; PESCHE, 2016; PETERSON et al., 2010). Já o termo "serviços ambientais" está associado a um argumento econômico, que objetiva resolver os problemas ambientais seja pelo uso de mercado ou por um contrato de direitos de propriedade (MÉRAL; PESCHE, 2016).