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Nas áreas de Reforma Agrária: do acampamento ao assentamento do MST Chico Mendes em Pernambuco

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3.1.3. Nas áreas de Reforma Agrária: do acampamento ao assentamento do MST Chico Mendes em Pernambuco

O processo de ocupação de terras improdutivas do Movimento de luta pela terra e pela Reforma Agrária na Zona da Cana se torna visível quando adentramos nos meandros do canavial. Em cada trabalho de campo novos grupos acampados, novas bandeiras são descobertas. Elas nos mostram como as contradições do modelo do agronegócio entendido como pauta de desenvolvimento se revelam, descortinando-se também tanto as lutas de muitas famílias de trabalhadores canavieiros e camponeses como a sua resistência, as privações e a violência, as perdas, os ensinamentos e as conquistas. A história dos trabalhadores sem terra do Chico Mendes é a história de uma conquista da classe trabalhadora organizada na Zona da Cana pernambucana.

Quando conhecemos em 2007 o grupo de trabalhadores sem terra e militantes do MST no município de São Lourenço da Mata, Chico Mendes era então um acampamento rural de trabalhadores canavieiros, como mostram as Fotografias 12 e 13. Em dezembro de 2004, várias famílias de trabalhadores sem terra do MST do estado de Pernambuco ocuparam uma área dos 580 hectares de terras improdutivas do antigo Engenho São João, pertencentes à agroindústria Tiúma do grupo empresarial brasileiro Votorantim.

Em 2005, a polícia federal despejou com violência as famílias, chegando a destruir parte dos barracos e queimando as lavouras. Todavia as famílias resistiram e montaram de novo os seus barracos. Finalmente, em 2007, a área foi considerada uma grande propriedade improdutiva e declarada de interesse social para fins de Reforma Agrária.

Fotografia 12: Vista parcial do acampamento Chico Mendes. Em 2004, cerca de 500 famílias vinculadas ao MST ocuparam as terras do Engenho São João. Muitas destas famílias trabalhavam na Usina Tiúma, ficaram desempregadas com a falência da empresa e jamais receberam seus direitos trabalhistas. Após cinco anos de luta e ocupação os trabalhadores do MST conquistam a imissão de posse.

Fonte: Trabalho de Campo, 2008.

Fotografia 13: Trabalhador sem terra acampado com o seu instrumento de trabalho, “o facão” para cortar cana, no acampamento Chico Mendes.

Fonte: Trabalho de Campo, 2008.

Em 2008, o INCRA foi emitido na posse por meio de decisão liminar, portanto não definitiva. Um ano depois, em 2009, o usineiro Theobaldo Lopes de Melo recorreu à justiça demandando 144 hectares das quais ele se declarava dono. A imissão de posse do INCRA foi cancelada na parte requerida pelo usineiro, paralisando assim o

de posse do INCRA voltou a vigorar na sua integridade, possibilitando a consecução do Assentamento.

O conflito nesse território foi protagonizado pelos representantes do Grupo Votorantim, que se destaca dentro do mercado nacional pela produção de cimento, concreto e agregados, mas também está ligado a setores financeiros, energéticos, metalúrgicos e à agroindústria destacando a produção de suco de laranja concentrado, que atua no mercado internacional por meio da Citrovita. O Estado apenas foi representado, inicialmente, pela polícia e justiça federal, comparecendo no litígio não como um mero “mediador” de conflitos de classe, mas sim sustentáculo da dominação do poder dos usineiros na região. E o MST, que organizou os trabalhadores sem terra para não desistirem da luta, ocupou a área como garantia da conquista dos seus direitos sobre ela.

Esta forma de luta e de conquista dos direitos constitucionais de acesso à terra difere das estratégias apresentadas anteriormente. Nem o BTG, muito menos o MP, nem os trabalhadores negros da Comunidade Pretinha do Congo se valem na sua luta do artigo 186 da Constituição Brasileira de 1988, que dispõe:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meioambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Contudo, os trabalhadores sem terra tiveram que enfrentar também os desdobramentos dos entraves legais relativos à imissão de posse após o agravo de instrumento interposto pelo suposto proprietário de parte das terras. O Projeto de Assentamento parou e a grande parte das 60 famílias contempladas com terras, portanto assentadas de Reforma Agrária, tiveram que continuar nos seus barracos sem ter acesso aos lotes nem aos Programas de Fortalecimento da Agricultora Familiar, voltados para financiar a produção familiar logo no início da conquista da terra. Isso também fez com que muitos trabalhadores, já assentados e militantes do MST, desafiassem, durante os anos de acampamento à grande propriedade de terra e que ideologicamente se opõem ao monocultivo como saída produtiva para o campo,

tenham como saída para a sua reprodução material o assalariamento na agroindústria da cana-de-açúcar da própria Usina Tiúma, unidade produtiva do mesmo grupo do que tomaram as terras do antigo Engenho. Contraditoriamente, mesmo com a posse da terra, a subjunção do trabalho destas famílias pelo capital sucroalcooleiro continua.

Todavia, algumas das famílias viabilizaram, durante a época de acampamento, as condições mínimas para o cultivo da terra e conseguiram prover parte do próprio sustento com o cultivo de lavouras consumidas no cotidiano, como milho, mandioca e feijão, além das fruteiras e os pequenos animais de criação.

Durante as entrevistas realizadas nos nossos trabalhos de campo na fase do acampamento constamos que nenhum dos membros daquele grupo de trabalhadores era dissidente de outros movimentos sociais. Todos eles iniciaram a sua luta por terra com o MST e nele continuavam militando. O fato de permanecer unidos formando único acampamento e retomando a ocupação após cada despejo, garantiu em 2009 a posse definitiva da terra.

A possibilidade do surgimento de desavenças e rachas internas aos movimentos é uma realidade já constatada em outros acampamentos, como foi observado na luta do BTG e a dissidência do MP na Paraíba. Esse processo de fragmentação interna da luta, que resulta em novos acampamentos de menores proporções, pode trazer rebatimentos negativos na hora dos despejos e também na dissolução e esvaziamento de bandeiras de luta coletivas que vão além da conquista de um pedaço de terra onde produzir individualmente. O projeto de transformação da sociedade, de justiça social, do fim do latifúndio, da oposição ao agronegócio demanda a construção de consciência política durante a luta. As desavenças ente lideranças e entre estes e as suas bases, que obscurecem a escala do embate proposto - atingir diretamente a lógica do capital e o seu controle sobre o trabalho e a terra - também se apresentam para nós como desdobramentos negativos para o Movimento de luta pela terra, pois o fragiliza internamente. Entretanto, não estamos defendendo que a emergência de grupos organizados, de novos movimentos de luta por Reforma Agrária seja em si um problema, muito pelo contrario, a efervescência da contestação é um sintoma muito positivo. Ao que queremos chamar a atenção é ao processo de fragmentação interno da luta, não apenas das formas, da sua plasticidade, das siglas ou cores das suas bandeiras, senão a perda de sentido e significado do objetivo da luta, a fragmentação que dissolve o projeto revolucionário de transformação e que em casos, como o próprio BTG chega a negá-lo. Tampouco, a união dos trabalhadores acampados no Chico Mendes nos leva a pensar na união de todos os rabalhadores que lutam por terra no

necessidade de confluência de todas as barricadas construídas contra o sistema metabólico do capital, de todas as fissuras abertas pelo trabalho vivo organizado e consciente, em um projeto de negação do trabalho abstrato como possibilidade emancipatória.

O PA Chico Mendes é, para a coordenação estadual do MST, uma vitória cheia de simbolismo para os trabalhadores sem terra sobre o poder do agronegócio sucroalcooleiro na Zona da Cana pernambucana.

Especialmente quando refletimos sobre a exploração do trabalho, quando discutimos o processo de assalariamento no campo, entende-se a ausência do Estado fiscalizador por meio do Ministério Federal do Trabalho; a impunidade por meio do confisco das terras, quando comprovada a existência do trabalho análogo à escravidão; as condições de vida no interior dos barracos nas beiras das estradas e nos próprios alojamentos das usinas e destilarias; a dúvida sobre a legitimação e legalidade da posse pelos fazendeiros que exploram as terras há séculos e a sua ocupação e uso.

Todavia a territorializacao da luta tem modificado a geografia agrária do estado como mostra a Figura 03 na página a seguir.