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Neste trabalho de tese, podemos afirmar que nossa preocupação inicial foi aos poucos se mitigando, por meio das leituras que dão fundamento ao pensamento social sobre a questão agrária brasileira e seus desdobramentos no Nordeste, principalmente naquilo que se refere à formação de movimentos sociais no campo. Mas, o contato com as famílias trabalhadoras nos acampamentos rurais e assentamentos de Reforma Agrária e com as lideranças dos movimentos de luta pela terra com quem tivemos a oportunidade de conversar, no decorrer dos quatro anos de pesquisa, foi essencial para poder construir as respostas que apresentamos no desenvolvimento desta tese, à complexa trama que se apresentava diante dos nossos olhos: a expansão da produção do agronegócio sucroalcooleiro na região e o desenvolvimento de novas estratégias de territorialização do capital e monopolização do território concomitantes à territorialização da luta da classe trabalhadora, especialmente canavieira, fragmentada em múltiplas frentes e bandeiras.

Constatamos que as ocupações de terras improdutivas e devolutas na forma de acampamentos sem terra, estabelecem, caracterizam e até viabilizam a territorialização da luta da classe trabalhadora no campo, evidenciando o conflito de classe e a contradição posta na produção do espaço agrário brasileiro.

Também observamos que o controle hegemônico da terra e do trabalho pelo capital sucroalcooleiro na região é responsável pela manutenção de índices de pobreza sub-humanos e extremamente degradantes para a classe trabalhadora, sobre-explorada e precarizada nos canaviais.

Ademais percebemos que os desdobramentos do domínio do capital canavieiro sobre a natureza propiciaram a extinção quase plena do bioma da Mata Atlântica na região, configurando hoje apenas um continuum de cana que homogeiniza a paisagem e que esconde danos ambientais irreversíveis.

Ainda pudemos observar que o domínio do capital canavieiro na região ultrapassa a esfera produtiva, subjugando a esfera reprodutiva ao seu controle,

com desdobramentos diretos sobre a subjetividade do trabalho e das suas formas de mobilização e organização, como são os movimentos sociais.

Diante disso, conseguimos apreender que a sintonia entre a propriedade privada dos meios de produção e a supremacia histórica do capital sucroalcooleiro sobre o processo de produção e de trabalho na região conduz a uma parcela significativa de trabalhadores sem terra, a se assalariar no corte de cana temporariamente durante as safras. Essa relação de trabalho torna sazonalmente estes trabalhadores em desempregados rurais, além de provocar sérios riscos para a saúde em decorrência da insalubridade e insegurança no ambiente de trabalho e da sobre-humana exploração da sua força. O trabalho no eito reduz a “vida útil” dos trabalhadores, pois ao receber o salário por produção, as condições físicas e a habilidade no corte são minimizadas. As metas de produção, as ameaças de perda do emprego e a falta de definição prévia do preço da cana dos usineiros junto aos trabalhadores formam parte do cotidiano dessa labuta. Todavia, muitos desses trabalhadores, contraditoriamente, lutam junto às suas famílias contra o domínio da terra pelo grande capital monocultor, se organizando em movimentos sociais que pressionam o Estado para a resolução dos conflitos fundiários na região e a efetivação de Assentamentos rurais de Reforma Agrária. Ou seja, ao mesmo tempo que esses trabalhadores, para garantir a sua reprodução material e das suas famílias se submetem à exploração do seu trabalho pelo capital canavieiro, se organizam e lutam contra ele em movimentos sociais.

Entendemos que esse processo, a fragmentação do trabalho, acentuada pela reestruturação produtiva do capital, e incentivada pelo Estado, tem incidências sobre a luta por terra, fragmentando-a. A dinâmica geográfica de surgimento e declínio de diversos movimentos sociais no campo é expressão dessa fragmentação, que provoca dissidências internas e fendas no Movimento de Luta e sua territorialização. Esse dinamismo geográfico exprime, contudo, o movimento articulado dialético e contraditório do desenvolvimento atual do capitalismo no campo, evidenciando a luta de classes a ele inerente.

Estas proposições nos levam a afirmar que o processo de dissidência e fragmentação da luta pela terra observado, interfere negativamente no front da luta pela efetivação de uma política de Reforma Agrária de caráter estrutural no

país, já que a bandeira de luta pela transformação social a partir da Reforma Agrária, ou seja, o projeto de superação da desigualdade da sociedade do capital se esfarela em objetivos funcionalistas de conquista de terra para nela produzir.

Perdendo a dimensão do embate contra o modelo de desenvolvimento produtivo da ordem, as dissidências fragilizam a luta, pois os embates se diversificam e perdem o foco. Todavia, o capital continua se reproduzindo e abrindo frestas para fragmentar o poder da classe trabalhadora, ou seja, a sua união em termos de confluência de embates, seja sob a forma que for se movimentos, se comunidades, se sindicatos e/ou partidos contra a subsunção do processo de trabalho pelo capital e a favor da recriação de formas não capitalistas de produção.

Todavia, a pesquisa nos revelou que a presença da pluralidade de movimentos sociais no campo, configurando novas e “velhas” bandeiras, torna pública e notória a necessidade da Reforma Agrária no país, portanto, nega a tese que entende que hoje no Brasil essa política territorial não seria mais necessária.

Durante a pesquisa não nos valemos apenas da análise do processo de territorialização da luta dos trabalhadores sem terra no espaço do capital canavieiro, para defender a nossa tese. Recorremos à reflexão da fragmentação do trabalho, a partir da expressão que esse processo assume atrelado aos conflitos étnico-territoriais. A partir das experiências de luta das comunidades quilombolas e indígenas para conquistar a demarcação e posse definitiva das terras onde há gerações habitam, constatamos como o Estado tem um papel central na fragmentação do trabalho na luta pela terra. Já que este, diante das diferentes identidades culturais presentes no campo brasileiro, que possuem uma forte dimensão territorial por se tratarem de comunidades camponesas e/ou extrativistas, ao privilegiar a diferença cultural por cima da desigualdade de classe, pulveriza o conflito fundiário em disputas localizadas, facilmente controláveis pelos interesses do Estado ao serviço do capital.

Essa complexa trama territorial, portanto social, da fragmentação do trabalho e da luta pela terra nos obriga a realizar a leitura geográfica do conflito entre as classes sociais metamorfoseadas pelas demandas da sociedade do capital na sua configuração atual. Assim, por um lado, podemos sinalizar que a

processualidade (plasticidade) em curso premia os interesses do capital, subsumindo o conjunto e a força da sociabilidade dos trabalhadores rurais no sentido da sua luta. Contudo, por outro lado, as experiências de resignificação dos territórios, como a transformação em Assentamento Rural do Engenho São João em São Lourenço da Mata, Pernambuco – assim como outras conquistas da classe trabalhadora no campo apresentadas nos mapas da territorialização da luta nos estados de Paraíba, Pernambuco e Alagoas no Capítulo III – são mostras concretas da existência de alternativas à produção capitalista do espaço agrário.

Esta tese foi construída acreditando na responsabilidade social que a Universidade Pública tem de criar, desde a Geografia, pensamento crítico que venha a se constituir como subsídio teórico para o processo revolucionário da transformação da sociedade do capital.

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