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É proibido colar

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PERSPECTIVA CULTURAL

8. Cultura geral 1 MST

8.2.1. É proibido colar

“Clonagem intelectual” é a chamada da capa da edição nº 417 (Anexo 7), completada com a frase: “A crise de confiança na divulgação científica após escândalo na USP”. Nas páginas internas a reportagem de Carla Rodrigues, recebeu o título “É proibido colar”210 e a linha-fina: “Escândalo de professores da USP envolvidos com caso de plágio mobiliza intelectuais, que defendem ética em pesquisa, temem pelo futuro da produção acadêmica e argumentam que ‘pressão por resultados’ pode influenciar a baixa qualidade de trabalhos, muitos deles se multiplicando pelo artifício da cópia ou do autoplágio”.

209

“Movimento discute novo modelo de cidade”, EU&, nº 6, de 9, 10 e 11/jun/2000, p.21 210

A matéria trata de uma questão ética séria e comprova que o suplemento não se exime de publicar reportagens que possam envolver situações constrangedoras para personagens de altos escalões, o que configura compromisso com a transparência e amplia a credibilidade da publicação. O lead situa o leitor de forma elucidativa, não só quanto ao fato ocorrido, mas também quanto à participação da América Latina na produção científica mundial:

Primeiro, a boa notícia: o porcentual de participação da América Latina no total de publicações científicas quase dobrou nos últimos anos. Saiu de 1,8% entre 1991 e 1995 para 3,4% de 1999 a 2003, segundo a Unesco. Agora, a má notícia. No rastro desse crescimento, surgiu outro fenômeno do qual a comunidade científica tem menos razões para se orgulhar: o plágio intelectual, que há tempos se configura como um problema para grandes universidades no exterior e acaba de causar estragos na Universidade de São Paulo (USP). Na segunda-feira, o Conselho Curador da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest) aceitou o pedido de demissão, feito “em caráter irrevogável”, do professor Nelson Carlin, que até então era seu vice-diretor. Denunciado por fraude intelectual, ele recebeu uma moção de censura da reitoria, insuficiente para aplacar os problemas causados pelo episódio.

A reportagem explica que a denúncia feita pelo professor Mahir Houssein, do Instituto de Física, acusa o professor Carlin de ter copiado partes de artigo publicado no volume 75 da revista “Physical Review C” e que uma contagem de palavras indica que menos de 23% do artigo é original. O EU& reproduz parte da moção de censura e informa que não foi bem recebida por ter sido precedida por um comunicado oficial que pretendia silenciar o caso e que, após tornar-se pública, gerou protestos contra o tratamento brando dos acusados. Além disso, um artigo do jornalista Marcelo Leite, da Folha de S. Paulo, cobrou ação mais enérgica e os protestos se multiplicaram.

O suplemento informa que o episódio originou questões sobre o futuro da produção acadêmica da USP, a prática do autoplágio, os riscos de desmoralização do vestibular (Carlin era vice-reitor da Fuvest) e a importância de punir as fraudes. E que também suscitou amplo debate sobre como a fraude pode ser evitada e como “a pressão por resultados” pode influenciar a baixa qualidade dos trabalhos e motivar autoplágio. Mas, a matéria afirma que

não há indícios de que o problema seja maior no Brasil que em outros lugares, e traz referencial externo ao informar que, em 2007, o Escritório de Integridade em Pesquisa dos EUA (ORI) recebeu 217 denúncias de plágio, abriu 14 investigações, encerrou 28 inquéritos, dos quais 10 resultaram em má conduta em pesquisa. Esclarece que no Brasil não há organismo similar e que as instituições só podem resguardar sua imagem se reagir vigorosamente como prática inaceitável.

A reportagem esclarece ainda que, apesar dos comitês de ética, no Brasil faltam mecanismos superiores (EUA e Alemanha têm códigos federais de conduta que permitem processos jurídicos em âmbito criminal e cível contra o autor da fraude). Diz que no primeiro congresso internacional sobre o tema organizado pelo ORI (EUA) 46 países participaram, dos quais três da América Latina e que apenas uma brasileira211 integrou os debates sobre as iniciativas das agências de financiamento, universidades e editores das principais revistas científicas quanto às medidas de má conduta em pesquisa. Informa que Márcia Triunfol212 fundou a Publicase no Brasil depois de viver 12 anos nos EUA para ajudar os departamentos das universidades a aumentar sua capacidade de publicação: “Não se aprende redação científica na universidade”.

Outro obstáculo é escrever em inglês (montam textos a partir de frases prontas retiradas de diferentes artigos). O extenso relatório anual da ORI indica que as medidas preventivas começam na graduação. Roberto Da Matta213 diz que na Notre Dame “como em qualquer universidade dos EUA, o aluno assina um termo de compromisso quando se matricula. Se flagrado em qualquer prática fraudulenta, vai a julgamento no comitê interno e pode ser expulso”. Maria Teresa Citeli214 diz que já encontrou plágio até em trabalhos de alunos de uma disciplina de graduação e adotou como regra reprovar quem copia e quem fornece o material para cópia. Dora Porto215 diz que avalia a gravidade do caso antes de decidir que providências tomar, mas em qualquer situação de plágio o aluno é chamado para uma conversa.

Marcelo Hermes de Lima216 diz que retirou um artigo da versão online do periódico “PLoS One” e os autores foram punidos com dois anos de proibição de publicar na revista eletrônica. As regras estão disponíveis no site da revista. Ele é crítico veemente da política atual: “Estamos aprovando doutores com trabalhos que há dez anos não seriam aceitos como

211

EU& - Sônia Vasconcelos – professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro 212

EU& - Márcia Triunfol - bióloga com doutorado pela UFF e pós-doc nos EUA 213

EU& - Roberto Da Matta - antropólogo que durante um ano (dos 18 em que atuou na Universidade de Notre Dame) presidiu o Comitê de Honra da faculdade

214

EU& - Maria Teresa Citeli - socióloga e professor do Depto. de Política Científica da Unicamp 215

EU& - Dora Porto - professora da UnB 216

monografias da graduação” e “hoje, o que importa é que papers sejam produzidos, copiados ou não, e neste ano o Brasil chegue ao 14º lugar em número de papers no mundo” e que outra meta é chegar a 16 mil doutores em 2010.

O professor Lima diz também que a quantidade aumentou, mas a qualidade dos papers, não. E argumenta com o percentual de citações: Brasil 3,5 de citação por paper; nos EUA é entre 5,5 e 8,5 citações por trabalho. Sérgio Ferreira217 diz que é possível publicar sem produzir nada de impacto e que o problema está na falta de ousadia que leva o pesquisador a publicar dez artigos mais ou menos garantidos a se arriscar com dois textos mais inovadores que rendem pontuação menor no Currículo Lattes. Ele diz que o ideal é que os projetos e pesquisadores fossem avaliados pelo conteúdo do que fazem. Dora diz que a pressão para publicar (mesmo que não tenha fraude) impede o pesquisador de refletir ou aprofundar a reflexão e produz um material de menor qualidade. Ouve também o professor Paulo Nussenzveig, do Instituto de Física da USP.

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