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A reforma cultural do MST

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PERSPECTIVA CULTURAL

8. Cultura geral 1 MST

8.1.1. A reforma cultural do MST

A capa da edição nº 6, ilustrada com foto de Sebastião Salgado dos integrantes do MST votando em assembléia com os podões e braços levantados, tem como chamada “A cultura do MST” completada com a frase: “Um dos principais teóricos do movimento, Ademar Bogo, fala sobre as várias questões ideológicas que estão na pauta do grupo em entrevista exclusiva ao Valor” e, internamente, a entrevista, tipo pingue-pongue, feita por Sergio de Carvalho intitula-se “A reforma cultural do MST”207 e é completada praticamente pela mesma linha-fina da capa. Há um texto, com crédito para CELS, que precede a entrevista e que situa o leitor de forma clara com leitura lúcida da realidade. O trecho a seguir é um bom exemplo dessa lucidez:

O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra existe há 21 anos e nos últimos 10 tem ocupado espaço destacado e crescente na agenda pública brasileira. A sociedade conhece bem a prática política do MST. Setores expressivos a condenam por a considerar radical e violenta. Mas os princípios teóricos que dão rumo ao movimento são quase desconhecidos. A percepção da maioria é de que a ideologia do MST se confunde com a do Partido dos trabalhadores ou a dos agrupamentos tradicionais de esquerda.

207

O texto esclarece que o que se depreende do depoimento de Bogo208 é que o movimento tem “um ideário difuso, que mistura misticismo religioso com princípios doutrinários marxistas simplificados, elementos da cultura de massa com folclore, ingenuidade com teoria revolucionária, utopia comunitária com respeito ao direito da pequena propriedade privada”. E que hoje há mais discordâncias do que pontos em comum com os partidos com os quais o MST é confundido e que “Bogo afirma que não há repressão cultural no MST: ‘Você não pode constranger alguém a optar por uma ideia sobre a qual não tem clareza’”. Assim, a estratégia é “deixar as pessoas conviver, com suas diferenças. A produção simbólica ocorre durante os encontros dos grupos, muitas vezes por meio de encenações de histórias reais”.

Quanto à entrevista de Sérgio de Carvalho, o texto introdutório afirma que

um projeto de reflexão sobre a cultura vem sendo desenvolvido há alguns anos dentro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Não se liga apenas à produção simbólica, mas envolve uma autocrítica feita pelo movimento dos sem-terra sobre sua atuação histórica e sobre as formas de sociabilidade dentro dos quase mil assentamentos do país. O ponto de partida, para os integrantes do MST, é que o conceito de cultura pressupõe uma nova atitude de produção e convivência social.

Também traz dados sobre o entrevistado ao informar que ele tem 43 anos, é catarinense, vai lançar em agosto o livro “Um Povo Feito de Terra”, mora da Bahia onde recebeu o Valor com exclusividade e que esta é a primeira entrevista que ele concede a um veículo de comunicação. Portanto, mais uma vez, o EU& valoriza a importância da fonte eo caráter exclusivo da entrevista realizada.

Com relação ao início do projeto, Bogo diz que ele sempre esteve de forma implícita desde o início do movimento: “nós valorizávamos esses aspectos subjetivos, embora não tivéssemos a noção do que isso representava na consciência social das pessoas”, que desde as primeiras ocupações em 1979 o pessoal cravava uma cruz no terreno e que “a própria

208

EU& - Ademar Bogo - militante do MST, ex-seminarista, sistematiza em livros aspectos da cultura do movimento

simbologia do movimento (...) nasce de uma apropriação crítica daquilo que as pessoas traziam da tradição da vida no campo”. Explica que para Bogo, parte da força simbólica do MST se liga ao fato de ele não ter rejeitado essa base mística dos hábitos do campo.

O suplemento explica que, segundo Bogo, havia uma “imagem negativa em relação à arte” e que pensou primeiro em gravar um CD com a produção musical, mas houve resistência. Em 97-98, a cultura passou a ser mais discutida nas reuniões e seria necessário “em primeiro lugar fazer uma revolução no comportamento”. Ele esclarece que o MST estava “tomando latifúndios, distribuindo terra e, mesmo assim, produzindo com as mesmas orientações destrutivas da grande agricultura” e que é preciso ajudar a construir um novo tipo de camponês com consciência histórica.

O EU& questiona se há “vontade de rediscutir o individualismo que surge” após a luta coletiva pela terra e ele responde que sim porque é preciso “discutir qual é a relação social de base” e que há resistência dos assentados quanto às cooperativas porque eles têm o mesmo sentimento de propriedade do sistema capitalista “quem não tem propriedade não tem valor”. Quanto ao integrante do MST ter interesse na sociedade capitalista, Bogo responde que mesmo se alguém trabalhar individualmente pode defender o socialismo, assim como quem trabalha de modo coletivo pode não defender e que “ambos podem até nem ter noção do que é socialismo” e completa que a intenção não é “entrar no mercado para vender para a elite”.

Com, relação à alienação do trabalho (Marx) ele diz que “a discussão é ampla e ainda não está disseminada dentro do movimento”, pois é difícil discutir filosofia com quem que está mais preocupado em prover a subsistência e que é preciso “uma revolução dentro dessa reforma [agrária]”. Sugere ao repórter a ideologia alemã de Marx, pois “a consciência social vem da convivência social” e que “não é possível proibir as pessoas de ter contato” com a sociedade capitalista, mas que é possível fazer escolhas: “eu não controlo a Globo, não controlo o jornal, mas posso controlar a minha opinião quando eu leio, quando eu vejo”. Ele explica que “em tese, uma revolução cultural se dá depois que você chega ao poder. Como nós não estamos no poder, defender essa ideia seria uma posição idealista”.

O entrevistado entende que a estratégia do Estado “é desqualificar o inimigo” para que a sociedade retire o apoio ao movimento (imagem de baderneiros e de desvio de dinheiro), e aponta como saída a recuperação do respeito com gestos contrários ao que a mídia (nas mãos dos dominantes) divulga e que o lado mais importante do movimento “é fazer um ser humano se sentir humano (...). É preciso resgatar o valor da beleza porque isso faz parte da existência humana. Elevar o nível de consciência a uma nova categoria, com novas dimensões, inclusive filosóficas, históricas a beleza”.

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