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1.3. Ética e educação: outros enfoques

1.3.1. Ética e Direitos Humanos

O livro Os direitos humanos na sala de aula: a ética como tema transversal, de Ulisses F. Araújo e Julio Groppa Aquino (2001), tem por objetivo servir de parâmetro para educadores e escolas que queiram trabalhar com a ética. Para tanto, os autores propõem a Declaração Universal dos Direitos Humanos como eixo curricular que perpassaria todas as disciplinas. Isso porque acreditam que tais direitos podem promover a educação para a ética, a cidadania e a paz, desde que não sejam impostos. Porém, conforme os autores, como vivemos numa cultura que almeja a democracia, os direitos humanos não são impostos, visto que tanto estes direitos como a democracia são compostos pelos mesmos princípios: justiça, igualdade, eqüidade e solidariedade.

A proposta dos autores é a de uma educação em valores16 construídos dialogicamente, tanto pelas pessoas quanto pelas instituições, considerando a constituição do sujeito: emoção

16 Essa concepção de educação ética defende a idéia de que “os valores são construídos na interação mesma entre

e cognição, que, juntos, auxiliam o processo de educação moral. Ademais, o professor, para abordar a ética transversalmente ou como eixo curricular, deve trabalhar com conteúdos ligados ao cotidiano e às preocupações sociais.

Salientamos que, ao predeterminar conteúdos, o educador predetermina a metodologia, que é algo sistematizado e racional e que se configura em comportamentos, falas e valores. Apesar de ter intencionado sua prática, não é possível delimitar todos os procedimentos, uma vez que não podemos prever a reação dos alunos em relação a nossos atos, a saber, os acontecimentos, os conflitos e as decisões morais que são marcados pela imprevisibilidade. Para saber lidar com tal característica, que não é mencionada pelos autores, acreditamos que o educador deve conhecer não só os direitos prenunciados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, como também a realidade: como a sociedade onde o professor está inserido se constitui? O que ela valoriza, acredita e faz? Conhecimentos necessários a fim de não criar conflitos com os alunos ao invés de compreender e trabalhar esses conflitos. Como afirma Rios (2001, p. 42), é “na articulação do que é especificamente pedagógico com a totalidade do social que se realiza a dimensão política na educação”. Além disso, como já dissemos, a política é intencionalidade, é poder (não no sentido de dominação), é saber se relacionar no mundo e com o mundo, é acreditar e lutar por sua melhoria.

As atividades propostas por Araújo e Aquino são fundamentadas nas idéias de Josep Puig presentes na obra Ética e Valores: métodos para o ensino transversal (1998), que segue o “princípio de que a construção de personalidades morais implica a construção da capacidade dialógica, a autonomia do pensamento e a tomada de consciência dos próprios sentimentos e emoções, propiciadas pela reflexão, e nunca por meio de inculcação de valores” (ARAÚJO; AQUINO, 2001, p. 20).

Percebemos que os autores, ao adotarem esses princípios, consideram a capacidade social do homem, que se torna humana somente na presença de outro homem, a capacidade de pensar por si só (a ação autônoma neste contexto, no entanto, parece esquecida) e o controle das emoções, necessário ao convívio social. Aspectos que são construídos pelo próprio sujeito e não transmitidos por outrem. Desta forma, podemos dizer que o professor seria apenas um mediador entre o aluno e o mundo, esclarecendo o que é bom e o que é mal, mas não dizendo explicitamente qual deve seguir.

Destacamos que Aquino e Araújo apresentam trinta propostas de atividades práticas, sendo cada uma baseada num artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Toda díspares e conflitantes. Dessa maneira, os valores são construídos a partir do diálogo e da qualidade das trocas que são estabelecidas com as pessoas, grupos e instituições em que se vive” (ARAÚJO; AQUINO, 2001, p. 15).

sugestão apresenta o tema do artigo, a metodologia a ser seguida e o conteúdo a ser trabalhado. Com base na maior recorrência, podemos dizer que os autores privilegiam os métodos: compreensão crítica, exercícios autobiográficos e role-playing.

Vejamos suas acepções: compreensão crítica é “uma técnica que supõe promover diálogos entre determinadas situações, os indivíduos implicados nelas e todos os que analisam. Para isso deve-se remeter às diversas fontes de pesquisas, referentes à situação que se pretende compreender” (ARAÚJO; AQUINO, 2001, p. 35). Os exercícios autobiográficos “permite[m] que os sujeitos, ao refletirem sobre o passado, possam refazer e dar um novo sentido ao presente, projetando um futuro que incorpore as experiências pregressas e atuais” (ARAÚJO; AQUINO, 2001, p. 45); além disso, esses exercícios colaboram também para a construção da identidade. Há vários tipos de role-playing, o mais adotado no livro Os direitos humanos na sala de aula é uma dramatização caracterizada pela troca aleatória do ator por alguém da platéia que deve continuar representando – fator que exige atenção dos participantes. Outro tipo utilizado é o role-playing na lousa, atividade em que a introdução do tema a ser trabalhado é realizada por meio de “desenhos, fotos ou imagens fixados na lousa” (ARAÚJO; AQUINO, 2001, p. 91), e os alunos colocam-se no lugar das personagens ali expostas expressando seus sentimentos. Os conteúdos são, em sua maioria, referentes à diversidade cultural (por exemplo, discriminação, inclusão, religiosidade e homossexualismo) e à cidadania (como escravidão, constituição brasileira, perseguição política e moradia).

Podemos dizer, com base no que foi exposto, que os autores, apesar de utilizarem conteúdos predeterminados para se pensar a ética, conseguem estimular a reflexão e a autonomia dos sujeitos. Isso ocorre não porque o conteúdo enfoque a cidadania e os direitos humanos, mas devido à maneira como os temas são trabalhados, pois permitem aos educandos sentirem-se parte integrante dos processos pedagógicos e da vida cotidiana, autoconhecerem-se, construindo suas identidades e a relação com o outro de forma comunicativa. No entanto, durante nossa pesquisa, encontramos um ponto de vista de um dos autores que contradiz tudo o que foi proposto neste livro:

[a ética] não se ensina, não está evidente em determinada teoria, método ou conteúdo, e ao mesmo tempo a todos perpassa. Ato contínuo não é resultado de ações planejadas do professor, das reações espontâneas dos alunos, da proposta pedagógica da escola, ou das normas do sistema educacional, quando tomadas como elementos apartados. Ela é mais da ordem do efeito – [...] derivando mais do exercício da confiança nas relações do que na assepsia de preconceitos sistematizados (AQUINO, 2000, p. 55).

Percebemos que, Aquino defende que a ética está entrelaçada à vida, não se manifestando, portanto, em pontos específicos como a metodologia. A ética, para o autor, é vida e, como tal, constrói-se somente relacionando-se no e com o outro e o mundo.