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1.2. Programa Ética e Cidadania: construindo valores na escola e na sociedade

1.2.3. Módulo: Direitos Humanos

O terceiro módulo, Direitos Humanos, tem como objetivo formar ética, social e politicamente os envolvidos com a comunidade escolar e, num segundo momento, expandir essa formação a toda comunidade externa à escola, pois acredita que o “Fórum Escolar de Ética e Cidadania pode ajudar cada comunidade a implementar ações que levem à justiça social e à formação ética e cidadã das futuras gerações” (BRASIL, 2007, p. 8). O Programa enfatiza o direito universal à educação, que tem a função de desenvolver plenamente a personalidade humana, entendida como ativa, crítica, consciente de seu papel social e que age de modo a sempre fortalecer os direitos humanos.

Com a finalidade de alcançar os objetivos citados, apresenta o texto de Dallari, Direitos humanos e cidadania, que explicita o que são os direitos humanos e seus princípios básicos (liberdade, igualdade e fraternidade). Estes, segundo o autor, podem ser alcançados pela solidariedade e visam a preservar a humanidade do indivíduo, a qual, por sua vez, é dotada de inteligência, consciência, vontade e “dignidade que a coloca acima de todas as coisas da natureza”. E ressalta que todos devem ser considerados com esses pressupostos e tratados humanamente, mesmo que seja um cruel assassino. Nesse caso, sua punição está prevista na lei, e esta considera a humanidade dele.

Percebemos que o texto citado contém apenas uma fundamentação simples e objetiva acerca do tema, visto que não conseguimos apreender a opinião ou proposta do autor a respeito de implementações ou consolidações desses direitos.

Para introduzir a transcrição dos trinta artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), os elaboradores utilizam o texto Ética e cidadania, da Fundação Victor Civita, que versa sobre os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade que regem a Declaração, designando-os como “fonte” de cidadania. Entretanto, o texto considera esses artigos como se fossem “mandamentos”, não explicitando o sentido que atribui a esta palavra carregada semanticamente de preceitos religiosos.

Sob nosso ponto de vista, essa não foi uma designação adequada, já que os direitos universais são fruto de uma conquista da relação dialógica entre as diversas nações do mundo, fundamentados em observações de nossas necessidades humanas; não se trata, portanto, de algo Divino, externo e superior ao homem.

Para visualizar a relação democrática, o Programa expõe o relato da Rede de Observatório dos Direitos Humanos sobre experiências de participantes de escolas da favela

Heliópolis, localizada na Zona Sul de São Paulo. O longo relato expõe denúncias de fatos ocorridos em várias escolas dessa região. As denúncias se referem ao autoritarismo dos professores, comportamento mostrado pela recusa em re-explicar os conteúdos disciplinares, “falta de educação” e desrespeito, efetuados tanto por humilhação (gritos, exposições dos erros, discriminação pela cor da pele, revista policial, antecedentes criminais e lugar de origem) quanto por castigos físicos (“chute na bunda”, esparadrapo na boca, puxão de orelha). Os discentes denunciam também o consumo de drogas por professores e alunos, atitude que gera desconforto e medo em quem observa; e o não acesso à estrutura escolar (quadras esportivas e bibliotecas) a que eles têm direito. É importante destacar que esses fatos afetaram alunos de diversos níveis de escolaridade.

Após as denúncias que envolvem várias escolas, o relato se atém a duas: a “que não funciona” e a “que funciona”. A primeira é marcada pelo autoritarismo e segregação entre a escola e a comunidade, fator que impede o diálogo e o conhecimento das necessidades dos alunos nesse contexto. Deste modo, o educando não desenvolve o senso crítico e a capacidade de lutar por seus direitos, como um trabalho digno e uma moradia decente. E, por conseguinte, sua revolta devido à situação social é exposta na escola por meio da violência, da não freqüência às aulas e da desestimulação para com os estudos. No entanto, “a má qualidade do ensino e a indisciplina são tratadas como sendo ‘falta de interesse do aluno’” (REDE DE OBSERVATÓRIO DOS DIREITOS HUMANOS – RODH , 2001, apud. BRASIL, 2007, p. 46), sem pensar, portanto, que essa situação poderia decorrer da falta de interesse da escola.

A “escola que funciona” age de maneira contrária a escola descrita acima, privilegiando relações contextualizadas, solidárias, dialógicas e responsáveis que conseguem conquistar todos os envolvidos no processo educativo. Ela tem um Grêmio ativo que, além de representar os alunos, procura trazê-los para dentro da escola com atividades complementares ao currículo, evitando que eles permaneçam na rua onde são suscetíveis ao tráfico e ao consumo de drogas. Além disso, o Grêmio procura integrar a escola com a comunidade e exige um ensino de melhor qualidade. Tal escola, segundo o relatório, está mais próxima de uma educação ideal por propiciar a formação necessária para que o aluno faça parte da universidade pública e/ou do mercado de trabalho e tenha uma remuneração digna. Afirma também a necessidade de se trabalhar os direitos humanos com o propósito de sua adesão contribuir para a transformação da escola e, conseqüentemente, da comunidade.

A participação no Observatório nos permitiu ver a realidade da grande maioria dos jovens da região: a falta de um projeto educativo competente não lhes permite criar uma consciência crítica, mas só reproduzir a realidade de vida difícil e sofrida a que fomos acostumados a enfrentar. O jovem daqui não tem expectativa de um futuro, não vislumbra caminhos para sair desta condição, não se permite sonhar com uma vida mais digna, não acredita na transformação (RODH, 2001, apud BRASIL, 2007, p. 61).

O relato de experiência enfatiza o trabalho com valores ou direitos humanos na escola pública, aspecto que o Programa em sua totalidade mostra ser importante e que tem resultados positivos. Contudo, não podemos restringir a reflexão ética e política à esfera pública, uma vez que a violência entre jovens de classe média, que estudam em escolas privadas é freqüente, como o episódio da empregada doméstica que foi agredida enquanto esperava um ônibus para ir ao médico. Os agressores justificaram seu ato afirmando pensar que ela fosse uma prostituta, mostrando, assim, a desconsideração pelo ser humano. Esse não foi um caso isolado, outras prostitutas sofreram agressões tanto pelo grupo preso quanto por outros jovens também de classe média (GAROTA..., 2007 e JOVENS..., 2007).

Em conseqüência disso, acreditamos que a educação fundamentada nos direitos humanos pode melhorar a qualidade do ensino escolar e contribuir para a transformação da sociedade, mas não mudá-la sozinha. Há ambientes em que essa educação é imprescindível, porém, há locais que também precisam de outros investimentos, como qualificação profissional para as áreas onde há escassez de mão de obra especializada,10 a fim de que os alunos tenham condições efetivas de acreditar e de lutar por uma vida digna e uma sociedade mais justa e democrática

Quanto à atividade em sala de aula, o texto propõe a divisão dos artigos da DUDH em turmas para que desenvolvam uma expressão artística que os represente, como música, teatro, dança, pintura, expressão corporal, cinema. Sugere a exposição dos trabalhos num dia festivo, que seria “de congregamento, de alegria, mas de muito aprendizado ético, político e social” (BRASIL, 2007, p. 31 grifo nosso).

A conjunção adversativa mas deixa transparecer que o divertimento exclui o aprendizado e vice-versa; como se a proposta de expressão artística fosse um simples divertimento ou um mero aprendizado. A união entre estas duas esferas, que parecia ocorrer no início da atividade, é negada por sua continuação. E a pergunta que fazemos é: por que então enfatizar a criação artística? O que ela tem de positivo? Somente distração e atrativo para o envolvimento das crianças nas atividades?

10 Como médicos, engenheiros de produtos, especialistas no ramo sucralcooleiro. Mãos-de-obra que despende

A última atividade, deste módulo, é uma pesquisa sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), cujo fragmento está inserido no quinto módulo, com o objetivo de conhecê-lo, de perceber como a realidade que circunda a escola cumpre o Estatuto, quais dificuldades para a sua efetivação e para a elaboração de um estudo a respeito de como a comunidade e a escola “podem adaptar-se aos seus princípios”.

Percebemos que o módulo Direitos Humanos preocupou-se mais com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e com o Estatuto da Criança e do Adolescente, uma vez que possuem princípios fundamentais à humanidade do homem e à democracia social. A relação da Declaração e do Estatuto com a realidade e sua divulgação na comunidade são essenciais para traçar caminhos a fim de atingir as metas ali dispostas, para que eles ganhem sentido efetivo e não sejam tratados apenas como utopias, isto é, como sonhos que servem apenas para caminhar, conforme disse-nos Eduardo Galeano em nossa epígrafe, mas como sonhos que possam ser realizados.