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1 DA CIDADE NOVA AO CITY MARKETING

1.2 ÍCONES URBANOS E A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE

que diversas novas edificações e monumentos, inclusive aqueles de grife4, implantados na cidade, voltados para o consumidor local e para o consumidor estrangeiro, notadamente o europeu – a exemplo do Parque da Cidade, projetado por Oscar Niemeyer, que inclui o Museu da Cidade – buscam a construção de uma nova imagem, de uma marca, de uma identidade para Natal, considerada aqui no sentido

4 Entende-se como monumentos de grife aqueles projetados por arquitetos e designers de renome

empregado por Lynch (2005, p.18) da diferenciação pela “individualidade ou particularidade” através de projetos únicos, embora existam similaridades na tendência observada nas iniciativas adotadas por outras cidades, tais como: a construção do Centro Cultural Dragão do Mar, em Fortaleza; e a recente recuperação da zona portuária do Recife com vistas à recepção de visitantes para a Copa do Mundo de Futebol de 2014.

Conforme Brandão, P. (2011, p.62), a elaboração de marcas que identifiquem uma cidade é, com frequência, “[...] invocada nos projetos urbanos, seja no desígnio de respeitar contextos e continuidades, seja, pelo contrário, no de facilitar a adesão das populações à inovação que tais projetos possam conter”. Afirma ainda que é difícil determinar o que faz a identidade e uma localidade, mas se refere à uma certa “[...] ambição de uma marca ou imagem [...]” como um dos fatores que determinam a existência de uma identidade local.

Percebe-se que a elaboração de uma identidade para Natal parece ter origem mais na falta desta do que na superação de marcas desgastadas, obsoletas. No entendimento de Gomes Neto (2011, p.41), de certa forma, ocorre na população em geral a percepção de que inexistem elementos socioculturais genuinamente natalenses, e que, pela importância da capital, uma identidade para Natal poderia ser uma identidade para todo o estado. Portanto, viria a suprir uma lacuna percebida pela população em geral que não se reconhece com traços peculiares, principalmente quando elaboradas as comparações com outras cidades e estados brasileiros. Desta forma, entende-se que a cidade de Natal tem se apoiado na restauração de edificações históricas e na construção de edificações e monumentos icônicos, desta feita transformados em mercadorias, que intentam aglutinar os valores da sociedade de consumo, tida como base das cidades globais – e das suas replicações mundo afora – numa perspectiva que inclui fortes repercussões na vida da coletividade, nos seus mitos e nos seus costumes, produzindo novas formas de aproximação entre os cidadãos e as estruturas urbanas novas e antigas e as novas marcas da cidade.

Neste estudo, considera-se como edificação qualquer construção que abrigue e/ou sirva às atividades humanas, tais como: shopping centers, condomínios verticais, hotéis, infraestruturas urbanas, dentre outros. Os monumentos são qualificados conforme Schneider (2005, p.26), que afirma que: “A verdadeira essência do monumento está relacionada diretamente com a memória e com o tempo vivido, caracterizando a natureza afetiva de uma sociedade, ou determinada cultura, com o

artefato produzido”. Afirma ainda o autor que essa definição perdeu ao longo do tempo seu sentido original, e que monumento hoje na arquitetura pode ser considerado como todo e qualquer edifício ou obra que se caracterize pela grandiosidade e que seja representativo de determinados fatos e acontecimentos históricos. Tais aspectos manifestam-se através das suas qualidades estéticas ou formais, que impressionam o observador pelo que representam e pelo que são. Essas construções, para ter o condão de conferir uma identidade à cidade, devem ser icônicas, ou seja, devem causar impacto “[...] seja por sua localização estratégica, visibilidade, escala, forma, aparência, monumentalidade ou uso. Ícone é aquela construção que, desde a sua concepção, vem causar alguma expectativa em relação à sua implantação”. (HAZAN, 2003, p.01). É o que convencionou-se chamar de espetacularização da cidade, termo inspirado em Debord (2003, p.18) que afirma:

Na forma do indispensável adorno dos objetos hoje produzidos, na forma da exposição geral da racionalidade do sistema, e na forma de setor economicamente avançado que modela diretamente uma multidão crescente de imagens-objetos, o espetáculo é a principal produção da sociedade atual.

Convém afirmar que existem construções que não foram idealizadas para se tornarem ícones. Entretanto, foram apropriadas pelo discurso político, pela doutrina religiosa, pelo capital, pelos cidadãos e/ou pela mídia como tal. Essas construções, de alguma forma, passaram a ser enxergadas como icônicas e se tornaram marcos representativos das cidades onde foram edificadas. Entende-se que é importante salientar nesse ponto a importância fundamental dos monumentos e edificações icônicos para o desenvolvimento urbano das localidades – na visão de alguns autores – para que não se tenha dúvidas sobre as razões que conduziram a presente pesquisa e sua importância para o entendimento da paisagem urbana contemporânea.

Para Rossi (1985 apud Arantes, O., 1995, p.135-136), os monumentos tem um papel fundamental na ordenação da cidade, conformando “fatos urbanos primários”, “núcleos mais sólidos” no tecido, tanto como polos dinamizadores de operações racionais, como também partes componentes para entendimento e apreensão do todo urbano. Além disto, os núcleos monumentais, quer sejam prédios isolados, conjuntos arquitetônicos ou mesmo planos urbanísticos, seriam também “motivos construtivos” que desempenhariam um papel central no desenvolvimento das cidades. “Num certo sentido, o monumento resume todas as questões urbanas importantes – na

observação de Rossi – quando, por sua beleza, transcende as exigências econômicas e práticas.” Para Rossi, o monumento, mesmo que tenha sua função modificada, seu uso alterado, se mantém como referência básica do conjunto arquitetônico e, consequentemente, de toda e qualquer intervenção que por acaso venha a ocorrer.

Benévolo (2007, p.36), ao reconhecer a importância da paisagem construída – antiga ou nova – e ao descrever os esforços dos europeus pela restauração e conservação do seu patrimônio arquitetônico, levando em conta que este patrimônio pode ter um valor de uso contemporâneo muitas vezes diverso do uso original, afirma que passados os anos 70 “[...] aprendeu-se a respeitar e restaurar, juntamente com o patrimônio antigo, também a melhor parte do patrimônio recente, à qual é confiada a identidades das cidades”. Confere aos monumentos, portanto, a capacidade de identificar as localidades em que pesem as transformações ditadas pela contemporaneidade e as iniciativas de restauro que podem dotar as edificações de novos usos.

Calvino (1990), que exprime toda sua imaginação, seus sonhos, suas vivências e suas teorias através da invenção de cidades imaginárias, invisíveis, lança mão, para descrever cada lugar, da arquitetura dos monumentos para fazer mergulhar o leitor no seu sonho onírico. Carrega as cidades de símbolos que permitem ao viajante hipotético reconhecê-las – ou reconhecer-se na cidade. Neste caso, os monumentos revelam que cada pessoa, cada visitante, tem em mente uma cidade exclusivamente sua, feita de diferenças que se constituem na cidade particular de cada estrangeiro de acordo com suas experiências pessoais e expectativas. Afirma ainda Calvino (1990, p.34):

Quem viaja sem saber o que esperar da cidade que encontrará ao final do caminho, pergunta-se como será o palácio real, a caserna, o moinho, o teatro, o bazar. Em cada cidade do império, os edifícios são diferentes e dispostos de maneiras diversas; mas, assim que o estrangeiro chega à cidade desconhecida e lança o olhar em meio às cúpulas de pagode e claraboias e celeiros, seguindo o traçado de canais hortos depósitos de lixo, logo distingue quais são os palácios dos príncipes, quais são os templos dos grandes sacerdotes, a taberna, a prisão, a zona.

Davis (1993) vê na edificação de certos monumentos contemporâneos, tais como a Biblioteca Regional Frances Howard Goldwyn em Hollywood, projetada por Frank Gehry, um reflexo da militarização e da negação dos espaços públicos na cidade de Los Angeles. A arquitetura, segundo o autor, pode ser utilizada para a

construção de fortalezas urbanas com fins ideológicos de segregação e repulsão das populações pobres. Já para Koolhaas (2006), a arquitetura monumental dos edifícios tecnológicos da sua Cidade Genérica apresenta uma profusão de cores, além de ser bela, por definição. É pós-moderna e na sua grande diversidade “[...] quase conseguiu, pelo menos, fazer da variedade algo normal: banal, ao contrário do esperado, é a repetição que se tornou incomum, portanto, potencialmente ousada e estimulante”5. (KOOLHAAS, 2006, p.52). O monumento aqui é visto como uma das características de uma cidade que simplificou sua identidade a ponto de perdê-la, que pode existir em qualquer lugar, em qualquer parte do mundo.

Diversos outros autores exploram o tema correlacionando a produção das edificações e monumentos às questões de identidade do lugar e à produção arquitetônica contemporânea. Dentre eles, podem ser citados: Arantes, O. (2012, 2011, 2002); Muxí (2004); Shibaki (2010); e Valença (2010). Percebe-se, então, que as edificações e monumentos são elementos multifacetados que constituem a paisagem urbana de diversas cidades e que têm o poder de: dotar o lugar de uma carga simbólica que pode ser absorvida por cada observador segundo suas experiências e expectativas; interferir na dinâmica social, quando promovem a segregação e a exclusão de parcelas das populações atingidas; provocar impactos no conjunto arquitetônico do seu entorno, interferindo nas ações que venham a acontecer com vistas a intervenções nesses sítios; conferir às localidades uma identidade, ou homogeneizá-las pela repetição do modelo.

No escopo da presente pesquisa, entende-se que as edificações e os monumentos configuram-se na consagração de uma produção arquitetônica e de um momento histórico no qual a cidade de Natal buscou a construção de uma identidade e de uma estratégia rentista que a diferenciasse mas, simultaneamente, a fizesse aproximar-se dos modelos bem sucedidos de outras cidades com ambições semelhantes. As construções novas e as restaurações resultaram, portanto, de uma nova forma de encarar as questões postas pela nova economia cultural voltada, no caso de Natal, para a indústria do entretenimento com bases no turismo. Trata-se da superação do espaço vivido pelo espaço produzido, do espaço vinculado às práticas sociais pelo espaço relacionado à nova economia do lazer e da valorização do

5 Do original, em espanhol: [...] casi logra, al menos, hacer de la variedade algo normal: banalizada, al

revés que la repetición lo que se há vuelto inusual y, por tanto, potencialmente audaz y estimulante. Tradução de Luciano Barbosa.

patrimônio construído. Passa-se a dar mais importância à imagem produzida pela cidade e menos ao processo de construção do lugar.

Levadas em conta todas as considerações já elencadas, considerou-se no presente estudo, como já relatado, os monumentos e as edificações que no contexto do desenvolvimento urbano tenham contribuído para a espetacularização da cidade de Natal, bem como para imprimir-lhe uma marca. Como será visto logo adiante, as transformações pelas quais diversas cidades pelo mundo têm passado têm como lastro o PE para as cidades, o city marketing e a arquitetura contemporânea, que buscam promover as cidades a atuarem como protagonistas de suas próprias histórias na contemporaneidade.

2

A PROMOÇÃO DAS CIDADES AO PROTAGONISMO URBANO

As cidades têm cada vez mais assumido o protagonismo no que se refere à vida política, econômica e cultural, articulando sociedade civil e forças políticas, em busca de novas soluções para as crises urbanas e para os desafios resultantes da globalização, em diferentes partes do mundo, configurando um fenômeno que Sassen (1996, p.66) apresenta como a dimensão política das mudanças econômicas ocorridas na estrutura econômica global a partir dos anos 1960, no que concerne à relação entre cidade e Estado-nação.

Esse posicionamento de destaque das cidades se deve a diversos fatores, dentre os quais podem ser destacados:

a. O crescimento populacional das cidades.

b. A influência cultural e econômica que passaram a representar.

c. A limitação da capacidade de ação do Estado-nação diante da crise fiscal e dos fluxos internacionais da globalização econômica e financeira.

d. A fragilidade e a incapacidade do Estado-nação em responder às novas realidades postas pelas novas tecnologias dos meios de comunicação e a cultura informacional e, em oposição, a rapidez com que as cidades respondem a esses desafios.

e. A nova competitividade do capital, que não respeita fronteiras nacionais e busca, nas cidades, novos polos produtivos como pontos nodais onde encontra insumos adequados aos seus sistemas de produção de bens e serviços. Esses pontos nodais são denominados hoje, em sua patente máxima, de “cidades globais”, que se mostram no topo da hierarquia dos centros urbanos, notadamente as grandes cidades norte-americanas e as europeias, além de Tóquio. São grandes centros concentradores de uma complexa rede de atividades econômicas, de uma avançada tecnologia informacional e de um sofisticado setor de serviços. Esses nódulos globais estabelecem uma complexa rede de interdependência mundial, que envolve cidades de médio porte, no contexto de uma reorganização das atividades econômicas e de um novo alinhamento, no qual as

diversas cidades devem dispor de certos atributos de interesse do capital transnacional. (ROOST e SASSEN, 1999; SASSEN, 1996)

Esse diagnóstico afeta, mais ou menos, uma ou outra cidade e, por isso, deve considerar os diversos níveis de desenvolvimento nos quais as cidades se encontram e a sua inserção nos mercados globais. Essa nova realidade tem levado diversas cidades de diversos países, inclusive brasileiras, a buscar, na produção arquitetônica contemporânea, no PE e no marketing, instrumentos mais adequados a dar respostas aos movimentos provocados pela globalização da economia, notadamente no que se refere aos fluxos de capitais, em particular os turísticos e de realização de grandes eventos.

Analisando criticamente os esforços pelas renovações e transformações urbanas em diversas cidades norte-americanas, especialmente em Baltimore, numa análise seminal crítica, Harvey (2006, p.89-92) afirma a importância dos projetos urbanos e arquitetônicos para o sucesso dessas iniciativas, bem como a busca das localidades pela construção de imagens positivas “[...] e de alta qualidade de si mesmas”. Diz ainda, referindo-se a Baltimore e suas renovações e eventos espetaculares, que: “Uma arquitetura do espetáculo, com sua sensação de brilho superficial e de prazer participativo e transitório, de exibição e de efemeridade, de

jouissance, se tornou essencial para o sucesso de um projeto dessa espécie [...]”. (Harvey, 2006, p.91)

Desta forma, através da espetacularização da arquitetura, da renovação dos espaços urbanos e da promoção dos grandes eventos, as cidades têm se convertido em pontos nodais, mais adequados às novas formas de reprodução do capital, criando uma nova base econômica para as localidades. Hall (1988, p.412), numa análise sobre as fórmulas adotadas por cidades norte-americanas, nos anos 1970, com vistas à recuperação econômica através de novas funções para a “cidade-base” que perdia sua indústria manufatureira, afirma sobre o fenômeno das revitalizações urbanas que:

Yuppies, ou jovens profissionais urbanos – a palavra começou a circular no início dos anos 80 – elitizariam as degradadas áreas residenciais vitorianas próximas do centro e injetariam seus dólares em butiques, bares e restaurantes restaurados. Por fim, a cidade restaurada tornar-se-ia efetivamente importante atração para turistas que proveriam o município de uma nova base econômica.

Pelo que se percebe, o autor identifica nas cidades norte-americanas um novo direcionamento para o planejamento urbano. Essa nova direção adotada continha na sua essência elementos do empreendedorismo que a partir de então seria adotado pelas cidades norte-americanas, como, por exemplo, uma sagaz e bem estabelecida administração municipal como no caso de Baltimore, o que pôde também ser observado em Boston. (HALL, 1988, p.413)

Tal personalismo e caráter dos administradores locais, pelo que se percebe, foram fundamentais à implementação do empresariamento urbano e ao sucesso dessa nova forma de encarar o planejamento das cidades. Este período de crises e de busca de novas soluções para os problemas advindos com o declínio do Fordismo e da indústria manufatureira nos países centrais, notadamente os anos 1970 e 1980, ao que parece, deflagra e populariza o PE como ferramenta importante no estabelecimento das coalisões em torno do papel de protagonistas que passam a desempenhar as grandes e médias cidades. Estabelece também a construção de identidades como facilitadoras das transformações necessárias aos processos colocados pelas novas questões urbanas.

Neste estudo, adotou-se a conceituação de Lopes (1998) para o PE, que é definido como o processo de planejamento participativo para construção da identidade de uma cidade, com vistas ao enfrentamento dos desafios postos pela globalização e pela competição interurbana. Prefeitos e agentes públicos e privados, de um modo geral, e nem sempre de forma participativa, têm buscado essa construção de identidades visando inserir suas cidades no jogo da competitividade global em busca de investimentos e de uma nova imagem que as promova no mundo através do binômio PE-marketing urbano.

Mas o que tudo isto significa? De que forma o PE e o marketing urbano se tornaram a panaceia para todos os problemas urbanos das grandes e médias cidades mundo afora? Qual o significado disso tudo para Natal? É o que se pretende entender com a discussão dessas questões, através de revisão teórico-conceitual abordando diversos autores que tratam dos temas relativos ao novo protagonismo das grandes cidades.