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1 DA CIDADE NOVA AO CITY MARKETING

3.1 OS ATRIBUTOS VENDÁVEIS

Entende-se que edificações e monumentos podem conferir atributos às cidades tornando-as vendáveis sob o ponto de vista desse novo empreendedorismo urbano. Percebe-se também que os investimentos em monumentos e edificações no município de Natal podem ter sido motivados por um desejo de diferenciá-la de outras cidades, no sentido de buscar atrair o fluxo turístico e de investimentos, revelando-se como

uma forma de conquistar uma ampla adesão social, o que se considera como parte da espetacularização dos empreendimentos urbanos, condição necessária e indispensável ao sucesso dos planos, como visto anteriormente. Em Natal (2000), observa-se a preocupação dos planejadores com o aspecto relativo aos atributos vendáveis quando dizem que:

Do ponto de vista estratégico, enfim, é fundamental apontar para a importância política de se desenvolver o turismo cultural, envolvendo desde as atividades de restauração de logradouros e edifícios históricos, a dinamização de museus como espaços didático-culturais, a sinalização cultural de todo o sítio histórico, a disseminação e popularização da memória da cidade e seu entorno, entre outras ações destinadas ao fortalecimento da identidade cultural do povo potiguar. Esta é, sem dúvida, a principal diretriz no que se refere à consolidação da cidade do Natal como destino turístico.

Sánchez (1999, p.124), referindo-se a este fenômeno de forma geral, diz que novas estruturas urbanas desse tipo representam para as cidades elementos de coesão patriótica e que o “lançamento de novidades” passa a fazer parte do imaginário dos cidadãos, “[...] que esperam com ansiedade e recebem com curiosidade as inovações, com uma aparente aprovação consensual delas”. Essas novidades urbanísticas e arquitetônicas, inclusive as renovações, têm sido parte da rotina da cidade de Natal nos últimos 30 anos.

Desde a inauguração da Via Costeira, no início dos anos 1980, passando pela construção da Ponte Newton Navarro nos anos 2000, até a conclusão das obras do estádio Arena das Dunas, foram diversos os lançamentos que fazem (ou fizeram) parte do imaginário da população local. Sanchez (1999, p.124) argumenta que esse tipo de empreendimento se constitui em “[...] marcos representativos, espetacularizados, da ‘cidade que não para de inovar’ [...]”. Aqui a autora refere-se à cidade de Curitiba, mas bem poderia estar fazendo alusão a Natal. Ao registrar a inauguração da Ponte Newton Navarro, em 2007, o jornal Tribuna do Norte10 (21 de novembro de 2007) elaborou o seguinte texto:

Observando o público era possível ver alguns apontando para a ponte, admirados com o desenho sinuoso da gigantesca estrutura. ‘É muito bonita. E vai ser muito importante pra gente’, exclamou o estudante Rafael da Silva, de 17 anos, que veio de Parnamirim com a família. Ele conta que todos saíram do município para ver a nova ponte.

10 Deste ponto em diante, as citações às matérias não assinadas publicadas em jornais, impressos ou

eletrônicos, serão feitas mencionando o nome do jornal seguido da data de publicação. Já as matérias assinadas, serão citadas pelo nome do jornalista autor do texto seguido do ano da publicação.

Uma da vozes, portanto, que ecoam na cidade os slogans e apelidos da citada ponte: A Ponte de Todos; a ponte que vai unir Natal de norte a sul; e outros atribuídos pela população ou mesmo pelo poder público. Este é o apelo ao patriotismo de cidade de que se falou anteriormente, que não admite críticas e que busca o consenso entre os cidadãos, desconsiderando outras versões que não aquelas adequadas à implementação das diretrizes adotadas pelos gestores públicos e pela iniciativa do capital, notadamente o imobiliário e o da indústria do turismo.

Neste escopo, Debord (2003, p.14) faz uma crítica incisiva ao espetáculo como ferramenta pela busca ao consenso quando diz:

O espetáculo é ao mesmo tempo parte da sociedade, a própria sociedade e seu instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade, o espetáculo concentra todo olhar e toda consciência. Por ser algo separado, ele é foco do olhar iludido e da falsa consciência; a unificação que realiza não é outra coisa senão a linguagem oficial da separação generalizada.

Ou seja, retoma-se aqui a crítica anteriormente vista ao caráter excludente do PE, quando se percebe que a busca pelo discurso unificado certamente exclui os discordantes, os não patriotas, causando uma separação entre este grupo e aqueles cooptados pelo discurso estrategicamente elaborado. Ao impregnar de ideologia suas realizações em concreto e aço, os gestores tentam, pragmaticamente, passar à população uma visão de como fazer a cidade, de como construí-la de forma coerente e harmônica, embora tais conceitos façam parte muito mais do ideário das elites políticas e econômicas, do que da coletividade. No discurso de inauguração da citada Ponte, arquétipo e emblema de uma infraestrutura utilizada e explorada politicamente, a então governadora Wilma de Faria11 (2003-2010) afirmou, segundo reportagem do site de notícias nominuto.com, assinada por Alexandre (2014):

Somente em um instante a governadora deixou de lado a diplomacia e partiu para o ataque. Foi quando se referiu aos críticos da obra. Um recado com endereço certo para a oposição. “Uns poucos fizeram muito barulho, não sei se por inveja ou só por ser do contra”, alfinetou. E, dirigindo-se às pessoas que acompanhavam a solenidade, arrematou: “O importante é que nós vencemos, vocês venceram”. Em seu discurso, a governadora declarou que vê na ponte Forte-Redinha mais que uma obra de engenharia. “A ponte representa a busca por justiça social e pela melhoria da qualidade de vida do povo”. Em seguida, disse que não é a “dona” da ponte. “A obra não é minha é de todos vocês”.

Nesta perspectiva de construção do discurso político hegemônico, vencedor, que busca a coerência, a harmonia e, por que não, a cumplicidade popular, enxergadas numa paisagem estrategicamente construída, e considerados os aspectos da gestão urbana voltados para a atração do visitante, observa-se também o marketing da qualidade de vida, que se destaca como um dos atributos apresentados pelas cidades para que se qualifiquem como jogadoras nos cenários nacional e internacional da competição urbana, o que pode ser confirmado nas afirmações de Compans (1999, p.93), que indicam que as cidades são pontos nodais para o capital internacional, que busca, para instalar-se, qualidade de vida, infraestrutura de comunicações e serviços, entre outras facilidades. Diz ainda a autora que os atores políticos e econômicos locais

[...] deverão elaborar uma estratégia de antecipação aos novos requerimentos da economia global e da competitividade internacional, promovendo transformações na infraestrutura urbana, na qualidade de vida e na formação de recursos urbanos, aliada a uma estratégia de marketing urbano que promova a cidade no exterior.

Observa-se, empiricamente, que o marketing promovido pela cidade de Natal tem enfatizado a qualidade de vida como ponto forte de atração tanto para o capital estrangeiro como para o turismo nacional e internacional, buscando transformar Natal num ponto nodal diferenciado dentre as diversas capitais turísticas brasileiras. Lopes (1998, p.40-42) classifica as grandes metrópoles e as metrópoles regionais como “cidades nódulos”, caracterizadas pelas diferentes especializações na produção de bens e serviços, pelos diferentes níveis de inserção na economia global. Numa das classificações, destaca:

As cidades nódulos de mercados especializados integram-se através de vocações orientadas para o consumo como, por exemplo, Las Vegas e Monte Carlo, como centros de entretenimento e jogo; Cannes, Honolulu, Orlando, Punta del Leste e Cabo Frio, como centros de turismo temporário e permanente; Tampa e Nice como residência de aposentados; e várias outras. (LOPES, 1998, p.41)

A cidade de Natal, também chamada de Cidade do Sol, na busca por tornar-se uma dessas cidades nódulos, pelo menos em termos regionais, é oferecida como mercadoria da forma como Vainer (2002, p.78) nos apresenta:

Talvez esta seja, hoje, uma das ideias mais populares entre os neoplanejadores urbanos: a cidade é uma mercadoria a ser vendida, num mercado extremamente competitivo, em que outras cidades também estão à venda. Isto explicaria que o chamado marketing urbano se imponha cada vez mais como uma esfera específica e determinante do processo de planejamento e gestão das cidades.

Em relação ao patrimônio material e imaterial, identificado como importante aspecto incorporado ao marketing urbano produzido pela cidade de Natal, percebe-se que tem se intensificado, nos últimos anos, ações no sentido de preservar e revitalizar seus prédios e sítios de valor histórico e arquitetônico. Dentre as iniciativas levadas a cabo, com ou sem a participação dos governos estadual e federal, podem ser citadas: a revitalização do Bairro da Ribeira, o segundo bairro mais antigo de Natal; a recuperação de prédios do chamado Corredor Cultural12 e outros localizados em outros pontos da cidade; o incentivo ao turismo nos bairros da Cidade Alta e Ribeira; programas de registro e classificação das edificações e monumentos, como o Programa Monumenta do Ministério da Cultura, implementado localmente pela Fundação José Augusto; e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Cidades Históricas13. São, de fato, medidas objetivas que tiveram maior ou menor êxito, mas que caracterizam a valorização do patrimônio arquitetônico da cidade em que pese todas as ameaças que pairam sobre este patrimônio.

Nesta pesquisa, que tem como objeto de estudo os monumentos e as edificações, os aspectos da qualidade de vida e do patrimônio cultural material serão considerados como parte do contexto geral do city marketing; entretanto, ênfase será dada ao objeto arquitetônico.

3.2 OS PLANOS E PROJETOS ESTRATÉGICOS ELABORADOS PARA A REGIÃO