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O ônus da prova no processo penal brasileiro, regra geral, recai sobre a parte que fizer a alegação, de acordo com artigo 156 do código de processo penal. Neste viés, o ônus da prova deve ser entendido como encargo, trata-se da responsabilidade de provar a materialidade e a autoria do delito. Portanto, a prova é um ônus processual.

Verifica-se que o ônus da prova no processo penal é para delimitar a responsabilidade de quem caberá a apresentação das provas ao magistrado e, no modelo processual penal brasileiro, e baseado no sistema processual penal acusatório, convenciona-se que cabe às partes o ônus da prova.

Nos ensinamentos de Aury Lopes Júnior, a responsabilidade sobre a veracidade dos fatos é função de quem acusa, ou seja, quem imputa fato ou algo a alguém é quem deve apresentar as provas que sustentaram tais alegações. (LOPES JR, 2014).

“Destaca-se que “no processo penal, não há distribuição de cargas probatórias: a carga da prova está inteiramente nas mãos do acusador, não só porque a primeira afirmação é feita por ele na peça acusatória (...) mas porque o réu está protegido pela presunção da inocência”. (LOPES JR, 2014, p. 398).

Nos ensinamentos de Eugênio Pacelli de Oliveira, “o juiz não tutela e nem deve tutelar a investigação. A rigor, a jurisdição criminal somente se inicia com a apreciação da peça acusatória (arts. 395 e 396 CPP)”. (PACELLI, 2017, p. 178).

Entretanto, segundo a redação do art.156 do CPP, o juiz pode determinar de ofício a produção de prova, quais sejam: a produção antecipada de prova, mesmo durante a fase preliminar investigativa, desde que seja necessário adequado e proporcional e haja urgência e relevância e pode determinar, bem como a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante, no curso do processo, conforme segue na íntegra:

Art.156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:(Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) .

I– ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e

proporcionalidade da medida;(Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008). II–determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008). (BRASIL.)Decreto-lei nº 3.689, de 1941).

No entanto, a constitucionalidade do artigo 156 do Código de Processo Penal é segundo Nestor Távora, questionada por parcela da doutrina, que afirma que o mesmo infringe o sistema acusatório adotado no ordenamento jurídico brasileiro e é incompatível com o princípio da imparcialidade. (TÁVORA; ALENCAR, 2017).

Segundo Eugênio Pacelli de Oliveira (2017), a atual redação do art. 156 I, do CPP, em que prevê que poderá o juiz, de ofício, ordenar mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, configura-se retrocesso, quase inacreditável, é também inaceitável e que a inconstitucionalidade é patente, alega que não poderá o juiz desnivelar as forças produtoras de provas no processo penal, sob pena de violar os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Assim, diante desse raciocínio, sustenta Aury Lopes Junior (2014), ao abordar que a iniciativa probatória do juiz infringi o princípio da imparcialidade e que deste modo a gestão das provas devem estar nas mãos das partes, preservando assim a imparcialidade do juiz.

Para Paulo Rangel é inadmissível o juiz que produz a prova ser o mesmo que julga, “portanto, não há que se aplicar no processo penal, os poderes instrutórios do juiz como se faz no processo civil. Poder instrutório é um disfarce do sistema inquisitivo dentro do acusatório”. (RANGEL, 2014).

Assim, para a doutrina majoritária brasileira, o art.156, I, CPP, que confere os poderes instrutórios ao juiz é inconstitucional, vez que além de ferir o sistema acusatório previsto na constituição, viola diretamente o princípio da imparcialidade, igualdade entre as partes, contraditório e ampla defesa.

4 A QUESTÃO DAS PROVAS NOS CRIMES SEXUAIS

A atividade probatória é função fundamental a fim de que se alcance uma efetiva prestação jurisdicional do Estado, sendo imprescindível que o operador do direito utilize de meios válidos, necessários e adequados para que se concretize a tutela jurisdicional.

A prova dos crimes sexuais, principalmente em relação ao crime de estupro, é feita essencialmente com o exame do corpo de delito, caracterizando por corpo de delito a materialidade do crime.

Para Tourinho Filho (2009, p. 256), quando a infração deixa vestígios, é necessário o exame de corpo de delito, isto é, a comprovação dos vestígios materiais por ela deixados torna-se assim indispensável.

Neste sentido é o disposto no art.158 do CPP que afirma que nestes casos em que a infração deixar vestígios não pode a confissão do acusado suprir o exame de corpo de delito, como já ressaltado, a confissão não se presta a este propósito, por expressa vedação legal.

O corpo de delito “é o conjunto de vestígios materiais deixados pela infração penal, seus elementos sensíveis, a própria materialidade, em suma, aquilo que pode ser examinado através dos sentidos”. (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 667).

Todavia nem sempre os crimes sexuais, dentre eles o estupro deixa vestígios, seja porque levou ao conhecimento da autoridade policial após muitos dias da ocorrência policial ou porque, por sua natureza, não restaram elementos a serem analisados como vestígios do crime.

Exemplifica Capez (2012, p. 39) que na hipótese de tentativa, em que não chega a haver conjunção carnal, dificilmente restam elementos a serem periciados junto à ofendida, e, mesmo havendo consumação, os resquícios podem ter desaparecido com o tempo, ou podem nem sequer ter ocorrido como na hipótese de mansa submissão após o emprego de grave ameaça, ou ainda quando não há ejaculação do agente. Pode ainda estarem ausentes as marcas de resistência, tendo em vista por exemplo quando a pessoa atacada entra em choque.

Ainda nos casos de prática de atos libidinosos, que sãoos atos de natureza sexual, diversos da conjunção carnal, que tenham por finalidade satisfazer a libido do agente, estes não deixam vestígios, tendo em vista que o sexo oral ou até mesmo o contato da boca com os seios que podem caracterizá-lo, não deixam marcas.

Há, ainda, casos em que, logo após o ato sexual (conjunção carnal forçada), por nojo e para higienizar-se, a vítima toma banho antes mesmo de oferecer a denúncia, eliminando eventuais provas periciais que possam ser feitas a fim de analisar o DNA.

A respeito do tema, a Lei nº 12.654/12, inovou no ordenamento pátrio, em alterou a Lei de Execução Penal, passando a vigorar o art. 9º-A, que dispõe sobre a identificação do perfil genético, conforme se segue:

Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor. (BRASIL, Lei 7.210/84).

Portanto, com a alteração legislativa, passou-se a prever a obrigatoriedade da identificação do perfil genético pelo DNA para crimes dolosos com grave violência ou hediondos.

Para Aury Lopes Junior (2009), a norma viola em princípio que o acusado não é obrigado a produzir ou deixar que produzam prova contra si mesmo com base na interpretação brasileira do Princípio Nemo Tenetur se Detegere, conforme segue:

Se no processo civil o problema pode ser resolvido por meio da inversão da carga da prova e a presunção de veracidade das afirmações não contestadas, no processo penal a situação é muito mais complexa, pois existe um obstáculo insuperável: o direito de não fazer prova contra si mesmo, que decorre da presunção de inocência e do direito de defesa negativo (silêncio). (LOPES JR, 2009, p. 567).

A prova testemunhal nos crimes sexuais também é escassa, tendo em vista que normalmente os crimes sexuais ocorrem às escuras, de maneira clandestina e sem a presença de testemunhas.

Portanto, vale ressaltar que a palavra da vítima nos crimes sexuais merece relevância e conforme leciona Rogério Greco “a falta de credibilidade da vítima poderá, portanto, conduzir

à absolvição do acusado, ao passo que a verossimilhança de suas palavras será decisiva para um decreto condenatório”. (GRECO, 2010, p. 595).

Vasta jurisprudência considera a palavra da vítima como relevante na carga probatória dos delitos sexuais.

O STJ se posiciona sobre a palavra da vítima ter especial relevância, conforme segue:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. CONDUTA DE AGARRAR MENOR DE 14 ANOS, APALPAR-LHE OS SEIOS E AS NÁDEGAS, MORDER-APALPAR-LHE A ORELHA E TENTAR

BEIJÁ-LA. INTUITO DE SATISFAZER A

LASCÍVIA. RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA. AGRAVO NÃO

PROVIDO. 1. Adequar a classificação de conduta fartamente descrita no acórdão recorrido não implica reexame de provas. 2. "Nos crimes contra os costumes, a palavra da vítima é de suma importância para o esclarecimento dos fatos, considerando a maneira como tais delitos são cometidos, ou seja, de forma obscura e na clandestinidade." (AgRg no AREsp 652.144/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 11/06/2015, DJe 17/06/2015) 3. Os atos praticados pelo agravante, consistentes em agarrar uma menor, passar as mãos nas nádegas e seios, ao mesmo tempo em que lhe morde a orelha e tenta beijá-la, denotam claramente o intuito de satisfazer a lascívia. 4. Agravo regimental não provido. (STJ- AgRg no REsp 1622491/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 05/10/2017, DJe 11/10/2017).

Para o relator do Agravo em recurso especial a palavra da vítima é de suma importância para o esclarecimento dos fatos, haja vista que geralmente o crime é cometido longe de testemunhas e de forma clandestina.

O STJ reitera o seu posicionamento que a palavra da vítima tem relevantíssimo valor probatório, em especial quando corroborado com outros elementos:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM

RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. 1. ALEGADA VIOLAÇÃO A

DISPOSITIVOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO CABIMENTO. 2. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. ART. 544, § 4º, II, ALÍNEA "B", DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, C.C. O ART. 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. POSSIBILIDADE. 3. SUSTENTAÇÃO ORAL EM AGRAVO REGIMENTAL. VEDAÇÃO DO ART. 159 DO REGIMENTO INTERNO DESTA

CORTE. 4. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS, DE OFÍCIO.

IMPROPRIEDADE. 5. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. ÓBICE DA SÚMULA N. 7 DESTA CORTE. 6. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. […] 5. A alegada insuficiência probatória para condenar o agravante pelo crime de estupro demanda incursão no material fático dos autos, o que é vedado pelo óbice da Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça.6. Ademais, com relação à palavra da vítima, esta Corte decidiu que, em se tratando de crimes contra a liberdade sexual, que geralmente são praticados na clandestinidade, ela assume relevantíssimo valor probatório, mormente

se corroborada por outros elementos, como na hipótese. 7. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 608.342/PI, Rel. Ministro WALTER DE ALMEIDA GUILHERME (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), QUINTA TURMA, julgado em 03/02/2015, DJe 09/02/2015).

Percebe-se que o STJ é pacífico, em se tratando de crimes contra a dignidade sexual, por serem praticados às ocultas e sem testemunhas no geral, as declarações da vítima reveste-se de especial importância, sendo considerada de grande valor probatório.

Sobre as declarações da vítima Bittencourt (2010) destaque que para que haja crédito, a palavra da vítima deve se dar de modo firme e coerente sempre que for ouvida. E faz uma ressalva que a convicção do depoimento aumenta sua credibilidade, mas não exclui o confronto com as demais circunstâncias, para encontrar-se algum apoio, ao menos conjectural.

Em todos os casos, o judiciário encontra um grande impasse, pois ao poder basear-se apenas em dados subjetivos, pode não chegar ao que realmente ocorreu, estando, nesses casos, em confronto com a negativa do acusado e a declaração da vítima.

Neste viés, mesmo nos casos em que a vítima está disposta e denunciar seu agressor, dentre outros fatores, dentre eles a falta de preparo adequado, faz com que todo o Estado enfrente grandes problemas quando da investigação dos crimes sexuais, a fim de se buscar com maior certeza e credibilidade a autoria e materialidade dos crimes contra a dignidade sexual.