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O valor da palavra da vítima nos crimes sexuais

O estupro em sua grande maioria é praticado às ocultas, na clandestinidade, longe de testemunhas. Nesse caso como chegar à condenação do agente, quando se tem de um lado tão somente a palavra da vítima e do outro lado a negativa do suposto autor, que nega todas as acusações.

É razoável que a palavra da vítima, para que possa assumir especial relevo no cenário processual, deva estar coesa com os demais elementos de prova carreados aos autos e, em se tratando das declarações como meio de prova isolado, devem estar carregadas de verossimilhança analisando-se a credibilidade da pessoa que as presta.

Para Aury Lopes Júnior “a palavra coerente e harmônica da vítima, bem como a ausência de motivos que indicassem a existência de falsa imputação, cotejada com o restante do conjunto probatório, têm sido aceito pelos tribunais brasileiros para legitimar uma sentença”. (LOPES JR, 2014).

Destaca-se que dificilmente vítimas de delitos contra a dignidade sexual os inventam, tendo em vista que referidos crimes carregam um forte e negativo estigma social, além da vítima passar por imensurável constrangimento, vitimização por parte dos órgãos estatais, da sociedade e que inclusive tais fatores são motivos para a não revelação da conduta criminosa, sendo que apenas uma parcela dos crimes chegam a serem levados ao conhecimento da Justiça.

Sob esta ótica, nas lições de Bittencourt (1971, p. 104): “Elemento importante para o crédito da palavra da vítima é o modo firme com que presta suas declarações. Se aceita a palavra da

vítima, quando suas declarações ‘são de impressionante firmeza, acusando sempre o réu e de forma inabalável’.

Neste ensejo, é necessário que para que haja a condenação em crimes sexuais, que a palavra da vítima esteja em consonância com as demais provas, caso haja, e que estas declarações estejam pautadas de verossimilhança e coerência.

5.1.1 Entendimento dos Tribunais sobre a palavra da vítima nos crimes sexuais

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento de casos envolvendo crimes sexuais têm entendido que as declarações de vítimas de estupro ou de assédio sexual tem grande valor como prova em uma ação judicial. A justificativa seria que geralmente este tipo de crime é praticado na clandestinidade, sem a presença de testemunhas.

O tema foi reunido na “Pesquisa Pronta”, ferramenta disponibilizada no site do STJ para facilitar a pesquisa ao tema “Valor Probatório da palavra da vítima nos crimes contra a liberdade sexual” e assim é possível ter acesso a 114 acórdãos, decisões tomadas por um colegiado de ministros do Tribunal.

O STJ tem entendido, ainda, que a ausência de laudo pericial não afasta a caracterização de

estupro, visto que a palavra da vítima tem validade probante, em particular nessa forma clandestina de delito, por meio do qual não se verificam, com facilidade, testemunhas ou vestígios.

A Jurisprudência da 3ª Câmara Criminal do Paraná é clara ao dizer que o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, nem sempre deixa vestígios, o que torna desnecessária a realização de laudo pericial.

APELAÇÃO CRIME – ATENTANDO VIOLENTO AO PUDOR – AUSÊNCIA DE LAUDO DE ATO LIBIDINOSO – IRRELEVÂNCIA – CERCEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – PALAVRA DA VÍTIMA – PREEMINÊNCIA – SINTONIA COM AS DECLARAÇÕES DA MÃE DA OFENDIDA E HARMONIA COM O CONJUNTO PROBATÓRIO – PROVAS SUFICIENTES PARA EMBASAR O DECRETO CONDENATÓRIO – RECURSO DESPROVIDO – REGIME PRISIONAL – INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART.2º DA LEI Nº 8.072/90 PROCLAMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – CORREÇÃO DE OFÍCIO. O atentado violento ao pudor não é crime que necessariamente deixa vestígios, podendo ser comprovado por qualquer elemento probatório, com relevância para a palavra da vítima, prescindindo-se do exame

pericial (Mirabete). (TJ-PR – ACR: 3124312 PR 0312431-2, Relator: Mendes Silva Data de Julgamento: 09/03/2006, 3ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 7085).

Para o relator do STJ do Recurso Ordinário em Habeas Corpus é assente na jurisprudência da Corte e dos Tribunais do país que em crimes sexuais a palavra da vítima tem maior relevância quando coerente e verossímil.

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTUPRO PRATICADO

CONTRA EX-MULHER. ALEGAÇÃO DE INOCÊNCIA. ANÁLISE

PROBATÓRIA IMPRÓPRIA COM O MANDAMUS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. RÉU REINCIDENTE. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. RISCO DE REITERAÇÃO. GARANTIA DA ORDEM

PÚBLICA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA.

RECURSO IMPROVIDO. 1. A tese de ausência de indícios suficientes da materialidade consiste, na verdade, em alegação de inocência, a qual não encontra espaço de análise na estreita via do habeas corpus ou do recurso ordinário, por demandar exame do contexto fático-probatório 2. Outrossim, é assente na jurisprudência desta Corte e dos tribunais do País que, em crimes dessa natureza, à palavra da vítima deve ser atribuído especial valor probatório, quando coerente e verossímil, pois, em sua maior parte, são cometidos de forma clandestina, sem testemunhas e sem deixar vestígios. 3. A privação antecipada da liberdade do cidadão acusado de crime reveste-se de caráter excepcional em nosso ordenamento jurídico (art. 5º, LXI, LXV e LXVI, da CF (...) Precedentes.5. As condições subjetivas favoráveis do recorrente, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva. 6.

Recurso improvido. (RHC 100632 / MG

RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS

2018/0175067-9, Relator: Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Data de Julgamento: 20/092018, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/10/2018).

O relator do Superior Tribunal de Justiça enfatiza que é firme o entendimento na jurisprudência que em crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima possui especial relevância.

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO CONTRA VULNERÁVEL. PLEITO DE

ABSOLVIÇÃO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO.

IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. PALAVRA DA VÍTIMA. RELEVÂNCIA. NULIDADE. AUSÊNCIA DE INCOMUNICABILIDADE DA TESTEMUNHA. MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A Corte de origem, após acurado exame do conjunto fático-probatório dos autos, concluiu pela existência de prova apta a amparar o édito condenatório, de modo que, para afastar o entendimento do aresto recorrido, seria necessária incursão na seara probatória, vedada no âmbito do recurso especial, nos termos da Súmula 7 desta Corte. 2. É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, em crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima possui especial relevância, uma vez que, em sua maioria, são praticados de modo clandestino, não podendo ser desconsiderada, notadamente quando corroborada por outros elementos probatórios. 3. Carece o recurso especial do indispensável requisito do prequestionamento quanto à nulidade não apreciada pelo Tribunal de origem. Incidência das Súmulas 282 e 356 do STF. 4. Agravo regimental improvido.(AgRg

no AREsp 1301938 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2018/0128424-2, Relator: Ministro Nefi Cordeiro, Data do Julgamento: 18/09/2018, T6 - SEXTA TURMA, Data da Publicação: DJe 25/09/2018).

Para o relator do STJ a palavra da vítima ostenta especial relevância quando guarda perfeita harmonia e corroborada por outros elementos de prova.

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. VIOLAÇÃO DO ART. 386, VII, DO CPP. SUPOSTA ILEGALIDADE NA CONDENAÇÃO CALCADA EM DEPOIMENTO DA VÍTIMA. IMPROCEDÊNCIA. PALAVRA DA VÍTIMA QUE OSTENTA ESPECIAL RELEVÂNCIA NOS CRIMES PRATICADOS ÀS OCULTAS, MORMENTE QUANDO CORROBORADA POR OUTROS ELEMENTOS DE PROVA. PRECEDENTES DO STJ. ARESTO IMPUGNADO QUE GUARDA PERFEITA HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. TESE DE INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.Agravo regimental improvido.( AgRg no AREsp 1252820 / MS AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2018/0041400-0, Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior, Data do Julgamento: 04/09/2018, T6 - SEXTA TURMA, Data da Publicação: DJe 24/09/2018).

O STJ reitera a jurisprudência que a palavra da vítima é uma prova substancial e a falta de um laudo pericial não é decisivo para a caracterização de estupro, conforme segue:

CRIMINAL. RESP. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. ABSOLVIÇÃO EM SEGUNDO GRAU. REVALORAÇÃO DAS PROVAS. PALAVRA DA VÍTIMA. ESPECIAL RELEVO. AUSÊNCIA DE VESTÍGIOS. RECURSO PROVIDO.I. Hipótese em que o Juízo sentenciante se valeu, primordialmente, da palavra da vítima-menina de apenas 8 anos de idade, à época do fato -, e do laudo psicológico, considerados coerentes em seu conjunto, para embasar o decreto condenatório.II. Nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, a palavra da vítima tem grande validade como prova, especialmente porque, na maior parte dos casos, esses delitos, por sua própria natureza, não contam com testemunhas e sequer deixam vestígios.Precedentes.III. Recurso provido, nos termos do voto do Relator (STJ. RESP 700.800- RS. 2004/0147242-2, Relator : Ministro Gilson Dipp, Data de Julgamento: 22/03/2005, T5- Quinta Turma, Data de Publicação: DJ 18/04/2005).

A Jurisprudência do TJ-ES também coaduna que palavra da vítima é elemento probatório de grande relevância, principalmente quando corroborada com as demais provas no procedimento investigatório, conforme segue:

APELAÇÃO CRIMINAL CRIMES SEXUAIS –PROVA- PALAVRA DA

VÍTIMA-ELEMENTO PROBATÓRIO DE GRANDE RELEVÂNCIA

PRINCIPALMENTE QUANDO CORROBORADA COM AS DEMAIS PROVAS DOS AUTOS. ERRO MATERIAL – APLICAÇÃO DE PENA INEXISTENTE NA SENTENÇA – CORREÇÃO DE OFÍCIO – POSSIBILIDADE. APELOS PARCIALMENTE PROVIDOS. Tratando-se de crimes sexuais a palavra da vítima possui grande relevância, mormente quando em harmonia com as demais provas trazidas aos autos, não sendo imprescindível o exame de corpo delito. Havendo erro

material na parte da aplicação de pena da r. Sentença recorrida, cabe ao Tribunal de Justiça, em sede de apelação corrigi-la de ofício. Apelos parcialmente providos para, tão somente, excluir do “decisum” as penas pecuniárias impostas aos acusados, mantendo-se os demais fundamentos da sentença prolatada pelo Juiz de 1º grau. (TJ-ES – ACR: 12040067105(TJ-ES012040067105, Relator: ADALTO DIAS TRISTÃO, Data de Julgamento: 18/12/2006, SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação:26/02/2007).

A jurisprudência do TJ/MG afirma que os relatos firmes e coerentes da vítima, endossados pela prova testemunhal caso haja, são suficientes para comprovar a prática e a autoria do crime sexual.

ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PALAVRA DA VÍTIMA ALIADA AS DEMAIS PROVAS DOS AUTOS. MATERIALIDADE A AUTORIA COMPROVADAS. SEMI-IMPUTABILIDADE. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. CRIMES PRATICADOS DIVERSAS VEZES NO MESMO CONTEXTO FÁTICO. CONTINUIDADE DELITIVA. Nos crimes contra os costumes, os relatos firmes e coerentes da vítima, endossados pela prova testemunhal produzida sob o crivo do contraditório, são suficientes para comprovar a prática e a autoria do delito. Demonstrado nos autos a semi-imputabilidade do acusado, possível a redução da pena, nos termos do que prescreve a norma contida no parágrafo único do art. 26 do CP. Comprovado que o agente, mediante mais de uma ação, praticou dois ou mais crimes da mesma espécie, nas mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplicando-se ao caso o art. 71 do CP. (APR 10216110087485001 MG, Relator: Des. Fernando Caldeira Brant, Data de Julgamento: 07/11/2018, Data da publicação da súmula: 14/11/2018).

O relator na apelação criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, reitera que nos crimes sexuais há que se dar crédito ao depoimento da própria vítima, ainda que menor, tendo em vista a dificuldade na obtenção de prova sobre a autoria delitiva e que estes delitos são cometidos quase sempre de forma clandestina, às ocultas e longe de testemunhas.

APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ABSOLIVÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS. PALAVRA DA VÍTIMA. CREDIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. - Comprovadas a autoria e a materialidade do delito de estupro de vulnerável, pelo depoimento da vítima, corroborado por outras provas testemunhais colhidas em juízo, descabido o pedido e absolvição. - Em infrações praticadas contra a dignidade sexual, há que se dar crédito ao depoimento da própria vítima, ainda que menor, já que em delitos deste jaez, cometidos quase sempre às ocultas, mostra-se difícil a obtenção de prova sobre a autoria delitiva. - Recurso desprovido. (TJMG - Apelação Criminal 1.0394.17.008839-4/001, Relator (a): Des.(a) Doorgal Borges Andrada , 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 10/10/2018, publicação da súmula em 17/10/2018).

Neste viés, vasta jurisprudência vem admitindo a prolatação de sentenças condenatórias corroboradas tão somente na palavra da vítima, no entanto estas declarações devem estar

pautadas na verossimilhança dos relatos e a ausência de contradições que possam levar a crer em falsas imputações.