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A dificuldade probatória na palavra da vítima no estupro marital

O marido como sujeito ativo do crime de estupro durante muitos anos dividiu a doutrina, entendendo que a esposa em virtude do chamado débito conjugal era obrigada ao ato sexual se o seu marido exigisse.

Sobre o tema, Rogério Greco discorre:

A primeira corrente, hoje já superada, entendia que, em virtude do chamado débito conjugal, previsto pelo Código Civil (tanto no art. 231, II, do revogado Código de 1916, quanto no atual art. 1.566, II)., o marido que se obrigasse sua esposa ao ato sexual agiria acobertado pela causa de justificativa relativa ao exercício regular de um direito. (GRECO, 2010, p.591).

Nos dias atuais perde sentido o brocardo “débito conjugal”, em razão da revogação do art. 1566 II do Código Civil. Neste sentido, o marido somente poderá relacionar-se sexualmente com a sua esposa com o consentimento dela. Caso a esposa não queira, tal fato poderá dar ensejo à separação do casal por exemplo, mas nunca legitimará a adoção de práticas violentas ou ameaçadoras para levar à diante a relação sexual.

Nesse sentido, esclarece Sílvio Venosa:

Na convivência sob o mesmo teto está a compreensão do débito conjugal, a satisfação recíproca das necessidades sexuais. Embora não constitua elemento fundamental do casamento, sua ausência, não tolerada ou não aceita pelo outro cônjuge, é motivo de separação. (VENOSA, 2016, p. 161-162).

A dificuldade probatória consiste na mulher que acusa provar que tal crime consumou, já que a prova consistirá em provar que não desejava a relação e que o marido a coagiu à prática.

Para Nucci (2010, p. 907), a dificuldade probatória que advém de um estupro cometido no recanto doméstico, inexistindo muitas vezes, testemunhas da violência ou da grave ameaça, mas também porque singela alegação do cônjuge por ter sido vítima de estupro pode dar margem a uma vindita de ordem pessoal, originária de conflitos familiares.

Uma das questões pertinentes é analisar o tema “o consentimento do ofendido”, que afastaria a ilicitude do ato, pois uma vez que a mulher aceitasse aquela condição, desapareceria o crime.

É importante ressaltar que circunstâncias deverão ser consideradas para se apurar se houve no caso concreto resistência da vítima, revelando assim uma dificuldade na produção de provas nos delitos sexuais, se tornando ainda maior quando a vítima mantinha de alguma forma, relações de intimidade com o agente.

Nos dias atuais ainda é evidente a dificuldade que as mulheres encontram para denunciar a prática do estupro cometido por seus maridos, isso acaba gerando certa impunidade ao autor da agressão. Isso porque, muitas vezes, a mulher desconhece a criminalização desse ato na relação conjugal, e entende que a prática de ato sexual é inerente de um dever conjugal, ainda que seja forçadamente ou mesmo sem consentimento. (TEIXEIRA, 2015, p.22).

Ainda segundo Teixeira, em muitas das vezes o crime acontece no silêncio do lar e isso dificulta ainda mais pois a vítima teme em não conseguir provar o crime. As vítimas também se sentem envergonhadas em denunciar por conta da repercussão que pode gerar entre a vizinhança ou mesma entre a sociedade, sem contar que muitas mulheres se sentem retraídas em realizar a denúncia porque dependem financeiramente do marido. (TEIXEIRA, 2015, p.22).

Neste contexto, o crime de estupro, tipificado no art. 213 do Código Penal deve ser aplicado em qualquer situação onde tenha ocorrido o constrangimento no sentido de forçar, obrigar, subjugar a pessoa ao ato sexual e se relacionar com ela independente de sua vontade, sendo ela esposa ou não do agressor.

5.2.1 A possibilidade da falsa declaração

Não raras vezes, algumas das comunicações de crimes sexuais são fictícios, em que falsas vítimas se utilizam da falsa notícia de crime de estupro por diversas motivações quais sejam para se vingar do ex- companheiro que a rejeitou, justificar uma gravidez indesejada e fruto de relação extraconjugal, retaliação por contendas familiares ou outros motivos diversos.

A falsa notícia de estupro é uma realidade latente e que pode ser observada nas atividades da justiça criminal. Não há números precisos quanto a proporção dos falsos estupros, mas essa é uma realidade latente e que pode ser observada na rotina das atividades de justiça criminal. A falsa denúncia de crime, imputando-lhe falsamente fato definido como crime, pode configurar o crime de calúnia previsto no art. 130 do Código Penal, já mover a máquina pública dando causa a instauração de investigação policial, de processo judicial, sabendo que o fato é inverídico, constitui o crime de denunciação caluniosa, previsto no art. 339 do Código Penal.

A criminologia explica a possibilidade da falsa declaração através da denominada Síndrome da mulher de Potifar, em que consiste em uma teoria criminológica extraída da bíblica em que narra a história que José do Egito, quando trabalhava na casa de Potifar, era diariamente assediado pela mulher de seu patrão. Resistindo a todas as investidas da patroa, José foi acusado por ela de tentar leva-la a cama, fato que não ocorreu. (GRECO, 2013).

Desse modo, a síndrome da mulher de Potifar corresponde à figura criminológica da mulher que, ao ser rejeitada, imputa, falsamente, àquele que a rejeitou, conduta criminosa relacionada à dignidade sexual.

Masson (2017) conceitua a “Síndrome da mulher de Potifar”:

Para análise da verossimilhança das palavras da vítima, especialmente nos crimes sexuais, a criminologia desenvolveu a teoria da “síndrome da mulher de Potifar”, consistente no ato de acusar alguém falsamente pelo fato de ter sido rejeitada, como na hipótese em que uma mulher abandonada por um homem vem a imputar a ele, inveridicamente, algum crime de estupro. (MASSON, 2017, p. 28).

Para Rogério Greco o juiz deverá comprovar a verossimilhância da palavra da vítima, confome segue:

Mediante a síndrome da mulher de Potifar, o julgador deverá ter a sensibilidade necessária para apurar se os fatos relatados pela vítima são verdadeiros, ou seja, comprovar a verossimilhança de sua palavra, haja vista que contradiz com a negativa do agente. (GRECO, 2013, p.675).

Ainda para Rogério Grego (2013, p. 675): “a falta de credibilidade da vítima, poderá, portanto, conduzir a absolvição do acusado, ao passo que a verossimilhança de suas palavras será decisiva para um decreto condenatório’’.

Pelo exposto, deve ser considerado que uma condenação pautada exclusivamente na palavra da vítima nos crimes sexuais exige uma segurança notável e sem sombras de dúvidas e caso haja qualquer resquício de dúvida, o princípio do in dúbio pro reo deverá ser aplicado na prolatação da sentença.

5.3 O Reconhecimento Pessoal nos crimes sexuais e a sua credibilidade para a prolação