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4 A DIMENSÃO CULTURAL DA NATUREZA E DAS SEMENTES

5.2 A TUTELA DO PATRIMÔNIO CULTURAL NO SISTEMA JURÍDICO

5.2.2 Dos instrumentos legais disponíveis para a proteção do patrimônio cultural

5.2.2.6 Ação civil pública

A ação civil pública é regida pela Lei Federal n.º 7.347/85 e pelo art. 129, III, da

CF/88, e teve seu campo de atuação ampliado pela Lei Federal n.º 8.078/90. Destina-se à

proteção de direitos difusos

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, coletivos

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e individuais homogêneos

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.

Vale lembrar, quanto à competência para ajuizamento de ação civil pública para a

proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e

coletivos, que a legislação estende essa competência a outros órgãos públicos além do

Ministério Público.

Além de outras leis, a Lei Federal n.º 7.347/85 legitima ainda para agir na defesa do

patrimônio cultural: (a) o Ministério Público; (b) a Defensoria Pública; (c) a União; (d) os

Estados; (e) o Distrito Federal; (f) os Municípios; (g) as autarquias; (h) as empresas públicas;

(i) as sociedades de economia mista, quando defenderem interesse próprio da instituição; (j)

as fundações; (k) as associações, desde que preenchidos alguns requisitos: tenham sido

constituídas há pelo menos um ano nos termos da lei civil – requisito este que pode ser

dispensado quando houver fundado interesse social pela dimensão ou característica do dano,

ou pela relevância do bem jurídico – e ainda que incluam entre suas finalidade institucionais a

proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao

patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (BRASIL, 1985).

Quanto às associações é pertinente uma ressalva: é necessária a demonstração de

pertinência temática, ou seja, a associação deve demonstrar que tem entre suas finalidades a

defesa do interesse posto em juízo. No julgamento do AgRg no REsp 997.577/DF o STJ

entendeu que “a apuração da legitimidade ativa das associações e dos sindicatos como

55 Nos termos do inciso I do parágrafo único do art. 81 do CDC (Lei Federal n.º 8.078/90), interesses ou direitos difusos, para efeitos daquele código, são “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” (BRASIL, 1990).

56 Nos termos do inciso II do parágrafo único do art. 81 do CDC, interesses ou direitos coletivos, para efeitos daquele código, são “os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” (BRASIL, 1990).

57 Nos termos do inciso III do parágrafo único do art. 81 do CDC, interesses individuais homogêneos, para efeitos daquele código, são “os decorrentes de origem comum” (BRASIL, 1990).

substitutos processuais, em ações coletivas, passa pelo exame da pertinência temática entre os

fins sociais da entidade e o mérito da ação proposta” (BRASIL, 2014c).

A ação civil pública pode “propiciar uma tutela mais efetiva ao patrimônio cultural

brasileiro em seu conjunto, bem como aos bens culturais considerados individualmente,

quando são ameaçados ou danificados” (SOARES, 2009).

A utilização da ação civil pública não se restringe ao patrimônio cultural objeto de

tombamento. Este confere uma proteção administrativa especial, mas não pode ser exigido

como requisito para que seja conferida proteção cultural ao bem, pois o seu valor cultural é

preexistente, sendo apenas reconhecido, declarado pelo tombamento.

A falta de proteção pode decorrer justamente de omissão Poder Público, por isso a sua

proteção mediante ação civil pública não pode ser restringida. Inclusive, o pertencimento de

um bem ao patrimônio cultural pode ser provado no curso da ação e referendado por

provimento jurisdicional.

O art. 63 da Lei Federal n.º 9.605/98 confirma essa afirmação, pois estabelece pena de

reclusão, de um a três anos, e multa, pelo fato de alterar o aspecto ou estrutura de edificação

ou local “protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor

paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico,

etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com

a concedida” (BRASIL, 1998b).

O STJ reconhece a possibilidade do Poder Judiciário declarar a existência de valor

cultural relativamente a determinado bem. Nesse sentido, no julgamento do AgRg nos EDcl

no AREsp 28.422 manteve decisão que reconheceu a existência de valor histórico e cultural

de bem demolido, e que condenou a responsável pela demolição ao pagamento de indenização

(BRASIL, 2014d).

O objeto da ação civil pública poderá ser: (a) a condenação em dinheiro que será

destinada a um fundo (cuja finalidade é a reconstituição de bens lesados), e não aos

particulares

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; (b) o cumprimento de obrigação de fazer, como por exemplo a ação

58 Quanto às ações civis públicas versando especificamente sobre direitos individuais homogêneos deve ser feita uma ressalva quanto à destinação da condenação ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos previsto no art. 100 do CDC. Isso porque, neste caso, proferida a sentença coletiva, é necessário aguardar a habilitação de interessados na execução individual da sentença, antes que possa iniciar a recuperação fluída “que deve ser subsidiária, pois em casos envolvendo direitos individuais homogêneos tem preferência a reparação dos direitos das vítimas, das pessoas efetivamente lesadas, conforme estabelece o art. 99 do CDC”. Essa crítica se deve ao fato de que muitas sentenças versando sobre direitos individuais homogêneos destinam o valor da condenação diretamente ao fundo previsto no art. 100 do CDC, o que desvirtua o instituto da indenização pela ausência de um “nexo de recomposição” (BURIOL, 2014c, p. 21).

demolitória prevista no art. 18 do Decreto-lei n.º 25/37

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; (c) o cumprimento de obrigação de

não fazer, como a não concessão de licença antes da realização de estudos específicos sobre

os bens culturais existentes na área do empreendimento (SOARES, 2009).

Interessante julgado sobre sementes foi decidido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª

Região no julgamento dos Embargos Infringentes 5000629-66.2012.404.7000. Naquela ação

civil pública decidiu-se pela proibição de comercialização do milho transgênico Liberty Link,

produzido pela Bayer Seeds, nas regiões Norte e Nordeste do Brasil.

Uma das matérias analisadas dizia respeito ao fato do pólen do milho poder se

deslocar por grandes distâncias e contaminar outras lavouras. Por isso decidiu-se pela

necessidade de estudos específicos em cada bioma do País:

[...] O milho é uma planta muito importante na vida do homem latino-americano e na alimentação dos brasileiros, e consiste em vegetal com características próprias, que sofreu intervenção humana em sua evolução e tem história própria de nascimento, reprodução e sobrevivência. Essas peculiaridades precisam ser levadas em conta quando se trata de autorizar novas variedades e modificações genéticas. [...] No caso concreto, está justificada porque o pólen do milho pode se deslocar por longas distâncias, conforme diz o próprio Parecer Técnico da CTNBio. [...] Os estudos sobre o OGM em todas as regiões do país em que se pretende a liberação comercial do milho são necessários e devem ser prévios porque a opção constitucional e legal é por pensar o futuro (prevenir), e não apenas reparar o passado (remediar). 8. Não tendo havido estudos prévios capazes de dar conta das particularidades do cultivo e da comercialização do OGM nas regiões norte (floresta) e nordeste (caatinga), resta anulada a autorização de liberação comercial do milho geneticamente modificado denominado Liberty Link, no que pertine às regiões Norte e Nordeste do Brasil, impedindo-se, assim, seja implementada em referidas regiões enquanto não realizados estudos que permitam à CTNBio convalidar seu entendimento quanto à viabilidade de liberação nos respectivos biomas. 9. Conforme os termos do Princípio 10 da Declaração do Rio (1992), "a melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos." Portanto, havendo previsão legal no artigo 14-XIX da Lei 11.105/05, e fundamento jurídico suficiente no Princípio 10 da Declaração do Rio de 1992, é cabível determinar-se à União, através da CTNBio, que edite norma quanto aos pedidos de sigilo de informações pelos proponentes de liberação de OGM's, prevendo prazo para deliberação definitiva acerca dos mesmos, o qual não ultrapasse a data da convocação de audiência pública [...] (BRASIL, 2014e).

59 “Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de cinquenta por cento do valor do mesmo objeto” (BRASIL, 1937).