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4 A DIMENSÃO CULTURAL DA NATUREZA E DAS SEMENTES

5.2 A TUTELA DO PATRIMÔNIO CULTURAL NO SISTEMA JURÍDICO

5.2.1 Das competências

É importante conhecer quais as competências administrativas e legislativas de cada

ente federativo, com destaque para as matérias relacionadas ao patrimônio cultural, pois assim

será possível visualizar como devem participar na defesa dos direitos culturais.

5.2.1.1 Competência comum

A competência comum administrativa, também chamada de cumulativa ou paralela,

diz respeito ao exercício das funções administrativas governamentais, não abrangidas pela

competência legislativa.

50 Carta elaborada em Fortaleza, no Seminário “Patrimônio Imaterial: Estratégias e Formas de Proteção”, realizado entre os dias 10 e 14 de novembro de 1997, em comemoração aos sessenta anos de criação do IPHAN, no qual estavam presentes representantes de diversas instituições públicas e privadas, da UNESCO e da sociedade. Tal seminário teve por objetivo buscar fundamentos para a elaboração de diretrizes e para a criação de instrumentos legais e administrativos de identificação, proteção, promoção e fomento dos processos e bens portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.

De acordo com a CF/88, é competência comum da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico,

artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos,

impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor

histórico, artístico ou cultural, bem como proporcionar os meios de acesso à cultura, à

educação e à ciência (art. 23, incisos III, IVe V) (BRASIL, 1988a)..

O parágrafo único do art. 23 da CF/88 atribui a leis complementares a tarefa de fixar

normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,

buscando o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional (BRASIL,

1988a).

Considerando que se trata de competência atribuída a todos os entes federativos, o

intuito de normas de cooperação é otimizar os esforços e evitar a dispersão de recursos. Por

exemplo, a LC n.º 140/2011 fixou normas para cooperação entre a União, os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da

competência comum no que diz respeito à proteção das paisagens naturais notáveis, à

proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à

preservação das florestas, da fauna e da flora. Se o critério da colaboração não evitar o

conflito de interesses, deverá ser utilizado o critério da preponderância de interesses, sendo os

mais amplos da União (LENZA, 2012).

Perceba-se que no âmbito da competência material todos os entes federativos devem

compartilhar as funções de proteção, guarda e responsabilidade sobre os sítios e bens

culturais. Com base nessa premissa o STF decidiu a ADI 2.544-9 nos seguintes termos:

Federação: competência comum: proteção do patrimônio comum, incluído o dos sítios de valor arqueológico (CF, arts. 23, III, e 216, V): encargo que não comporta demissão unilateral.

1. L. est. 11.380, de 1999, do Estado do Rio Grande do Sul, confere aos municípios em que se localizam a proteção, a guarda e a responsabilidade pelos sítios arqueológicos e seus acervos, no Estado, o que vale por excluir, a propósito de tais bens do patrimônio cultural brasileiro (CF, art. 216, V), o dever de proteção e guarda e a consequente responsabilidade não apenas do Estado, mas também da própria União, incluídas na competência comum dos entes da Federação, que substantiva incumbência de natureza qualificadamente irrenunciável.

2. A inclusão de determinada função administrativa no âmbito da competência comum não impõe que cada tarefa compreendida no seu domínio, por menos expressiva que seja, haja de ser objeto de ações simultâneas das três entidades federativas: donde, a previsão, no parágrafo único do art. 23 CF, de lei complementar que fixe normas de cooperação (v. sobre monumentos arqueológicos e pré-históricos, a L. 3.924/61), cuja edição, porém, é da competência da União e, de qualquer modo, não abrange o poder de demitirem-se a União ou os Estados dos encargos constitucionais

de proteção dos bens de valor arqueológico para descarregá-los ilimitadamente sobre os Municípios.

3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente (BRASIL, 2006e).

Portanto, trata-se de atribuição conferida a todos os entes federativos, e esses não

podem transferir aos demais esse encargo.

Prosseguindo, o § 1º do art. 25 da CF/88 versa sobre competência administrativa

residual, reservando aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas pela CF/88. São

as competências não vedadas aos Estados pela CF/88, bem como as competências que

sobrarem após a enumeração dos outros entes federativos, ou seja, competências que não são

da União, do Distrito Federal ou dos Municípios, e nem comuns (LENZA, 2012).

5.2.1.2 Competência legislativa

Já no tocante à competência legislativa, para os fins deste estudo é necessário conhecer

a competência privativa da União, que pode ser delegada aos Estados, a competência

concorrente entre União, Estados e Distrito Federal, a competência suplementar e a

competência de auto-organização dos Municípios e Estados.

O art. 22 da CF/88 estabelece a competência legislativa privativa da União para

legislar sobre diversas matérias, inclusive populações indígenas (inciso XIV) e diretrizes e

bases da educação nacional (inciso XXIV), dois temas de grande relevância para este

trabalho, conforme analisado anteriormente. E o parágrafo único do referido dispositivo

estabelece que lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões

específicas das matérias relacionadas no art. 22 (BRASIL, 1988a). É competência delegada

pela União.

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No art. 24 da CF/88 está prevista a competência legislativa concorrente. E nos temos

do referido artigo, compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar

concorrentemente sobre, dentre outros temas: (a) florestas, caça, pesca, fauna, conservação da

natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da

poluição; (b) proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; (c)

responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor

51 Como exemplo pode ser referida a Lei Complementar n.º 103/2000, que autorizou os Estados e o Distrito Federal a instituírem, por lei de iniciativa do Poder Executivo, o piso salarial referido no inciso V do art. 7º da CF/88, para os empregados que não tenham piso salarial definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo de trabalho (BRASIL, 2000b).

artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (art. 24, incisos VI, VII e VIII) (BRASIL,

1988a). Também está prevista a competência legislativa concorrente sobre educação, cultura,

ensino e desporto (inciso IX) (BRASIL, 2015b).

Quanto às competências previstas no art. 24 da CF/88, cabe à União o estabelecimento

de normas gerais e aos Estados e ao DF a competência para legislar de forma específica com o

intuito de tutelar os bens culturais relevantes para a memória, identidade ou ação da

comunidade regional. Os Municípios poderão suplementar a legislação federal e estadual

sobre bens culturais com o objetivo de atender aos interesses culturais locais, com base no art.

30, incisos I e II, que serão analisados adiante.

Caso não exista lei federal estabelecendo normas gerais então os Estados exercerão a

competência legislativa plena (inclusive estabelecendo normas gerais), para atender a suas

peculiaridades. A lei federal superveniente sobre normas gerais suspenderá (não revogará) a

eficácia da lei estadual no que lhe for contrário (§§ 1º, 2º, 3º e 4º do art. 24 da CF/88).

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O efeito prático de não haver revogação da lei estadual é o de que em caso de

revogação da lei federal que suspendeu a eficácia da lei estadual, esta voltará a produzir

efeitos, já que não existe mais a causa da suspensão dos seus efeitos (LENZA, 2012).

Os Estados têm ainda capacidade de auto-organização, sendo regidos por suas

respectivas Constituições e leis que adotarem (caput do art. 25 da CF/88) (BRASIL, 1988a).

Essa mesma capacidade de auto-organização é atribuída aos Municípios pelo caput do

art. 29 da CF/88, segundo o qual os Municípios serão regidos por lei orgânica, votada em dois

turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da

Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta

Constituição, na Constituição do respectivo Estado e pelos preceitos constantes dos incisos I a

XIV do art. 29 (BRASIL, 1988a). Trata-se de uma competência legislativa expressa.

E quanto às competências legislativas dos Municípios, estes possuem competência

legislativa relativamente a assuntos de interesse local, que é o interesse que “diz respeito às

peculiaridades e necessidade ínsitas à localidade” (LENZA, 2012, p. 448), com base no inciso

I do art. 30 da CF/88. Ainda, compete aos Municípios suplementar a legislação federal e a

estadual no que couber (art. 30, inciso II, da CF/88), sempre dentro do interesse local, assim

como ocorre com as matérias do art. 24, cabendo aos Municípios suplementar as normas

52 A doutrina divide a competência suplementar em duas: “a) competência suplementar complementar – na hipótese de já existir lei federal sobre a matéria, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal (na competência estadual) simplesmente complementá-las; b) competência suplementar supletiva – nessa hipótese inexiste a lei federal, passando os Estados e o Distrito Federal (na competência estadual), temporariamente, a ter competência plena sobre a matéria” (LENZA, 2012, P. 443).

gerais (da União) e específicas (dos Estados), “juntamente com outras que digam respeito ao

peculiar interesse daquela localidade” (LENZA, 2012, p. 449).

Por fim, ainda quanto à competência legislativa, cabe aos Municípios a aprovação de

um Plano Diretor, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, a ser aprovado

pela Câmara de Vereadores, o qual constitui-se em instrumento básico da política de

desenvolvimento e de expansão urbana, nos termos do § 1º do art. 182 da CF/88 (BRASIL,

1988a).

Recorde-se que os Municípios têm competência administrativa comum, cumulativa ou

paralela, com base no art. 23 da CF/88, já analisado. Além disso, possuem competência

administrativa privativa, como por exemplo a competência para promover a proteção do

patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e

estadual (art. 30, inciso IX, da CF/88).

O Distrito Federal também possui competência administrativa comum (art. 23 da

CF/88, já analisado). E tem competência legislativa: (a) expressa para elaboração da própria

Lei Orgânica (art. 32, caput, da CF/88); (b) residual, ou seja, aquela que não for vedada ao

Distrito Federal (§ 1º do art. 25 da CF/88 c/c o § 1º do art. 32); (c) delegada pela União

através de Lei Complementar autorizando o DF a legislar sobre questões específicas de

matéria de competência da União (art. 22, parágrafo único, da CF/88); (d) concorrente com a

União, cabendo a esta legislar sobre normas gerais e ao DF sobre normas específicas (art. 24

da CF/88); (e) suplementar no âmbito da legislação concorrente caso não exista a norma geral

da União (art. 24, §§ 1º a 4º da CF/88); (f) para legislar sobre assuntos de interesse local (art.

30, inciso I, c/c o art. 32, § 1º, da CF/88, segundo o qual ao Distrito Federal são atribuídas as

competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios).

5.2.2 Dos instrumentos legais disponíveis para a proteção do patrimônio cultural