• Nenhum resultado encontrado

Capítulo III O Reitor entre o “Administrador” e o “Profissional”

Caixa 19 Ação disciplinadora do Reitor fora do Liceu

Caixa 19 - Ação disciplinadora do Reitor fora do Liceu

«Exmo. Sr. Diretor da Polícia Judiciária; Para que V. Exa se digne providenciar no sentido da defesa da saúde moral da juventude, tenho a honra de comunicar que na casa “Sociedade Tipográfica Nina Lda, da Avenida Madrid, nº11E, são vendidas a crianças de 13 anos as fotografias pornográficas inclusas e outras. Agradecendo, muito profundamente, o interesse que este assunto lhe merecer, apresento a V. Exa os meus melhores cumprimentos.» (ALC, Ofício, 11 de Maio de 1961).

«Exmo. Sr. Comandante da Esquadra Nº17 da PSP; Solicitando a indispensável intervenção de V. Exª, tenho a honra de comunicar que junto do gradeamento deste Liceu se encontra diariamente um indivíduo que, além de outros objetos, vende a quem passa e especialmente a jovens, alguns deste Liceu, fotografias pornográficas, como a que vai junta. Além de outro procedimento que V. Exª julgar conveniente somar em presença de tão repugnante atitude, solicito ainda que lhe seja proibido frequentar os arredores deste Liceu, frequentado por cerca de 1600 jovens com idades que vão dos 10 aos 18 anos.» (ALC, Ofício, 28 de Abril de 1966).

«Exmo. Sr. Diretor da Polícia Judiciária; Tem esta reitoria procurado, desde há muitos anos já, limpar os arredores do Liceu de certos elementos que constituem perigo moral para os alunos. Ora entre esses elementos existe um que, apesar de todas as minhas intervenções, persiste e, segundo informações que me chegaram nestes últimos dias, com aspetos que o tornam mais prejudicial ainda. Trata-se de uma taberna que no interior tem uma sala de jogos americanos, que alguns alunos, sobretudo dos 3º e 4º anos frequentam, o que é grave. Acresce, no entanto que, nos últimos tempos frequenta, ou é empregada da taberna uma mulher que o proprietário, que me dizem ser homossexual (os alunos assim o supõem) oferece aos rapazes. Verificando-se que as intervenções feitas por esta reitoria se revelam inúteis e que a frequência de um tal lugar constitui para os alunos grave perigo moral, tenho a honra de solicitar a V. Exa. o obséquio de auxiliar esta reitoria, (…)» (ALC, Ofício, 1 de Maio de 1968).

Assim, podemos afirmar que, ao nível das relações externas, a ação do reitor passa essencialmente por quatro domínios fundamentais: administração central, onde estabelece uma relação com a tutela essencialmente de natureza administrativa; com as famílias, onde desenvolve uma ação disciplinadora e educativa; institucional, onde procura apoios junto de diversas organizações com o propósito de viabilizar os seus projetos, iniciativas culturais e educativas e, por último, disciplinadora, onde estende a sua ação educativa e disciplinadora às imediações do Liceu, recorrendo muitas vezes ao apoio das forças de segurança para assegurar esse objetivo. Em todas estas dimensões existe um propósito que é comum: a “imagem” do Liceu, o prestígio e importância do “ato educativo”, transparecendo uma ideia de credibilidade, honestidade, sentido de “unidade” e qualidade do trabalho desenvolvido.

5. Síntese

Em suma, entre as múltiplas funções desempenhadas pelo Reitor, inerentes às duas dimensões enunciadas – administrativa e profissional – encontramos uma racionalidade que traduz uma tentativa de as articular de modo a promover aquela à qual atribui maior importância – a dimensão profissional/pedagógica. Toda a atividade de Sérvulo Correia visa, em última instância, a defesa do “ato educativo”, da dimensão pedagógica, da criação de condições para que, mesmo em situações adversas, os seus “rapazes” possam ter a melhor formação capaz de fazer deles “homens” instruídos e preparados para o futuro, seja a universidade ou no ingresso na vida ativa.

Ao nível administrativo, encontramos como prioridades a manutenção e conservação do edifício como fator fundamental para garantir a “ordem”, a disciplina e o “sucesso educativo” e, por outro lado, a manutenção de um corpo docente estável e de qualidade científica e pedagógica. Se, no primeiro aspeto, o Reitor se desdobra em contactos com a tutela no sentido de satisfazer as suas necessidades estruturais e orçamentais, no segundo, faz uso da sua influência para assegurar professores que, pela sua excelência, considera fundamentais. Na gestão dos professores e “pessoal menor”, impõe uma lógica de controlo, exigindo o respeito por valores e princípios que considera basilares, como a pontualidade e assiduidade ou o cuidado na imagem e ação disciplinar.

Ao nível profissional, o Reitor define como prioridades o aproveitamento e a disciplina. Enquanto “reitor disciplinador”, nos primeiros anos do seu reitorado (1951/57), constrói um discurso que procura valorizar as melhorias que se vão registando ao nível do aproveitamento, interiorização das regras por parte dos alunos e empenho dos professores. O seu trabalho permite pôr “ordem na casa” e melhorar consideravelmente a credibilidade do Liceu. No início da década de 60, com o aumento dos alunos e dos “professores eventuais”, verifica-se uma maior dificuldade em manter o mesmo aproveitamento alcançado na década anterior. No sentido de colmatar essa situação, o Reitor reforça a sua influência junto dos professores, adotando uma postura mais autoritária e controladora. Reforça as regras e princípios da “casa” e “sobe o tom” no modo como se dirige aos professores nos diversos Conselhos. Contudo, independentemente da sua persistência, o aproveitamento do Liceu, verificado na década de 60, acaba por ser inferior ao registado na década de 50.

Nas relações internas, Sérvulo Correia assume uma liderança efetiva sobre o corpo docente, exigindo que este se afirme como um exemplo para os alunos. Impõe um rigor disciplinar capaz de garantir a “ordem”, fundamental para o sucesso do “ato educativo”. É nesse sentido que adverte os professores nos diversos conselhos e pauta a relação com o corpo docente, a qual se afirma como salutar, não se verificando incidentes graves entre os professores. Salienta-se o cuidado no desenvolvimento de projetos e iniciativas culturais, com o propósito formativo dos alunos, no promover de encontros entre professores capazes de fomentar o convívio e reforçar o espírito de comunidade.

Por último, nas relações externas, são privilegiados os contactos com a administração central, as famílias, instituições e a sua ação disciplinar nas imediações do Liceu. Na relação com as famílias e na ação disciplinar, destaca-se o seu papel interventivo na defesa da moralidade, dos princípios em que acredita e pelos quais pauta a sua ação educativa. Nos contactos com as instituições promove a “imagem” do Liceu e encontra os apoios necessários para desenvolver os seus projetos e atividades. Em todos os seus contactos, afirma o “rigor”, o promover da qualidade do ensino, transparecendo uma ideia de credibilidade, honestidade, sentido de “unidade” e qualidade do trabalho desenvolvido. São estes princípios que vão estar na base da sua ação disciplinar, a qual considera como fundamental para o sucesso do ato educativo. É desta ação que damos conta no próximo capítulo.