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Capítulo IV – A Ação Disciplinar

Caixa 36 Ilícitos cometidos pelos alunos mais velhos

«O Conselho Disciplinar, em sua sessão de ontem, resolveu aplicar a 3ª pena do Estatuto do Ensino Liceal (repreensão) aos alunos 6 e 37 da turma B do 6º ano, respetivamente, (…) que se bateram mutuamente junto das instalações sanitárias. É de lamentar que alunos do 6º ano tenham sido figurantes de tal espetáculo.» (ALC, Ordem de Serviço, 1 de Fevereiro de 1962).

«Ainda no primeiro período escolar, durante a entrada dos alunos para a sessão em que foram impostas as insígnias da Ordem de Instrução Pública ao Senhor Vice-Reitor, o aluno nº19 da turma D do 6º ano, (…), proferiu uma frase grosseira e irrespeitosa, lastimável por imprópria da pessoa da sua idade e responsabilidade. Levado o caso ao Conselho Disciplinar, em sua sessão de 6 do presente mês de Janeiro, foi resolvido aplicar-se-lhe a pena de 7 dias de suspensão da frequência das aulas, que acabou de cumprir ontem.» (ALC, Ordem de Serviço, 9 de Janeiro de 1962).

«Os alunos nº10 e 39 da turma A do 7º ano, respetivamente, (…), esquecendo-se dos seus deveres de camaradagem desviaram-se e praticaram, dentro e fora do Liceu, atos de violência que em nada os dignificam, dando aos alunos mais novos um péssimo exemplo.» (ALC, Ordem de Serviço, 21 de Novembro de 1963).

No que respeita ao número de reuniões realizadas pelo Conselho Disciplinar, na maioria dos anos letivos, o número varia entre 10 e 12, sendo os anos que registam maior número os de 1952/53 (13), 1953/54 (18), 1955/56 (18), 1960/61 (14) e 1961/62 (15). Contudo, ao contrário do definido no Estatuto do Ensino Liceal (1947), a maioria das reuniões não se destinam a tratar de assuntos disciplinares, que era o seu principal objetivo. Sérvulo Correia utiliza essas reuniões mais numa vertente pedagógica e organizacional, como se de um Conselho Pedagógico se tratasse. Analisando o quadro 5, verificamos que em muitos anos letivos o número de reuniões, onde são tratados assuntos de natureza disciplinar, são menos de metade da totalidade realizada. E mesmo nessas, na maioria, apenas são indicadas as penas aplicadas a uma parte das ocorrências, atendendo às ordens de serviço, como podemos comprovar através do quadro 6.

Da leitura que fizemos das atas do Conselho Disciplinar e das ordens de serviço, a principal dúvida que nos surge é o critério usado na atribuição das penas e na seleção daquelas que são analisadas ou não no Conselho. Na leitura dos quadros 1, 2 e 3, entre o

estipulado no Estatuto do Ensino Liceal e as penas apreciadas, não conseguimos encontrar um padrão que nos permita aferir esse critério. Por exemplo, a repreensão é aplicada no gabinete do Reitor e não existe a necessidade da mesma ser apreciada pelo Conselho. Contudo, encontramos nos quadros 1 e 2 várias situações dessa natureza. Em contrapartida, atendendo ao quadro 3, encontramos uma lista considerável de casos que, pela sua gravidade, deviam ter sido objeto de análise pelo Conselho e que não foram sequer referenciados. Todo este cenário torna-se ainda mais estranho atendendo ao espírito legalista do Reitor, que em todas as situações de natureza administrativa é absolutamente fiel ao cumprimento da lei. Qual a razão que está na base deste procedimento? Certamente diversas “circunstâncias” que não são passíveis de se aferirem através da análise dos documentos, fica a dúvida…

Por último, no que respeita à evolução da disciplina ao longo do reitorado podemos aferir que: independentemente das preocupações manifestadas pelo Reitor nos diversos Conselhos, em relação ao aumento do número de alunos e da indisciplina durante a década de 60, este consegue controlar a atividade ilícita, não se verificando um aumento considerável das penas aplicadas por comparação com o registado na década de 50 (tendo em conta os dados disponíveis até ao ano letivo de 1963/64). O número de alunos que são alvo de um processo disciplinar é elevado, atendendo ao seu universo, mas como já referimos anteriormente, as ocorrências não podem ser consideradas graves e as penas aplicadas, na maior parte das vezes, traduzem-se numa admoestação ou repreensão.

Atendendo a tudo o que já foi apontado neste trabalho a esse respeito, principalmente no que se refere à persistência disciplinar do Reitor, este fenómeno não é de estranhar. Sérvulo Correia mantém a esse nível a mesma postura ao longo de todo o reitorado, fazendo uso da experiência acumulada e agindo em conformidade com as ocorrências que iam sendo registadas, tomando sempre “medidas prontas”. Mesmo no que se refere às penas mais graves, estas não aumentam no início da década de 60; muito pelo contrário, tendem a diminuir. Os valores mais elevados referentes aos anos letivos de 1956/57, 1958/59 e 1960/61, são referentes a pequenos delitos que, na maioria dos casos, se traduzem numa repreensão. Aumentam, contudo, os processos coletivos que denotam ocorrências organizadas por vários alunos de uma turma ou de várias turmas. A maioria refere-se a casos de indisciplina em sala de aula, no pátio ou nas imediações do Liceu. É de salientar que o conceito de “imediações do Liceu” é para

o Reitor muito vasto. Num processo disciplinar, datado de 8 de Maio de 1961, um aluno é castigado por «ter sido encontrado a tirar emblemas a automóveis estacionados na zona da avenida da República».

4. Síntese

Após a análise dos atos ilícitos ocorridos no Liceu de Camões durante o reitorado de Sérvulo Correia, concluímos que a conceção do Reitor em relação à disciplina escolar passa pela definição de um quadro axiológico que privilegia quatro princípios fundamentais: assiduidade, pontualidade, apresentação e postura, zelo no cumprimento das obrigações escolares e no respeito pelas regras da “casa”. Estes princípios ditam a ação do Reitor e definem em boa medida a base do seu quadro normativo. A sua ação é vista pelos ex-alunos como autoritária, austera e persistente, que permite manter uma “estabilidade” ao longo de todo o reitorado. Da sua atividade disciplinadora fica a memória dos - “atos proibidos” - que definem o que é “proibido” e o que é permitido.

É nesse espaço que se definem as regras da “casa”. Entre a “Ordem de Serviço 97” e tantas outras ordens de serviço que determinam as normas a serem respeitadas, encontramos uma lógica controladora de todas as ações dos alunos, sejam realizadas no interior ou exterior do Liceu. É proibido permanecer frente ao Liceu, é proibido comprar coisas ao vendedor ambulante, é proibido correr, é proibido jogar à bola, é proibido brincar ao eixo ou com pedras, é proibido entrar no Liceu sem gravata, é proibido permanecer no jardim, é proibido trazer para o Liceu livros e revistas que não sejam de estudo, é proibido… Todos os procedimentos são definidos: a forma como se “apanha o autocarro”, como se entra e sai das salas de aula, como se circula nas galerias, o tipo de vestuário que deve ser usado, a postura a ter no exterior do Liceu. Este quadro normativo extremamente rigoroso busca alcançar uma “educação e disciplina perfeitas”, dita uma “ordem interior” que visa não somente a instrução mas, acima de tudo, a “educação”.

Na intervenção no Conselho Disciplinar e na atribuição dos castigos encontramos o reforço dos princípios definidos, onde o Conselho é o espaço

privilegiado para a análise do “ritmo” pedagógico e organizacional da “casa”. Entre as penas aplicadas constatamos que a grande maioria passa por admoestação, repreensão ou suspensão às atividades letivas não superiores a 4 dias. As penas mais graves são aplicadas, em situações de reincidência, ocorrências de “natureza sexual”, falta de respeito para com os professores, “marginalidade”, indisciplina permanente na sala de aula. Independentemente do aumento dos alunos na década de 60, constatamos que o Reitor consegue manter o mesmo rigor disciplinar, adotando uma estratégia que passa “por medidas prontas”, um agir rápido e imediato que impede o agravar e alastrar dos atos ilícitos. Esta atividade disciplinadora e de entrega total ao Liceu, que impõe a si mesmo [Reitor] uma grande disciplina, são marcas basilares do seu reitorado que definem o seu perfil como Reitor. É esse sentimento de entrega e gratidão que encontramos no seu último ato.

«Tendo feito hoje o pedido de aposentação e dando assim por terminados 24 anos de serviço prestado a este Liceu e mais de 40 à profissão que conscientemente escolhi e à qual dediquei o melhor da minha vida, não quero nem posso afastar-me sem agradecer, muito reconhecidamente, a todos os colegas a colaboração que me prestaram a bem do Liceu que servimos. E, se aqueles que continuam me permitem, quero ainda formular os melhores votos por que, apesar das muitas dificuldades que prevejo, possam manter o nível e o prestígio que, como escola, o Liceu de Camões tem mantido desde a sua fundação. A todos apresento os meus melhores cumprimentos e ofereço os meus limitadíssimos préstimos.» (ALC, Carta aberta, não datada, dirigida aos