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2.3 A responsabilidade penal

2.3.9 Ação penal

Por motivos de política criminal, que norteia a maioria das leis penais extravagantes, a ação penal dos tipos delituosos ambientais será pública incondicionada. Ou seja, caberá somente ao Ministério Público a sua proposição.

2.3.10 Responsabilização penal da pessoa jurídica

Não são necessário muitos argumentos para afirmar que o meio ambiente é posto em perigo com mais freqüência por atividades coletivas do que por atuações individuais. A questão da intervenção das pessoas invólucras em sociedades ou empresas industriais ou comerciais confronta-nos com o antigo princípio constitucional liberal de que somente as pessoas físicas podem delinqüir e não as sociedade ou pessoas jurídicas.

121 Os tipos penais em branco são aqueles que necessitam ser preenchidos por outras normas. Especificamente no

que se refere à Lei de Crimes Ambientais, a existência destes tipos penais tem sido alvo de críticas, sob o fundamento de se violar o princípio da legalidade. Contudo, “em face das características dos crimes contra o meio ambiente, com certa freqüência é necessário que a lei faça remissão a disposições externas, a normas e a conceitos técnicos”. FREITAS, Gilberto Passos de. Ilícito penal ambiental e reparação do dano. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 119.

A dificuldade dogmática tradicional para imputar penalmente a criminalidade das pessoas jurídica reside no conteúdo das noções fundamentais do Direito Penal: ação, culpabilidade, capacidade penal. À primeira vista, a ação no Direito Penal está sempre ligada ao comportamento humano e a culpabilidade, ou culpa, parece significar uma reprovação ética ou moral que estaria excluída no caso das pessoas jurídicas, as quais, sem exceção, não poderiam ser as destinatárias, ou sujeitos passivos, de penas criminais com sua finalidade preventiva e retributiva. Estas dificuldades são evidentemente muito menos graves quando não se aplicam verdadeiras penas às pessoas jurídicas, mas sim umas sanções meio ou quase penais que podem ser flexibilizadas ou alargadas.

Tradicionalmente, as pessoas jurídicas carecem de capacidade de ação e de capacidade de culpabilidade. Ademais, as pessoas jurídicas não podem sentar-se no banco dos réus, nem enviadas ao cárcere. Mas, pode-se impor-lhes outro tipo de pena ou sanção.

René Ariel Dotti questiona:

como, porém, ‘medir’ a ‘culpabilidade’ da pessoa jurídica quando ela ‘participar’ do fato típico realizado pela pessoa física? Como saber a forma de participação (mandato, comando, conselho e ameaça) ou de cumplicidade (auxílio material)? Quem é quem na estrutura administrativa da sociedade por ações ou da pessoa jurídica de Direito Publico Interno para ser identificado como o prestador do serviço de informações? Quem poderá identificar a forma e o alcance da participação ou do auxílio? Em outras palavras: para quem o Delegado de Polícia (rectius: o escrivão) vai mandar a intimação122?

Apesar das dificuldades, há uma tendência no direito comparado de se acolher a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Em nenhuma legislação comparada vêem-se superadas as objeções tradicionais à responsabilidade penal das pessoas jurídicas relacionadas aos conceitos de ação e culpabilidade naqueles países cujo direito penal se vê condicionado por uma visão espiritualizada ou idealista do princípio da culpabilidade como princípio básico ou princípio de imputação jurídico-penal irrenunciável. A questão não é saber se a pessoa jurídica pode ser sujeito de imputação, mas se é legítimo resolver certos conflitos impondo uma pena às pessoas jurídicas que não têm capacidade de decidir por si mesmas, nem alternativas de comportamento com respeito às decisões de seus órgãos diretivos. Feijóo Sanchez afirma:

Los estudios sobre criminalidad de la empresa demuestran que resulta difícil reconducir la lesión a una decisión individual. Más bien suele ser fruto de un

122 DOTTI, René Ariel. As bases constitucionais do direito penal democrático. Reforma penal brasileira. Rio de

processo de acumulación de un management defectuoso o de uma determinada actitud, ética o filosofía empresarial. De hecho las posiciones más recientes que propugnan la responsabilidad de las personas jurídicas insisten en que el fundamento de la ‘culpabilidad de la corporación’ reside precisamente en esta actitud, ética o filosofía empresarial criminógena. Há surgido la necesidad político-criminal de luchar contra un determinado tipo de dirección, actitud, ética o filosofía empresarial que pone en peligro bienes jurídicos de gran relevancia social123.

Bacigalupo Saggese aduz:

todo intento basado en la comparación entre el individuo y la persona jurídica para establecer similitudes se encuentra condenado desde el comienzo al fracaso. No sólo porque el individuo y la persona jurídica presentam dificuldades insuperables, sino fundamentalmente, porque todas las categorías del delito están elaboradas a partir del individuo y de sus capacidades personales124.

E conclui:

La única solución para evitar un inadecuado trato igualitario de estados de cosas esencialmente desiguales parece ser una construción alternativa de la culpabilidad penal. Pero esa propuesta todavía no existe como ya he señalado. No se trata de negar la pisibilidad de su existencia o su imposibilidad ontológica, sino simplemente de constatar que, por ahora, no hay alternativa. Por ello debemos buscar solución a ciertos problemas político-criminales com el instrumental clásico del Derecho Penal125.

De outra parte, o art. 3º da Lei n. 9.605/98 dispõe que a responsabilidade penal da pessoa jurídica fica condicionada ao fato de que a infração tenha sido cometida em seu interesse ou benefício ou, então, por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado. Isto porque se deve considerar que a pessoa jurídica tem autoria de conduta na medida em que intelectualmente foi pensada pelo seu dirigente e materialmente executada por seus agentes.

Parece que a solução para um novo conceito de culpabilidade instrumentalmente é algo ainda remoto para a aplicação imediata e efetiva da responsabilidade da pessoa jurídica.

Atualmente, para a ocorrência da culpabilidade são necessários dois requisitos: a consciência da ilicitude e a reprovação da conduta do agente. A culpabilidade é pressuposto fundamental para a aplicação da pena. Em um direito penal perspectivado sobre sua função teleológica, deve-se atender primordialmente à prevenção geral positiva.

123 FEIJÓO SÁNCHEZ, Bernardo J. Cuestiones basicas sobre la responsabilidad penal de las personas jurídicas, de otras personas morales y de agrupaciones y asociaciones de personas. Revista Brasileira de Ciências Criminais, Coord. Ana Sofia Schmidt de Oliveira, São Paulo: RT, n. 27, ano 7, jul.set, 1999, p. 22.

124SAGGESE, Bacigalupo. La responsabilidad penal de las personas jurídicas, Barcelona, 1997, p. 201.

apud FEIJÓO SÁNCHEZ, Bernardo J. Ob. cit. p. 32.

É assim o ensinamento de Jorge Figueiredo Dias. Segundo o penalista português, o sistema emergente parece comandado pela profunda convicção de que a construção do conceito de crime há de apresentar-se como teleológica, funcional e racional, possuindo a partir daqui os seus próprios postulados: a legitimidade da intervenção penal não pode hoje ser vista como advinda de qualquer ordem transcendente e absoluta de valores, mas unicamente de critérios funcionais de necessidade social. Por isso, a aplicação da pena não mais pode fundar-se em exigência de retribuição ou de expiação da culpa, mas apenas em propósitos preventivos de estabilização contrafática das expectativas comunitárias na validade da norma violada; assinalar à pena uma qualquer função retributiva significaria desligá-la por completo da função do direito penal como ordem de proteção de bens jurídicos. E, a função da culpa não mais residirá em fundamentar a aplicação da pena, mas unicamente em evitar – até por razões ligadas à desejável eficácia da prevenção – que uma tal aplicação possa ter lugar onde não exista culpa ou numa medida superior à suposta por esta. À luz, portanto, de uma concepção do direito penal como ordem de proteção de bens jurídicos – ligada, por sua vez, a uma ordem de legitimação da intervenção penal fundada na necessidade de prevenção das condições indispensáveis de livre realização de cada pessoa na comunidade -, a esta luz, as finalidades da pena só podem ser de natureza exclusivamente preventiva e não retributiva126.

Dessa forma, pode-se argumentar sobre a culpabilidade da pessoa jurídica, primeiramente, deixando de lado o requisito da consciência da ilicitude, deixando cair o juízo da culpabilidade apenas sobre o critério da reprovação social da conduta da empresa. A pena aplicada à empresa, não terá função retributiva, ou de coação física. Sua função estará ligada apenas à prevenção geral, sendo esta consubstanciada na estabilização contrafática das expectativas comunitárias na validade da norma violada.

A personalidade da pessoa jurídica poderá ser desconsiderada sempre que isso importar em obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao meio ambiente (art. 4o. da lei no. 9.605/98). Para Paulo de Bessa Antunes,

é uma medida extrema e que só deve ser utilizada pelo aplicador do Direito quando, manifestamente, restar comprovado que a pessoa jurídica é uma mera fachada para proteger e esconder o patrimônio de seus administradores e proprietários127.

126 DIAS, Jorge de Figueiredo. Sobre o Estado actual da doutrina do crime. 1a parte. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: RT, n. 0, dez. 1992, p. 23-52.

Antunes prossegue afirmando que diante da resistência da pessoa jurídica em ressarcir ou reparar os danos seria melhor nomear um administrador para realizar essa tarefa, para evitar demissões de empregados e comprometimento da rede de fornecedores e distribuidores dos produtos à empresa.

É imprescritível a pretensão reparatória, pois que, em se tratando o direito ambiental de um direito de ordem pública e indisponível, é insuscetível de prescrição, muito embora seja aferível para afins indenizatórios.

No que pertine à extensão da responsabilidade penal às pessoas jurídicas de direito público, a mais abalizada doutrina entende não ser possível essa sujeição.

Edis Milaré, compartilhando do posicionamento de Guilherme José Purvin de Figueiredo e Solange Teles da Silva, entende não ser possível a responsabilização pelo fato de que o cometimento de um crime não as beneficiaria e que as penas a elas impostas seriam inócuas ou prejudicariam a própria comunidade beneficiária do serviço público. Excepcionalmente, não abrangeria a hipótese de configuração de crime praticado pelo agente público, pessoa física, devidamente identificada, o que também não impossibilitaria a vítima de buscar simultaneamente na esfera civil a reparação da pessoa de direito público128.