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1.3 Princípios ordenadores

2.1.1 Responsabilidade civil ambiental-objetiva

Com o crescimento da sociedade industrial surgiram também situações potencialmente geradoras de danos que, quando acontecem, dificilmente permitem a exata reparação.

Assim, somente pela responsabilidade civil clássica, que é a extracontratual, seria muito difícil a produção da prova, ou seja, da imputação subjetiva do fato ao lesante, a culpa, o que levou, então, ao surgimento da responsabilidade sem culpa ou objetiva.

A legislação consagra a teoria da responsabilidade objetiva no que tange à responsabilização decorrente de danos ambientais, tendo como base a teoria do risco69, segundo a qual cabe o dever de indenizar àquele que exerce atividade perigosa, consubstanciando como ônus de sua atividade o dever de reparar os danos por ela causados, e assim, para que se prove a existência da responsabilidade por danos ambientais, basta a comprovação do nexo causal entre o fato e o dano. A culpa não precisará ser provada.

Segundo Canotilho, o “fundamento da responsabilidade pelo risco é a justiça distributiva, isto é, se um sujeito desenvolve uma atividade perigosa para a sociedade e dela tira benefícios, então é justo que ele suporte os danos que causar, mesmo sem culpa70.

Para Caio Mário da Silva Pereira,

o conceito de risco que melhor se adapta às condições de vida social é o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se, em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco criado fazendo abstração da idéia de culpa, mas atentando apenas no fato danoso, responde civilmente

69 Várias correntes surgiram no sentido de melhor explicar os fundamentos da responsabilidade objetiva. O

Professor Caio Mário da Silva Pereira enumera três correntes: “a) Teoria do risco-proveito: segundo esta concepção, a responsabilidade pelos danos causados por uma conduta deve ser atribuída àquele que se beneficia com a ação desastrosa; b) Teoria do risco profissional: tendo em vista a figura da vítima, considera que esta deve ser ressarcida sempre que sofrer alguma diminuição em sua esfera jurídica, em virtude do exercício da profissão, da atividade profissional da vítima; c) Teoria do risco integral: surgida na seara do direito público, em substituição das teorias da culpa administrativa e do mau funcionamento do serviço público, implica na socialização dos danos provocados pelo Estado, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais”. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 270.

70 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Introdução ao direito do ambiente. Lisboa: Universidade Aberta, 1998,

aquele que, por sua atividade ou por profissão, expõe alguém ao risco de sofrer dano71.

Como bem explica Marinoni,

Se a culpa aqui, não tem importância alguma, não é correto falar em responsabilidade pelo risco, uma vez que a responsabilidade, no caso de culpa ou risco, será sempre pelo dano. Trata-se, assim, de responsabilidade pelo dano fundada no risco. Note-se, aliás, que essa forma de pensar a responsabilidade civil também assume importância preventiva, pois se o empresário tem consciência da sua responsabilidade certamente tomará os devidos cuidados. Ao contrário se dele for retirada toda e qualquer responsabilidade, surgirá naturalmente a idéia de que vale a pena correr qualquer risco, pois, se o dano houver, a responsabilidade será do Estado72. Algumas das previsões constitucionais e legais que adotaram a responsabilidade objetiva são citadas a seguir.

• Decreto-Lei N.º 79.347/77: promulgou a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil por Danos Causados por Poluição por Óleo;

• Lei N.º 6.453, de 17 de outubro de 1977: trata da responsabilidade civil por danos nucleares, prevendo em seu artigo 4º que “será exclusiva do operador da instalação nuclear, nos termos desta Lei, independentemente da existência de culpa, a responsabilidade civil pela reparação de dano nuclear causado por acidente nuclear”; • Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981: Lei na Política Nacional do Meio Ambiente,

artigo 14, § 1º - “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente”;

• Lei n.º 7.347/85: Ação Civil Pública;

• Constituição Federal, 1988: Art. 21, inciso XXIII, alínea “c”: referente aos danos causados por atividade de exploração de energia nuclear, sendo a responsabilidade civil por danos nucleares independente da existência de culpa; Art. 225, § 2º e 3º: este tratando das condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, sujeitando

71 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 270.

72MARINONI, Luiz Guilherme. O Direito ambiental e as ações inibitória e de remoção do ilícito. Jus Navigandi,

Terezina, ano 8, n. 272, 5 abr. 2004. Disponível em : http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp.?id=5044. Acesso em: 18 jan. 2007.

os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados e aquele referente àquele que explorar recursos minerais, ficando obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

• Lei N.º.797/89: Fundo Nacional do Meio Ambiente;

• Lei N.º.802/89: dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências.

Mais recentemente, no novo sistema do Código Civil (2002) é possível verificarmos certa tendência à adoção da responsabilidade objetiva nos casos de culpa presumida, como é o caso do art. 936 que presume culpa do dono de animal que venha a causar dano a terceiros, desde que não se comprove culpa da vítima ou força maior. Contudo, a legislação não avançou muito neste ponto quanto a suprir certas necessidades de danos, como no caso dos ligados aos interesses coletivos e difusos, preferindo nos remeter para outro diploma quando, no art. 937, previu a obrigação de reparar o dano, independente da culpa, em casos especificados por lei ou em face de atividade desenvolvida pelo autor, quando isso implicar risco para direitos de outras pessoas. Assim, admitiu-se a teoria do risco e especificamente encaminhou-nos para a Lei 6.938, de 1981.

Como assevera Morato Leite, no que pertine ao risco previsto no art. 937 do Código Civil:

Apesar da ênfase conferida ao risco, convém mencionar que o seu conteúdo não foi explicitado, o que evidencia um tratamento superficial da questão. Cumpre ressaltar, entretanto, que esse fator em nada prejudica a aplicabilidade objetiva do dano ambiental. Os danos ambientais continuados ou acumulados servem como exemplos característicos, pois as atividades de riscos podem por acumulações causarem danos futuros73.

Assim, pela leitura do referido dispositivo, poderia ser outra a interpretação, mas devemos entender também que a responsabilização poderá ocorrer no caso de atividades potenciais e não somente pelos danos concretos.

73 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Revista

De todo modo, somente através da responsabilidade objetiva é que se conseguirá a reparação de certos danos que, possivelmente, jamais seriam reparados pela tradicional regra da culpa74, o que nos faz concluir que pela teoria objetiva sempre ocorrerá a socialização tanto do lucro como do dano.

Isso ocorre porque a tendência socializadora do direito, neste aspecto, faz com que a responsabilização decorra do interesse social que envolve o fato da indenização e não da culpa do autor do dano, de acordo com entendimento de Trujillo75. Da mesma forma pensa Costa quando aduz que:

Deve observar-se que os referidos caminhos da responsabilidade civil não estancaram no reconhecimento e alargamento das hipóteses de responsabilidade isenta de culpa, em especial pelo que respeita aos utentes de coisas perigosas. Procura-se ir adiante, num sentido que traduz uma socialização do risco ou do dano76.