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AÇÃO RESCISÓRIA SEM SUBMISSÃO A PRAZO DECADENCIAL

CAPÍTULO 4 A NOÇÃO DE COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

4.6 AÇÃO RESCISÓRIA SEM SUBMISSÃO A PRAZO DECADENCIAL

Outro caminho atípico para a desconstituição da coisa julgada formada por sentenças que acobertam inconstitucionalidades seria o uso da própria ação rescisória, com base no art. 485, V, do Código de Processo Civil, mas sem submissão ao prazo decadencial de 02 (dois) anos previsto no art. 495 do mesmo Codex.355

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WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 212. Cf. OLIANI, José Alexandre Manzano. Impugnação de sentença materialmente transitada em julgado, baseada em lei posteriormente declarada inconstitucional em controle concentrado pelo STF: ação rescisória ou declaratória de inexistência? Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, a. 28, n. 112, p. 235, out./dez., 2003. Diz o autor: “A sentença juridicamente inexistente deve ser hostilizada por meio da ação declaratória de inexistência, também denominada por parte da doutrina de querela nullitatis, uma vez que está contaminada por um vício tão profundo, cuja magnitude impede o trânsito em julgado. Ademais, cuida-se de um defeito tão intenso que poderá ser decretado incidentalmente em qualquer fase e grau de jurisdição, de ofício ou por exceção.”

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Alexandre ZAMPROGNO critica de forma veemente essa posição: “Assim, a questão da coisa julgada inconstitucional não pode e não deve ser tratada somente sob o aspecto de que a mesma não produz eficácia no mundo jurídico ante seu conflito com a o texto constitucional, mas deve ser observado que a própria Constituição consagra o Estado Democrático de Direito, e como tal qualquer decisão judicial, até as que já se encontram sob o manto da coisa julgada, somente poderá ser desconstituída se observado o devido processo legal consagrado no art. 5º, LVI, da Constituição Federal. Nessa linha. Qualquer desconstituição de uma decisão judicial deve observar os meios e ritos processuais previstos na Constituição e na legislação processual vigente, até porque a decisão judicial que originou a coisa julgada inconstitucional também observou o devido processo legal, e desconstituí-la, sem a observância do sagrado preceito constitucional, assemelhar-se-ia a um processo sumário de um Estado totalitário.” Meios processuais para desconstituir a coisa julgada inconstitucional. Revista

Interesse Público. Porto Alegre, Notadez, a. 5, n. 22, p. 98, 2003.

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“O ajuizamento dessa ação não se subordina a nenhum prazo, sobretudo porque, algo que não existe juridicamente não passará a existir em razão do transcurso de certo lapso de tempo. O tempo não tem a virtude de transformar um ato juridicamente inexistente num ato juridicamente existente, ou seja, a natureza do ato não pode ser modificada pelo tempo.” OLIANI, op. cit., p. 236.

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José Alexandre Manzano OLIANI, o qual, como visto, defende que a sentença inconstitucional é inexistente juridicamente e deve ser atacada por ação declaratória de inexistência (querella ou actio nullitatis), também

Esta posição é defendida, por exemplo, por Francisco Barros Dias, que afirma: “entendemos ser perfeitamente possível dispensar o prazo decadencial da ação rescisória quando se tratar de matéria constitucional”356. Também adere a essa opinião Evandro Silva Barros.357

Outro doutrinador que defende o uso a ação rescisória sem submissão a prazo decadencial para o combate à coisa julgada inconstitucional é Ivo Dantas, in verbis:

Na visão que propomos, se por um lado aplaudimos e concordamos com o prazo decadencial hoje fixado, por outro pensamos que, em sendo ela (a ação rescisória) utilizada para rescindir coisa julgada inconstitucional, o referido prazo não lhe deveria ser aplicado, em razão de que (como vimos afirmando) se trata de algo inexistente por estar calcada em lei inconstitucional, assim reconhecida (a inconstitucionalidade) pelo Supremo Tribunal Federal, quer na forma do Controle Direto ou Concentrado, quer no Controle Incidental, neste caso, após a suspensão, pelo Senado Federal, da execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal” (CF, art. 52, X).358

Ousamos discordar359 do eminente professor da Casa de Tobias Barreto. A defesa do uso da ação rescisória para a correção do vício de inconstitucionalidade da sentença, para aqueles que consideram que tal vício acarreta a inexistência jurídica do decisum, é uma contradição. Ora, o uso da rescisória só se justifica se se admitir a existência de coisa julgada a ser rescindida. E em se admitindo a existência da coisa julgada, não há como fugir aos reconhece a possibilidade de uso da ação rescisória para tanto, em obediência ao princípio da fungibilidade dos meios. Eis as palavras do autor: “Disso deflui que utilização da ação rescisória para atacar uma sentença inexistente juridicamente não é o meio mais adequado, mas, cremos que não há empecilho ao reconhecimento do vício sub examen no bojo da ação rescisória. Sustentam essa posição dois relevantes motivos: a) o vício em tela é argüível e reconhecível em qualquer processo, instância, e até mesmo de ofício; b) há divergências na doutrina e na jurisprudência acerca do meio correto para atacar tal sentença, donde extrai-se que há dúvida objetiva acerca do meio adequado para tal fim e, portanto, deve-se aplicar o princípio da fungibilidade dos meios.” loc. cit. 356

DIAS, Francisco Barros. Breve análise sobre a coisa julgada inconstitucional. Revista dos Tribunais. São Paulo, Revista dos Tribunais, a. 87, v. 758, p. 41, dez., 1998. Mas o autor acha mais adequado o manejo da ação declaratória de inexistência, “até pelo fato de entender que a coisa julgada inconstitucional inexiste no mundo jurídico”, sem submissão a prazo decadencial. O autor ainda destaca, no nosso entender de forma equivocada, que essa ação declaratória “poderia ser proposta em primeiro grau, ressalvando apenas os casos de competência originária dos Tribunais.”

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BARROS, Evandro Silva. Coisa julgada inconstitucional e limitação temporal para a propositura da ação rescisória. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, Revista dos Tribunais, a. 12, n. 47, p. 93, abr./jun., 2004.

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DANTAS, Ivo. Coisa julgada inconstitucional: declaração judicial de inexistência. Fórum Administrativo: Direito Público. Belo Horizonte, Fórum, a. 2, n. 115, p. 598, maio, 2002.

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Quem também discorda é Gilmar Ferreira MENDES, para quem a rescisão de sentença passada em julgado fundada em lei inconstitucional só pode ser instaurada dentro do prazo decadencial de dois anos da ação rescisória (CPC, arts. 485, V, e 495). Jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 260.

parâmetros legais estabelecidos pelo ordenamento processual para o manejo desse mecanismo excepcional.

Humberto Theodoro Junior, que considera a sentença inconstitucional uma sentença nula, mas atribui a essa nulidade os mesmos efeitos que os defensores da tese da inexistência jurídica da sentença inconstitucional atribuem a ela, afirma que a ação rescisória não é instrumento adequado para a correção do problema da coisa julgada inconstitucional, in verbis:

Poder-se-ia objetar que, sendo a ofensa á CF uma forma de violação da lei em sentido lato, o remédio próprio para seu enfrentamento seria a ação rescisória (CPC, art, 485, V) [...]. A objeção, todavia, não procede, por duas razões principais: a) a ação rescisória não é instrumento destinado à declaração de nulidade da sentença, mas à desconstituição (rescindibilidade) de sentença válida; tanto que, quando a sentença é nula por defeito de citação, o CPC endereça a argüição, especificamente, para os embargos e não para a rescisória (CPC, art. 741, I); b) ademais disso, a rescisória está confinada a curto prazo decadencial, enquanto as nulidades, por princípio, não se convalidam pelo transcurso do tempo (CC, art. 169).360

4.7 A COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO-