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A natureza jurídica das sentenças inconstitucionais

CAPÍTULO 4 A NOÇÃO DE COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

4.4 OUTROS INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE COMBATE À COISA

4.4.2 A natureza jurídica das sentenças inconstitucionais

O que nos resta fazer, agora, é enquadrar as sentenças inconstitucionais (formadoras da chamada coisa julgada inconstitucional) numas das categorias de sentenças acima referidas. É fundamental proceder a esse devido enquadramento, uma vez que, como visto, a depender do tipo de sentença – inexistente ou nula – variam o instrumento e o procedimento usados para o saneamento do vício. Nesse sentido, in verbis:

[...] a doutrina aponta três categorias de vícios processuais, dentre as quais, duas são as que podem macular as sentenças – nulidade absoluta e inexistência jurídica, haja vista que as anulabilidades ou nulidades relativas sanam-se no curso do processo ou são convalidadas pela preclusão.

A cada uma dessas categorias de vícios que podem atingir as São Paulo: Saraiva, 1946. p. 301.

328

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 26-27.

329

OLIANI, José Alexandre Manzano. Impugnação de sentença materialmente transitada em julgado, baseada em lei posteriormente declarada inconstitucional em controle concentrado pelo STF: ação rescisória ou declaratória de inexistência? Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, a. 28, n. 112, p. 237, out./dez., 2003.

sentenças corresponde um regime jurídico respectivo, o que justifica buscar-se precisar qual desses defeitos acomete a sentença baseada em lei posteriormente declarada inconstitucional em controle concentrado.330

Admitindo-se a categoria de sentenças inexistentes e enquadrando-se as sentenças inconstitucionais nessa categoria, parece-nos que a discussão acerca da chamada relativização da coisa julgada, quanto a elas, perde o seu objeto. Afinal, sendo a coisa julgada material apenas a qualidade que confere imutabilidade às sentenças de mérito transitadas em julgado, caso se entenda que as sentenças que acobertam inconstitucionalidades são juridicamente inexistentes, forçoso concluir que as mesmas não formam coisa julgada jamais. Nesses casos, pois, seria desnecessário perquirir acerca da relativização de algo que não existe.

Por outro lado, não se admitindo a categoria das sentenças inexistentes, mas apenas a categoria das sentenças nulas – enquadradas nessa categoria as sentenças inconstitucionais –, resta-nos perquirir o efeito que dessa nulidade advém. Ou se entende que a nulidade absoluta da sentença também impede a formação da res judicata, e mais uma vez não se haverá de discutir, quanto a essas sentenças nulas, acerca de sua relativização, pelo mesmo motivo apontado no parágrafo anterior; ou se entende que uma sentença nula, a despeito do vício mais grave que a acomete, configura uma decisão apenas rescindível, restando apenas o caminho normal da ação rescisória para a sua desconstituição e, quando muito, o caminho alternativo da alegação de inexigibilidade do título (arts. 475-L, § 1º, e 741, parágrafo único, do CPC).

Enfim, a depender do valor jurídico que se atribui a uma sentença eivada de vício de inconstitucionalidade331, a qual vem a formar, portanto, uma coisa julgada inconstitucional, defende-se um regime jurídico-processual distinto apto a atacá-la.

É preciso, todavia, fazer uma breve ressalva: os doutrinadores não são uniformes no

330

Ibidem. p. 221. Vê-se que o autor já aponta sua opinião no sentido de restringir o estudo da coisa julgada inconstitucional aos casos de pronunciamento do STF em controle concentrado de leis.

331

Inconstitucionalidade esta, repita-se, decorrente de pronunciamento posterior do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinada norma aplicada ou aplicável ao caso em que se formou a res judicata.

trato do tema, sobretudo no que se refere à terminologia utilizada. Há processualistas que diferenciam três tipos de sentenças: rescindíveis, nulas e inexistentes332. Para os que assim entendem, tanto as sentenças nulas quanto as sentenças inexistentes não passariam em julgado, em razão da gravidade do vício de que padecem.

Embora discordemos dessa posição, não há, no fundo, maiores problemas quanto a isso para a análise da matéria. Isso porque a discordância, na essência, é muito mais quanto a aspectos terminológicos, conforme observa José Alexandre Manzano Oliani, in verbis:

Encontra-se na doutrina distinção entre sentença rescindível, sentença nula e sentença inexistente. O que diferencia essas categorias é o fato de que as sentenças rescindíveis passam em julgado e, ipso facto, são rescindíveis, enquanto que as nulas e as inexistentes ostentam um vício tão grave que não têm aptidão para passar em julgado. A nosso ver, entretanto, as sentenças nulas passam em julgado e, conseguintemente, são rescindíveis, ao passo que somente as inexistentes juridicamente é que não ensejam a formação da coisa julgada, donde não serem rescindíveis.

[...]

Deve-se sublinhar a variedade terminológica encontrada na doutrina e jurisprudência acerca do tema sob exame – vícios da sentença. Todavia, parece-nos que o fenômeno jurídico-processual enfocado é o

mesmo, variando apenas a terminologia adotada.333

O próprio Humberto Theodoro Junior já destacava esse mesmo problema há bastante tempo, in verbis:

[...] no traçar das linhas divisórias da inexistência e da nulidade, em matéria de sentenças, os autores não chegam a indicações precisas e uniformes, sendo comum o mesmo vício ser invocado ora como exemplo de nulidade, ora de inexistência, e até mesmo se chega a usar indistintamente as expressões nulidade e inexistência como se equivalentes fossem.334

Optamos por uma classificação e, conseqüentemente, por uma terminologia específica,

332

THEODORO JUNIOR, Humberto. Nulidade, inexistência e rescindibilidade da sentença. Revista de

Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, a. 5, n. 19, p. 28, jul./set., 1980.

333

OLIANI, José Alexandre Manzano. Impugnação de sentença materialmente transitada em julgado, baseada em lei posteriormente declarada inconstitucional em controle concentrado pelo STF: ação rescisória ou declaratória de inexistência? Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, a. 28, n. 112, p. 226, out./dez., 2003.

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mas o que importa, essencialmente, é o destaque para o fato de que, não obstante a terminologia utilizada, a doutrina identifica três vícios que podem acometer as sentenças, conforme sua gravidade. E mais: para cada tipo de vício, conforme sua gravidade, há um regime jurídico-processual próprio para a sua correção. Nesse sentido, in verbis:

Não obstante a disputa existente acerca da terminologia a ser empregada, constata-se que a doutrina identifica três espécies de vícios processuais, sendo que o divisor de águas é a intensidade desses defeitos e os respectivos regimes jurídicos, quer dizer, há vícios fracos, médios e fortes e a cada qual é despendido um tratamento jurídico diferente. Os fracos sujeitam-se à preclusão, isto é, se não alegados no prazo legal, sanam-se; os médios sobrevivem à preclusão e até mesmo à formação da coisa julgada material, restando sanados (rectius inatacáveis) apenas após o transcurso do biênio rescisório e os fortes são insanáveis e, portanto, poderão ser atacados a qualquer momento, ou seja, nem o decurso do biênio decadencial para a propositura da ação rescisória tem o condão de saná-los.335

4.5 AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE COISA JULGADA: QUERELA