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CAPÍTULO 3 A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA NA DOUTRINA E

3.3 DELIMITAÇÃO DO TEMA

As propostas de relativização da coisa julgada consistem, basicamente, na defesa da possibilidade de sua rescisão mesmo depois de esgotado o prazo decadencial de dois anos para a propositura da ação rescisória.

Estas propostas envolvem, em síntese, (i) os casos de decisões que contêm injustiças intoleráveis e (ii) os casos de decisões que possuem vício de inconstitucionalidade, quando se fala, então, na chamada coisa julgada inconstitucional163. Nelson Nery Junior, que, como

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São os casos, por exemplos, de Barbosa Moreira e Marinoni, que ao criticarem a doutrina da “relativização” da coisa julgada, preocupam-se, especificamente, em rebater as teses de Dinamarco e Humberto Theodoro expostas nos seus textos que constam da obra coletiva Coisa julgada inconstitucional.

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WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

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CÂMARA, Alexandre Freitas. Relativização da coisa julgada material. Revista Gênesis de Direito do

Trabalho. Curitiba, Gênesis, n. 133, jan., 2004.

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DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Considerações sobre a desconstituição e a relativização da coisa julgada. Revista do TRF da 5ª Região. 2004. Ed. em homenagem ao Des. Ridalvo Costa.

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DANTAS, Ivo. Coisa julgada inconstitucional: declaração judicial de inexistência. Fórum Administrativo: Direito Público. Belo Horizonte, Fórum, a. 2, n. 15, p. 588-607, maio 2002. Texto publicado, posteriormente, como capítulo do Livro Constituição e processo, publicado pela mesma editora.

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DIAS, Francisco Barros. Breve análise sobre a coisa julgada inconstitucional. Revista do Tribunais. São Paulo, Revista dos Tribunais, a. 87, v. 758, p. 34-42, dez., 1998. As idéias lançadas pelo autor nesse artigo são uma síntese de sua dissertação de mestrado, intitulada coisa julgada inconstitucional.

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Em um texto recente e interessante, Durval AIRES FILHO lança idéias bastante originais acerca da relativização da coisa julgada, analisando o movimento doutrinário e jurisprudencial da relativização “através de três linhas primaciais: a globalização da economia, as famosas razões de estado e as sentenças injustas.” O

veremos a seguir, é um dos ferrenhos críticos da doutrina da “relativização”, resume bem a proposta dos seus defensores, in verbis:

Alegando que a coisa julgada tem regulamento em lei ordinária e que a sentença não pode ser inconstitucional e deve ser justa, verifica-se certa tendência de setores da doutrina e da jurisprudência de desconsiderar essa mesma coisa julgada, sob dois argumentos básicos: a) coisa julgada injusta: se a sentença tiver sido justa, faria coisa julgada; se tiver sido injusta, não terá feito coisa julgada; b) coisa julgada inconstitucional: se a coisa julgada for inconstitucional, não poderá prevalecer164.

As soluções apresentadas, como se verá adiante, são as mais variadas. Alguns, como Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, defendem que as sentenças portadoras de vícios dessa natureza são inexistentes, razão pela qual elas sequer formariam coisa julgada material, podendo, pois, serem desconstituídas por meio de uma ação declaratória, não submetida a nenhum prazo.

Há certas sentenças, e há muito um dos autores deste ensaio vem defendendo este ponto de vista, que não têm aptidão para transitar em julgado. Está-se aqui diante de um grupo de sentenças, a que chamamos, segundo a terminologia que propomos, de sentenças juridicamente inexistentes165.

Outros, como é o caso de Humberto Theodoro Junior, argumentam que as decisões que, por exemplo, ofendem princípios constitucionais são absolutamente nulas, também podendo ser desconstituídas a qualquer tempo.

1. O vício da inconstitucionalidade gera a invalidade do ato público, seja legislativo, executivo ou judiciário; 2. A coisa julgada não pode ser empecilho ao reconhecimento da invalidade da sentença proferida em contrariedade à Constituição Federal; 3. Em se tratando de sentença nula de pleno direito, o reconhecimento do vício de inconstitucionalidade pode se dar a qualquer tempo e em qualquer procedimento, por ser insanável166.

trinquete da coisa julgada relativa e alguns questionamentos em matéria tributária. In: MACHADO, Hugo de Brito. Coisa julgada, constitucionalidade e legalidade em matéria tributária. São Paulo: Dialética; Fortaleza: ICET, 2006. p. 59-78.

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NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 505. 165

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 26.

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THEODORO JÚNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. O tormentoso problema da inconstitucionalidade da sentença passada em julgado. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 127, p. 11-53, set., 2005. Aqui é preciso destacar que Humberto Theodoro parece ter mudado radicalmente de opinião. Com efeito, em um seu conhecido texto de 1995, publicado na Revista de Processo nº 79, o processualista mineiro critica os que defendem a prevalência da ‘constitucionalidade’ sobre a coisa julgada.

O que se pretende, pois, com as propostas de relativização é, como dito, permitir a revisão de certas sentenças acobertadas pela coisa julgada material mesmo depois de já ultrapassado o prazo para a propositura da ação rescisória, ou seja, mesmo depois de formada a chamada coisa julgada soberana. E mais: sem que seja necessário, sequer, ajuizar a ação rescisória.

Aqui, cabe-nos aproveitar o ensejo e destacar que alguns críticos dessa proposta de “relativizar” a coisa julgada material contestam, de início, a própria terminologia usada para designar esse movimento doutrinário. Para Nelosn Nery Junior, o que se pretende, na verdade, é a desconsideração da coisa julgada em algumas situações excepcionais. Assim, o uso da expressão “relativização” seria um mero eufemismo167.

A crítica mais percuciente, todavia, à expressão “relativização” da coisa julgada para identificar as propostas doutrinárias de revisão da sentença mesmo quando já vencido o prazo da ação rescisória foi feita por Barbosa Moreira168. Segundo o grande processualista, quando se propõe a relativização de algo, “logicamente se dá a entender que se está enxergando nesse algo um absoluto: não faz sentido que se pretenda ‘relativizar’ o que já é relativo”.

Complementando seu raciocínio, destaca o professor Barbosa Moreira que a coisa julgada, em nosso ordenamento jurídico-processual, está longe de ser um valor absoluto, apontando a existência da ação rescisória, no processo civil, e da revisão criminal, no processo penal, instrumentos que se destinam, fundamentalmente, “à eliminação da coisa julgada”. Assim, conclui que “o que se pode querer – e é o que no fundo se quer, com dicção imperfeita – é a ampliação do terreno ‘relativizado’, o alargamento dos limites da ‘relativização’”169.

THEODORO JUNIOR, Humberto. A ação rescisória e o problema da superveniência do julgamento da questão constitucional. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 79, p. 158-171, jul./set., 1995.

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NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 505. 168

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Considerações sobre a chamada relativização da coisa julgada material.

Revista Forense. Rio de Janeiro, Forense, v. 101, n. 377, p. 43, fev., 2005.

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3.4 A “RELATIVIZAÇÃO” DA COISA JULGADA NOS CASOS DE “INJUSTIÇA