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A correta interpretação da súmula nº 239 do STF

CAPÍTULO 4 A NOÇÃO DE COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

5.5 A LIMITAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DA COISA JULGADA

5.5.3 A correta interpretação da súmula nº 239 do STF

Há muitos anos, em brilhante parecer, o professor Celso Neves já alertava apara a necessidade de esclarecermos alguns pontos referentes à aplicabilidade da súmula nº 239 do STF. Como ele bem explica393, o entendimento jurisprudencial consagrado nesta súmula só se aplica “quando expressamente se refere a cobrança indevida em determinado exercício”, ou seja, “circunscrita a lide ao indébito referente a determinado exercício, a coisa julgada não o

391

GRECO, Leonardo. Novas súmulas do STF e alguns reflexos sobre o mandado de segurança. Revista

Dialética de Direito Processual. São Paulo, Dialética, n. 10, p. 45, jan., 2004.

392

LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. de José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 509.

393

NEVES, Celso. Coisa julgada no direito tributário. Revista de Direito Público. São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 29, p. 242-243, maio/jun., 1974.

transcende, por força do próprio princípio da congruência entre o pedido e a decisão”. Em alguns casos, porém, ressalta o professor Celso Neves, a própria declaração se reveste da autoridade da coisa julgada, em vez de se ater a repelir certos lançamentos, referentes a determinados exercícios.

Não menos brilhante é a advertência feita por Ruy Barbosa Nogueira:

Imagine-se ainda do ponto de vista prático, em um país como o Brasil, onde os maiores impostos são os continuativos ou de autolançamento, se cada contribuinte tivesse que impetrar mandado de segurança, propor ação ou ser demandado em cada ato a ser praticado, ou continuado, como ficariam os tribunais sufocados em atos repetitivos ou de rotina394.

Aponta José Maria Tesheiner que outros autores, como Lúcia Valle Figueiredo, também criticam o enunciado da súmula em comento, afirmando a necessidade de que, sobretudo nas hipóteses de isenção, imunidade e inconstitucionalidade, não se restrinja a sentença a decidir um único fato, para um mês, ou um exercício395.

Apenas no que se refere aos lançamentos, pois, é que os efeitos da coisa julgada tributária são limitados no tempo, restringindo-se ao que foi objeto do litígio. Em contrapartida, quando a demanda ataca não o lançamento, mas o imposto em si mesmo, os efeitos da coisa julgada tributária se projetam para os períodos subseqüentes.

É esse o entendimento prevalecente nos precedentes que deram origem à súmula nº 239 do Supremo Tribunal Federal, e assim deve ser ela interpretada. Uma interpretação diferente só se justifica, como bem destaca Leonardo Greco396, pela “esdrúxula autonomia” que os enunciados sumulares têm adquirido em relação aos seus precedentes, “tornando-se verdadeiras normas genéricas e abstratas semelhantes às emanadas pelo Poder Legislativo”.

Além das opiniões abalizadas de Celso Neves e Ruy Barbosa Nogueira, já referidas

394

NOGUEIRA, Ruy Barbosa. A coisa julgada em direito tributário. Revista da Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo. São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 68, 1º fascículo, p. 107, 1973.

395

TESHEINER, José Maria. Eficácia da sentença e coisa julgada no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p 169.

396

GRECO, Leonardo. Novas súmulas do STF e alguns reflexos sobre o mandado de segurança. Revista

acima, outros autores de escol que, interpretando a súmula em comento com base nos seus precedentes, chegam à mesa conclusão que chegamos são Arruda Alvim397 e Celso Agrícola Barbi398.

Em obra mais recente, resultado de sua dissertação de mestrado defendida na PUC-SP, Gustavo Sampaio Valverde, após apontar que “a doutrina é farta e quase uníssona em relação a essa questão”, entende que “a súmula 239 do STF aplica-se apenas às decisões proferidas nas ações de repetição de indébito, anulatória, embargos à execução e consignatória”, e que a delimitação temporal da coisa julgada tributária deve sempre ser analisada a partir do objeto do processo, continuando em voga “a distinção entre as discussões que versam ‘elementos permanentes e imutáveis da relação jurídica’ e as que tratam de ‘elementos temporários e mutáveis’ dessa mesma relação”.399

5.5.3.1 A falácia da tese da sentença com efeitos normativos

Há que se refutar também a tese de que, com a projeção dos efeitos da coisa julgada para exercícios futuros, estar-se-ia atribuindo caráter normativo à sentença400. Não é bem assim. Isto só ocorreria se a sentença estabelecesse uma regra geral de conduta para casos futuros e indeterminados, o que não é o caso.

Com efeito, quando a sentença apenas decide um caso concreto “entre determinadas partes, tendo como objeto esclarecer uma determinada “relação jurídico-tributária”, em face

397

ALVIM, Arruda. Anotações sobre a chamada coisa julgada tributária. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 92, p. 8, 1998.

398

BARBI, Celso Agrícola. Coisa julgada: sentença declaratória com pedido não delimitado a determinada relação jurídica: eficácia além de um exercício fiscal. Revista Forense. Rio de Janeiro, Forense, n. 275, p. 136, 1981.

399

VALVERDE, Gustavo Sampaio. Coisa julgada em matéria tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 228-229, 266.

400

Veja-se o contra-senso. Por um lado, afirma-se que o Poder Judiciário não pode proferir decisões com efeito normativo. Em contrapartida, pretende-se solucionar tal problema justamente atribuindo efeito normativo a uma súmula de jurisprudência, que nada mais é do que um enunciado extraído de decisões reiteradas de um tribunal.

do direito positivo vigente”401, o simples fato de esta decisão operar efeitos para o futuro, ou seja, além daquele exercício financeiro, não faz com que a decisão adquira caráter normativo, pois ela não estabeleceu um regramento genérico e abstrato que aproveite a todos os que estejam na mesma situação, mas apenas uma disposição específica, destinada a solucionar um litígio que lhe foi submetido.

Neste aspecto, é muito interessante a lição de Hely Lopes Meirelles, quando distingue a segurança normativa da segurança preventiva:

Não se confunda – como freqüentemente se confunde – segurança preventiva com segurança normativa. O nosso sistema judiciário admite aquela e rejeita esta. Segurança preventiva é a que se concede para impedir a consumação de uma ameaça a direito individual em determinado caso; segurança normativa seria a que estabelecesse regra geral de conduta para casos futuros, indeterminados402.

Paulo Roberto Oliveira Lima403 também critica a tese de que a coisa julgada tributária não poderia projetar seus efeitos para o futuro ao argumento de que se estaria dando caráter normativo à sentença404. E o autor faz uma comparação com a ação de alimentos, sustentando que se a decisão não produzisse seus efeitos para o futuro, todo mês teria que ser proposta uma ação nova para determinar o valor devido pelo alimentante. A opinião é compartilhada por José Maria Tesheiner, que pergunta: “por que não se adota o mesmo critério relativamente às relações jurídicas tributárias de natureza continuada?”405.

401

NOGUEIRA, Ruy Barbosa. A coisa julgada em direito tributário. Revista da Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo. São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 68, 1º fascículo, p. 99, 1973.

402

MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança e ação popular. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969. p. 44-45.

403

LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Contribuição à teoria da coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 146.

404

Gustavo Sampaio VALVERDE, citando parecer inédito de Humberto Theodoro, endossa a crítica em análise.

Coisa julgada em matéria tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 229-231.

405

TESHEINER, José Maria. Eficácia da sentença e coisa julgada no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p 189.