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Há diferença entre a sentença inexistente e a sentença nula?

CAPÍTULO 4 A NOÇÃO DE COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

4.5 AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE COISA JULGADA:

4.5.1 Há diferença entre a sentença inexistente e a sentença nula?

Já destacamos que, a depender da classificação adotada acerca dos vícios processuais que atingem a sentença, bem como da terminologia usada, não haverá muita – ou mesmo nenhuma – distinção, ao menos na prática, entre a sentença inexistente e a sentença nula. Para os defensores de uma e outra corrente, em alguns casos, a conseqüência prática é a mesma: possibilidade de correção a qualquer tempo, independentemente de propositura de ação rescisória.347

Com efeito, há processualistas que entendem que o vício de inconstitucionalidade da sentença a torna uma sentença absolutamente nula, defendendo-se a possibilidade de sua revisão por meio de uma ação declaratória de nulidade, a qual poderia ser proposta, também, a qualquer tempo, uma vez que o vício de nulidade ipso iure não se convalidaria348. Cite-se, por exemplo, a opinião abalizada de Humberto Theodoro Junior, para quem “a inconstitucionalidade torna nula ipso iure a sentença e, como tal, pode ser argüível e reconhecível a qualquer tempo e em qualquer processo, por qualquer juiz ou tribunal.”349

No entanto, pensamos que o grande problema, aqui, conforme já destacamos acima, é apenas a falta de uniformidade metodológica entre os autores. Uns sustentam que o vício de inconstitucionalidade acarreta a inexistência jurídica da sentença, ao passo que outros alegam ser a sentença inconstitucional uma decisão nula. As diferenças, entretanto, terminam aí, ou seja, resumem-se a aspectos terminológicos, porque a conseqüência que se atribui é a mesma,

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Araken de ASSIS critica aqueles que entendem que inexistência e nulidade absoluta produzem, em síntese, os mesmos efeitos: “Freqüentemente, cria-se lastimável confusão entre a inexistência e a nulidade absoluta, sob o fundamento de que seus efeitos se equivalem. Esta coincidência se revela inexata. O defeito do ato inexistente é de tal ordem que nenhuma consideração merece do juiz, vez que simples fato da vida, do qual ‘nada resulta’. De seu turno, o ato inválido, porque gere efeitos até seu desfazimento, exigirá desconstituição por resolução do órgão judiciário, pouco importando, para tal arte, se ex officio ou por iniciativa do prejudicado.” Eficácia da coisa julgada inconstitucional. Revista Jurídica. Porto Alegre, v. 50, n. 301, p. 14, nov., 2002.

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Vale registrar que nós entendemos, com apoio, por exemplo, em Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, defensores da tese de que a sentença inconstitucional é inexistente, que as sentenças que contém vícios de nulidade absoluta submetem-se ao regime geral de rescindibilidade (= ação rescisória).

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THEODORO JUNIOR, Humberto. A reforma do processo de execução e o problema da coisa julgada inconstitucional. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil. a. 5, n. 29, p. 19, maio/jun., 2004.

qual seja, a possibilidade de desconstituição da coisa julgada material eventualmente formada a qualquer tempo, sem necessidade da propositura de ação rescisória.

A doutrina disputa acerca de qual seria a expressão mais adequada para se nominar os vícios que maculam a sentença a ponto de impedi o seu trânsito em julgado, bem como quais seriam os vícios que integram essa categoria. Todavia, não há disputa acerca da existência dessa categoria e de vícios nela encartáveis, nem tampouco acerca do regime jurídico que lhes é destinado.

É pacífico que tais sentenças podem ser atacadas a qualquer tempo por ação declaratória de inexistência.350

Não há sequer uniformidade quanto ao nomen júris da medida processual apta a desconstituir a coisa julgada inconstitucional. Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina afirmam que a ação declaratória de inexistência, proposta contra as sentenças inconstitucionais, é a conhecida querela nullitatis, afirmando que tal expressão não seria ideal para identificar a ação declaratória de nulidade, justamente em razão da distinção entre nulidade absoluta e inexistência jurídica.

Importante ressaltar que a expressão querela nullitatis tem séculos e séculos de vida. O mesmo não se pode dizer da distinção entre nulidade absoluta e inexistência a que recentemente a doutrina começou a dar relevância.

Talvez esta seja uma das razões em função da qual a expressão querela nullitatis ainda hoje é usada para abranger situações que, à luz do direito contemporâneo, rigorosamente seriam de inexistência jurídica e não de nulidade.351

Ressalte-se, ainda, que os defensores da tese de que a sentença inconstitucional é inexistente entendem que a ação declaratória de inexistência não seria o único meio processual apto a atacar a coisa julgada inconstitucional, enquanto no que tange às sentenças nulas, afirmam, o mesmo não ocorreria: “(...) a declaração de inexistência da sentença não precisa necessariamente ocorrer, por meio de uma ação, como, de ordinário, acontece com as

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OLIANI, José Alexandre Manzano. Impugnação de sentença materialmente transitada em julgado, baseada em lei posteriormente declarada inconstitucional em controle concentrado pelo STF: ação rescisória ou declaratória de inexistência? Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, a. 28, n. 112, p. 233, out./dez., 2003.

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WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Relativização da coisa julgada. In: MARINONI, Luiz Guilherme (Coord.). Estudos de direito processual civil: homenagem ao professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 549.

lides que são objeto de ações declaratórias.”352 353

Enfim, pouco importa o nome que se dê ao fenômeno jurídico – sentença inexistente ou sentença absolutamente nula. O que interessa saber é que há uma forte corrente doutrinária que defende ser a sentença inconstitucional uma sentença portadora de vício tão grave que não está apta a formar coisa julgada material. Sendo assim, o vício poderia ser alegado por uma ação autônoma, sem submissão a qualquer prazo, haja vista que o mero transcorrer do tempo não teria o condão de sanar um vício de tamanha gravidade354.