• Nenhum resultado encontrado

A possibilidade de aplicação do art 471, I, do CPC, à coisa julgada

CAPÍTULO 4 A NOÇÃO DE COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

5.6 A COISA JULGADA TRIBUTÁRIA E A AFRONTA AO PRINCÍPIO DA

5.6.2 A possibilidade de aplicação do art 471, I, do CPC, à coisa julgada

quando houver mudança de orientação jurisprudencial

José Maria Tesheiner, a propósito do assunto em questão – coisa julgada e isonomia –, faz uma interessante proposta: a inclusão, no art. 471 do CPC, de um parágrafo esclarecendo que se considera modificação no estado de direito a fixação de jurisprudência em outro sentido, por súmula do tribunal competente.

Para nós, que entendemos que a jurisprudência constitui, sim, fonte de direito, esse dispositivo contém a solução do problema (refere-se o autor ao art. 471, I, do CPC). Se o contribuinte (ou o fisco) obtém declaração, com base em determinada interpretação, mas a jurisprudência vem a se fixar em sentido oposto, há de caber a revisão do julgado, porque houve modificação do direito.

Esta é, pois, a nossa proposta: que se inclua, no art. 471, parágrafo esclarecendo que se considera modificação no estado de direito a fixação da jurisprudência em outro sentido, por súmula do tribunal competente (que seria o Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional; o Superior Tribunal de Justiça, quanto à lei federal, o Tribunal de Justiça, no que diz respeito à lei local). Observe-se que não se estaria a rescindir a sentença. A ação seria rigorosamente de revisão do julgado, com efeitos ex nunc ou retroagindo, no máximo, à data da propositura da ação revisional.422

Parecem comungar do mesmo entendimento os juristas Marco Aurélio Greco e Helenilson Cunha Pontes, in verbis:

Em outras palavras, sobrevindo à sentença declaratória fundada na inconstitucionalidade de uma incidência tributária, alteração na situação de fato ou de direito subjacente àquela decisão (como por exemplo, pronúncia definitiva de constitucionalidade ou inconstitucionalidade da mesma norma por parte do Supremo Tribunal Federal), aquela decisão pode – e deve – ser submetida à ação de revisão, nos termos do art. 471 do CPC, nas hipóteses e condições em que cabível esta ação.423

Não vemos com bons olhos, todavia, a proposta do eminente jurista. Estar-se-ia levando a insegurança jurídica ao regramento legal de um instituto que tem justamente o escopo primordial de conceder segurança jurídica às relações processuais. Afinal, todos

422

TESHEINER, José Maria. Eficácia da sentença e coisa julgada no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 190-192.

423

GRECO, Marco Aurélio e PONTES, Helenilson Cunha. Inconstitucionalidade da lei tributária: repetição do indébito. São Paulo: Dialética, 2002. p. 96.

sabemos quão volátil é o posicionamento jurisprudencial de nossos tribunais acerca das mais variadas matérias, sobretudos as tributárias, o que poderia gerar uma situação permanente de incerteza, na medida em que, a cada mudança de orientação, poder-se-ia pleitear a revisão do julgado.

Eduardo Talamini comenta a proposta de Tesheiner. O autor adverte, de forma pertinente, que é preciso distinguir, precisamente, a simples divergência ou o amadurecimento de interpretação de lei pelos tribunais, do “processo de alteração da norma como decorrência de uma mudança no substrato sociocultural”.424

Com efeito, a aplicação da regra prevista no art. 471, I, do Código de Processo Civil, às relações jurídicas continuativas, com base na alteração do estado de direito pressupõe, primeiramente, que se esteja realmente diante de uma relação jurídica continuativa (relações propriamente continuadas). Nesse ponto, é forçoso reconhecer que algumas relações jurídicas tributárias, de fato, preenchem o requisito, como bem atesta Talamini, in verbis:

Mas, em certas condições, a regra em discurso é aplicável também às relações “sucessivas” que, por sua reiteração e homogeneidade, tenham sido julgadas em uma única sentença. Os exemplos mais comuns nesse sentido dizem respeito ao direito tributário: cada incidência do tributo nos sucessivos exercícios ou nas reiteradas operações praticadas pelo contribuinte implica uma específica relação jurídica. Assim, pode haver relações jurídicas múltiplas e sucessivas,

porém homogêneas, entre os mesmos sujeitos.425

Por outro lado, não basta que se esteja diante de relações jurídicas continuativas ou “sucessivas” – como é o caso das relações tributárias – para que se possa aplicar a regra em comento. É preciso, em segundo lugar, “diferenciar os casos em que determinada norma incidiu apenas no momento da constituição da relação continuativa dos casos em que a norma permanece incidindo no curso dessa relação”426.

Pois bem. Mesmo presentes as condições estabelecidas nos parágrafos supra, é preciso

424

TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 397. 425

Ibidem, p. 92. 426

ainda perquirir, para a aplicação da regra do art. 471, I, do CPC, acerca da efetiva alteração do estado de direito, o que só ocorrerá, de fato, “quando o quadro fático e (ou) axiológico fizer com que se passe a atribuir um novo sentido ao dispositivo normativo”, o que não se confunde, definitivamente, com a mera alteração da jurisprudência, in verbis:

Mas com isso não se confunde a pura e simples divergência ou variação jurisprudencial. Quando o que se tem é a mera oscilação jurisprudencial seguida de sua estabilização – alheia a uma alteração no substrato fático-axiológico –, não se pode afirmar que houve verdadeira mutação da ordem jurídica. Nessa hipótese, o direito permanece o mesmo e o que se tem, eventualmente, é uma decisão desde o início incorreta.427

A questão é que, quando se tem em mira a segurança jurídica, por mais que se tente, jamais será possível conseguir evitar, de forma absoluta, a ocorrência de uma ou outra situação de injustiça. Nas palavras do professor Celso Neves:

Cada sistema jurídico diz, portanto, se nele deve operar, ou não, a garantia da coisa julgada, na dupla função que a doutrina atribui a essa figura jurídica. As próprias razões que levam o Estado “A”, ou o Estado “B”, a adotá-la, podem variar, porque concernentes a variáveis concepções sócio-políticas. A preocupação de acerto, o fetichismo pela sentença sempre justa, assim como pode levar à multiplicação das vias de recurso, pode conduzir, também à postergação da coisa julgada, pelo temor de revestir a sentença injusta com o manto da autoridade do Estado428.

Ao prever o instituto da coisa julgada e atribuir a ele o status de garantia constitucional (art. 5º, XXXVI, da CF/88), o ordenamento jurídico brasileiro fez uma opção, muito bem sintetizada por Nelson Nery Júnior:

A segurança jurídica, trazida pela coisa julgada material, é manifestação do Estado Democrático de Direito. Entre o justo absoluto, utópico, e o justo possível, realizável, o sistema constitucional brasileiro optou pelo segundo (justo possível), que é consubstanciado na segurança jurídica da coisa julgada material.

Por conseguinte, a proposta de permitir a revisão da coisa julgada com base no art. 471, I, do Código de Processo Civil é completamente equivocada e “pode ir contra a própria essência do acesso à justiça e do devido processo legal”. Afinal:

427

TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 398-399. 428

A circunstância de diferentes de diferentes sujeitos em situações juridicamente homogêneas ficarem submetidos a soluções jurisdicionais distintas é ineliminável. É o preço que se paga para se ter um sistema em que cada um possa valer individualmente suas pretensões.429

5.7 A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE OU