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2 ELEMENTOS DE ÉTICA, POLÍTICA E DIREITO NA CONTEMPORANEIDADE

2.1 A ética como constituinte da noção de politicidade

De acordo com Manfred A. Oliveira (1993), o problema ético na vida humana é tematizado pelos filósofos gregos a partir de uma intuição básica: a de que o homem, para ser homem, necessita conquistar seu ser pelo exercício e empenho de sua própria liberdade. Essa questão de fundo, conforme explica o autor, é pensada pela tradição clássica de pensamento a partir de uma matriz cosmocêntrica que, tendo como pano de fundo uma teoria da realidade em sua totalidade, entende o mundo como se as coisas existentes e o próprio ser do homem estivessem inseridos em uma ordem natural e imutável. Nessa perspectiva, a determinação do homem é pensada como já estabelecida, como essência eterna, uma configuração que permanece imutável em todas as mudanças do existir histórico do homem. No entanto, a essência deste ser deve ser buscada pelo homem no exercício de sua liberdade.

O paradigma do eterno, que fundamenta a metafísica5, é pensado por Platão a partir da problematização da política. De acordo com Oliveira (1993), a morte de Sócrates fez Platão concluir que a vida política em sua empiricidade estava corrompida. Com isso, ele dedica-se à procura da norma imutável que deve regrar a vida política empírica, o Estado, perguntando-se sobre a verdade do homem, sobre a essência imutável. Essa essência, em seu pensamento, só poderia ser constituída no “mundo das ideias”. Diferente do “mundo empírico”, este paradigma seria imutável, portanto não-histórico, mas deveria ser sempre buscado pelo homem na ação política. Com isso, o sentido ético, na vida humana, que permite a universalização do indivíduo tornando-o ser do homem, passa a ser compreendido a partir de normas pré-existentes e pré-determinadas pela ordem cósmica imutável, vinculando ética à cosmologia e à metafísica clássica.

A essência, afirma Oliveira (1993, p. 14), “serve de paradigma, instância de julgamento, critério de medida para tudo o que o homem faz em seu agir concreto”. É a própria ordem imutável do real, aquilo que estabelece ao homem o lugar que ele ocupa no mundo, tal como um princípio primeiro. No entanto, a essência do ser homem deve ser buscada pelo homem pela efetivação de sua liberdade. Nesse sentido, o homem como ser-livre é aquele que, em sua vida histórica, efetiva sua própria essência, isto é, atinge a universalização, torna-se ser do homem “à medida que se deixa guiar pelos paradigmas eternos da ordem cósmica, que se vai exprimir na convivência humana como o „mundo das leis‟.” (OLIVEIRA, 1993, p. 15).

Para os gregos, o natural imutável é a comunidade, de modo que a essência humana só pode ser constituída na sociabilidade. A efetivação da essência, a conquista/realização plena do ser-homem só é possível na pólis, na comunidade política:

[...] para o pensamento clássico, a situação natural do homem não é uma existência pré-política, mas precisamente a vida em sociedade, a vida inserida na comunidade política, pois aí é o lugar de sua auto-realização como ser livre. O Estado, a pólis, entendida como a comunidade dos homens iguais e livres, era, para os gregos, a condição de possibilidade de liberdade do homem. (OLIVEIRA, 1993, p. 21).

5 Oliveira (1993) explica que a metafísica distingue o ente e a essência, o fato (o ser) e a norma (o dever-ser); ela olha para o fato a partir da norma, que é a priori, que é captada pela razão, transformando o caos da facticidade em cosmos.

Nessa perspectiva, Platão buscou “uma organização racional da vida em comum, entendendo-se racional não o sentido da razão instrumental e funcional, como razão tecnológica, mas como razão ética.” (OLIVEIRA, 1993, p. 41). A política, para ele, não se reduz à administração de coisas; ela se refere à organização da vida humana a partir de normas. Em seu entendimento, sem a ética, a política pode transformar-se em repressão.

Para Platão, somente através da política o homem pode chegar à perfeição, uma maneira de viver que, caracterizada pela auto-reflexão, lhe permite atingir o bem que lhe é próprio, a felicidade. O ético, nesse sentido, é ser bom, que é o mesmo que ser feliz. E o que vale para o indivíduo, vale também para a pólis. Assim, a felicidade da pólis é a felicidade de todos seus cidadãos. No entanto, conforme adverte o autor, é preciso distinguir o bem do homem e o bem da pólis.

Giovanni Reale (1994) descreve que, para Platão, toda forma de política autêntica deve ter em vista o bem do homem. No entanto, ao conceber o homem como alma, para ele o verdadeiro bem tem a ver com a espiritualidade. Essa demarcação o faz distinguir entre a política verdadeira e a falsa, cujos objetivos também seriam distintos: “a verdadeira política deve ter em vista o „cuidado da alma‟ (o cuidado do verdadeiro homem), enquanto a política falsa tem em vista o corpo, o prazer do corpo e tudo o que é relativo à dimensão inautêntica do homem” (REALE, 1994, p. 238). Isso acontece porque, na Grécia Antiga, entendia-se o Estado (ou a pólis) e suas leis como o paradigma, o horizonte absoluto da vida do homem, isto é, o indivíduo era o cidadão assim como o valor e a virtude do homem era o valor e a virtude do cidadão. O Estado era o responsável, a fonte de todas as normas que organizavam e regulavam a vida do indivíduo. Neste sentido, a lei, enquanto emanada do Estado/pólis, é a expressão da justiça, devendo, necessariamente, ser respeitada. 6

Num primeiro momento, fica evidente, na teoria platônica, que o indivíduo não existe sem a pólis, é totalmente dependente desta: “o indivíduo é impensável sem a pólis, a pólis é o útero que o gera, pois sua formação e educação, tudo que é ele o deve à pólis e às suas leis” (OLIVEIRA, 1993, p. 42). Ou seja, ao partir da pólis, o indivíduo tem uma relação de lealdade para com a pólis. Por outro lado, o indivíduo conserva sua superioridade em relação

6 Aqui é importante lembrar do julgamento de Sócrates pois este, mesmo tendo a oportunidade do exílio, preferiu se submeter ao julgamento e cumprir aquilo que determinava as leis da cidade.

à pólis, uma vez que ao construir o todo (a pólis) ele constrói a si mesmo, como homem político que é. Dessa forma, distancia-se da pólis, atingindo sua liberdade.

Essa compreensão (da pólis e de si mesmo) e distanciamento (da pólis), no pensamento platônico, é o próprio exercício de liberdade e que só ocorre a partir da razão. Isso quer dizer que o homem capta o bem através da razão, ou seja, é a forma através da qual o homem alcança o bem enquanto tal e efetiva sua própria liberdade. Na teoria de Platão, portanto, seguindo o horizonte da metafísica, o bem é o fundamento de uma ordem racional, uma ética política no indivíduo, que deve orientar os atos humanos, tornando possível a existência da liberdade.

Convém ressaltar que a compreensão sobre o que seja a razão, na teoria clássica, é essencialmente teleológica. Tal matriz de pensamento é que torna possível o pressuposto ontológico que tem como referência a ordem divina da natureza como ordem da cidade. É o que permite ordenar a política e as leis com vistas a um fim, que é a justiça na cidade, ou seja, a ideia do Bem (VAZ, 1988).

Nessa perspectiva, Platão confere uma primazia ética ao indivíduo baseando-se no interesse do homem pela razão, na sua busca de conhecimento a respeito do que é o bem. Esse primado ético-racional, que fundamenta a vida em comum, faz com que se conceba a justiça como a categoria política central, sendo ela a virtude ou o bem que liga o homem ao Estado. Ou seja, o conhecimento do bem é a condição para que exista a justiça. O que é o político, nesse sentido, só pode ser compreendido tendo-se no horizonte a ideia de justiça não como um meio funcional, mas como fim último a ser buscado para que o homem seja feliz e tenha uma convivência digna no Estado. Nas palavras de M. Oliveira (1993, p. 47-48):

O bem é o fundamento do ser e do conhecer e, com isso, possibilidade de uma vida reta [verdadeira], em correspondência a ele, como norma suprema do agir, o que possibilita ao homem seu transcender sobre o ser, sobre o existente, portanto uma vida que transcende o vigente. [...] É orientando-se ao bem que o homem atinge a libertação de suas possibilidades e a segurança de sua vida e, portanto, a salvação, entendida como atividade justa e totalmente harmonizada em relação ao mundo e a si mesma, superando assim todas as contradições da existência.

A transcendência sobre o existente, nesse caso, significa a possibilidade de efetivação de uma vida ética, pois é a partir dela que pode haver o distanciamento do homem em relação ao todo existente, tornando possível a consciência crítica, o conhecimento do justo.

Ancorando-se em Maurer, Oliveira (1993) afirma que, por essa razão, a justiça está ligada intimamente com a igualdade, que na visão de Platão, significa adequação. Assim,

[...] a pólis se pode dizer igualitária quando, de acordo com o consenso de todos ou, pelo menos, da maior parte, se leva em consideração, na repartição dos bens e das funções em vista do bem comum, a diferença e a desigualdade de todos. É exatamente essa justiça realizadora da igualdade proporcional que harmoniza o indivíduo e a vida comum. (OLIVEIRA, 1993, p. 45, grifo nosso).

Nessa perspectiva, justiça política significa a possibilidade dos indivíduos desenvolverem suas capacidades de modo proporcional ao desenvolvimento da capacidade dos outros. Assim como a pólis justa (e atividade política justa) é aquela que se organiza da melhor maneira possível, de tal modo que cada um ocupe o lugar que lhe compete, para o qual a educação o preparou, tendo em vista dois princípios: o bem supremo (o bem do homem enquanto tal) e o bem universal (o bem de todos os homens). Deste modo, não é possível separar ética e política porque a dimensão ética do homem não está separada de sua dimensão política.

A problemática platônica acerca do rei filósofo ou filósofo rei, como melhor forma para solucionar a questão de quem deve governar a cidade é justificada pelo fato de que os filósofos melhor governariam, pois estes conseguiram contemplar a idéia de bem logo, seriam os únicos aptos a governar de modo justo. Então ele apresenta uma segunda solução: uma forma de governar pelo domínio da lei. A necessidade da lei, portanto, surge com a finalidade de que o homem possa se auto-realizar no melhor (justo) Estado. Mas “uma lei, para Platão, não é justa apenas pelo procedimento de sua formulação e decretação. Não é o fato da lei que justifica a lei [...]” (OLIVEIRA, 1993, p. 52), mas sim a virtude (o conhecimento do bem). Assim, é ético o Estado cujas leis se fundamentam no bem, e não pelo fato de simplesmente existir leis. Para Platão, este é o verdadeiro Estado de direito.

Sob a ótica de Henrique C. L. Vaz (1988), as teorias políticas elaboradas pelos filósofos da Grécia Antiga são marcadas pela profunda intenção de dizer qual é a melhor forma de construir um modelo político que esteja em sintonia com um ideal de justiça. A lei, neste sentido, deve ser a expressão da justiça e a ação política, uma ação necessariamente ética, pois ela deve sempre visar o que é o melhor, o mais justo para o cidadão e para a cidade. Nas palavras do autor:

[...] as teorias políticas clássicas, de Platão a Cícero, se propõem como teorias da melhor constituição: não da que garante mais eficazmente o exercício do poder, mas de que define as condições melhores para a prática da justiça. Se, como ensina Aristóteles, o homem é vivente político (Zôon politikón) porque é vivente racional (zôon logikón), a ciência política tem como objeto definir a forma de racionalidade que vincula o livre agir do cidadão à necessidade, intrínseca à própria liberdade e, portanto, eminentemente ética, de conformar-se com a norma universal da justiça. A racionalidade política na conceituação clássica é, pois, essencialmente teleológica. Ela é ordenadora de uma prática em vista de um fim, que é a justiça na cidade. [...] E se é verdade que Aristóteles introduz uma diferença de natureza metodológica entre ciência teórica e ciência prática, a definição da ciência prática fortalece o finalismo do Bem que unifica Ética e Política segundo a mesma razão do melhor, ou seja, do que é mais justo para o indivíduo e para cidade. (VAZ, 1988, p. 258-259).

Desta forma, para o pensamento político clássico, a busca pela consecução do ideal de justiça faz com que se unifique ética e política. Ambos os conceitos – ética e política – fazem parte indissociável do processo de edificação de uma sociedade que tenha como fim a justiça, a realização da ideia de Bem. A justiça, portanto, não é exclusiva do indivíduo, mas, antes, do Estado, sendo este a realidade objetiva do direito.

A partir do caminho aberto por Platão, de se verificar uma demonstração prática da possibilidade de realização do Estado ideal, justo, Aristóteles procurou interpretar a norma universal que possibilitaria a efetivação do ser do homem a partir do “mundo das leis” entendido enquanto eticidade empírica.

Também em Aristóteles, a norma universal é a pólis que, enquanto forma de organização social que torna possível a efetivação do homem enquanto homem, possibilita o debate, a administração, a legislação e a jurisdição. Vinculam-se assim, na efetivação do homem enquanto ser do homem, esses três elementos: a ética, a política e as leis, considerando a práxis da ação política:

A pólis é livre enquanto autônoma, enquanto comunidade capaz de regrar sua convivência através de leis criadas pelos cidadãos, cuja finalidade é exatamente a “vida boa”, isto é, a consecução, a efetivação da essência humana dentro das especificidades próprias a esta comunidade. A liberdade do indivíduo significa sua participação nessa comunidade livre, de tal modo que a liberdade aqui é sinônimo de “vida política”. O ético é, então, o que pertence ao “etos”, ao mundo institucional da pólis. É exatamente esse etos que realiza o processo de universalização que efetiva o homem enquanto homem. Por essa razão, a determinação ética é essencialmente política, uma vez que a pólis é práxis que atualiza o ser potencial do homem. (OLIVEIRA, 1993, p. 15).

política”: para compreensão da verdadeira essência do homem, para determinação de seu ser, sua humanidade, é preciso considerar a pólis. É nisso que consiste a especificidade da pólis.

Os vínculos entre ética e lei são, na teoria aristotélica, explicitados a partir da noção de ethos (ou “etos”) concebida por Aristóteles. Isso porque, se na teoria de Platão a ética aparece como condição de possibilidade da politicidade, é a partir do pensamento aristotélico que a ética surge como especificidade do saber político compreendido na sua praticidade, isto é, como elemento de uma filosofia prática, matriz que será a base de todo saber inscrito na tradição Ocidental.

Vaz (1988) enfatiza que, no pensamento filosófico clássico, esses dois elementos – o ethos e a lei – representam uma dupla posição do universal ético que denotam o conteúdo próprio da liberdade. De um lado, o conteúdo da ação ética se estabelece na forma de vontade subjetiva, compreendendo a virtude; de outro, na forma de vontade objetiva, compreendendo a lei. Conforme explica o autor, a passagem do costume à lei assinala a emergência de uma forma de universalidade e a necessidade de abrir a práxis humana como ação livre. A constituição do ordenamento do Estado como o espaço ético da ação política, segundo as leis que nascem a partir do ethos de uma comunidade, confere à práxis uma alta qualificação e representa a virtude política ou a disposição para o exercício da liberdade sob a soberania da lei justa.

O ponto de partida de Aristóteles foi pensar que o problema da legislação, isto é, da vida de acordo com as leis, com a razão, não estava resolvido. No seu entendimento, o ético só pode ser compreensível a partir do ethos, do costume, isto é, a maneira concreta de viver vigente na sociedade, os modos convenientes de comportamento e a virtude (o modo supremo), pois abrange tais aspectos, assim como as instituições que norteiam e sustentam esses modos de viver. Diante disso,

[...] a determinação do que é ético se faz não por normas e valores em si, mas pelos modos de viver institucionalizados na sociedade, através dos costumes mediados pela linguagem e pela ação dos homens, em conformidade a eles. O individuo torna- se justo, corajoso, prudente, à proporção que, agindo, ele se “habitua” (adquire o hábito) ao que, na cidade, é eticamente justo, corajoso, prudente. A ação do indivíduo deita raízes no costume e no uso. (OLIVEIRA, 1993, p. 57).

Em Aristóteles, a ordem política e jurídica se fundamenta no agir ético que é determinado no costume, no uso. Desse modo, também é a partir do ethos (costume) que as leis são consagradas.

A lei pressupõe, pois, o costume, vale pelo costume, mesmo que ela não exista como lei escrita [...]. Não existe para Aristóteles nenhuma teoria do direito, do político, separada da esfera do etos. É precisamente através da ligação ao etos que a lei, enquanto direito, atinge o agir individual, e este, por sua vez, atinge o plano da universalidade. (OLIVEIRA, 1993, p. 58-59).

A estrutura da ética, nessa perspectiva, é de uma ciência prática sem deixar de lado, contudo, o interesse teórico: além de buscar tencionar o conhecimento, tem como finalidade o próprio agir ético do homem, no sentido de uma práxis que realiza a liberdade, mas que só pode ser atingida a partir das instituições éticas da pólis. Ou seja, a práxis dos cidadãos da pólis só pode ser pensada com referência às instituições da pólis, pois estas representam a vida e o homem livre. Nesse sentido, a realidade da pólis é também a realidade da liberdade; é tarefa da pólis tornar possível a vida ética e livre. E é através das instituições, conforme o pensamento aristotélico, que é possível a existência de uma ética e do próprio indivíduo:

Sem as instituições, para Aristóteles, o indivíduo é impensável. A ética, enquanto reflexão da práxis humana, não se restringe, em Aristóteles, jamais aos indivíduos isolados, mas é reflexão sobre o mundo institucional, onde o indivíduo está inserido e através do qual ele se eleva a indivíduo universal [...] (OLIVEIRA, 1993, p. 61).

A diferença entre Platão e Aristóteles fica então evidente: o conhecimento que se efetiva a partir da práxis na pólis não serve apenas ao aperfeiçoamento teórico do Estado, mas à própria vida, isto é, ao aperfeiçoamento do mundo institucional humano.

Além disso, tendo em vista a concepção de teoria prática, a concepção de bem, em Aristóteles, abre espaço para se refletir sobre a historicidade. Isso porque, o bem só pode ser determinado tendo o contexto-histórico como referência. Já o bem supremo, para Aristóteles, é a felicidade do homem na pólis, na comunidade de cidadãos. Algo que só pode se realizar pela política, que não se limita a atuação sócio-política enquanto tal, mas a participação ativa na administração, jurisdição e legislação da pólis.

Sendo assim, ao considerarmos exclusivamente as origens da nossa tradição filosófica/política/cultural, não faz sentido falar em ação política dissociada da dimensão da eticidade, pois a ética aparece como constituinte da própria noção de política, de politicidade,

e de uma ideia de justiça, através das leis. Conforme afirma Vaz (1988, p. 258): “Assegurando aos cidadãos a igualdade (isonomia) e a eqüidade (eunomía), a lei permite ordenar a vida da cidade sob a égide de uma constituição (politeia) que submete o agir dos indivíduos à norma da justiça.” Nesse sentido, segundo a perspectiva política clássica da qual somos herdeiros e devedores, a ética constitui parte integrante da vida política fundamentando o lugar da lei. Isso implica que a ética não deve ser considerada separada da ação política e jurídica.

Este horizonte teórico/filosófico, elaborado na Grécia Antiga, fundamentou as reflexões éticas do ocidente, até a modernidade, quando tem início um novo processo de esclarecimento que passa a ser apoiado na nova interpretação dada à racionalidade. Ocorre, assim, uma revolução do ético na vida humana tendo como eixo central não mais a ideia de ordem do todo, mas a subjetividade humana, considerada a instância absoluta do agir humano. A vinculação entre a ética, a cosmologia e a metafísica se desfaz, provocando uma crise na esfera da normatividade.