• Nenhum resultado encontrado

A desobediência civil como elemento de perfectibilização do direito

2 ELEMENTOS DE ÉTICA, POLÍTICA E DIREITO NA CONTEMPORANEIDADE

3.3 A desobediência civil como elemento de perfectibilização do direito

Na tarefa de constituir sua teoria, John Rawls retoma o contratualismo de inspiração humanista de Locke, Rousseau e Kant, concebendo um pacto social, inédito e renovável em condições democráticas, com abertura para a desobediência civil. Como visto no item anterior, esse contrato social hipotético pressupõe que as pessoas estejam reunidas em uma situação inicial (que ele chama de posição original) para decidir quais os princípios que fundamentariam a noção de justiça nas instituições, que são consideradas as intermediadoras das pessoas, regulando o convívio social.

Faz-se necessário, segundo a teoria de Rawls, que seja definida publicamente e no âmbito político a questão da justiça que norteará as instituições básicas da sociedade na consecução da justiça distributiva. As instituições consideradas fundamentais pelo autor são aquelas que, numa sociedade democrática, são responsáveis pela aplicação da justiça distributiva: a Constituição, a propriedade privada, o mercado competitivo, a organização e a representação político-partidária, as liberdades civis, entre outras. Rawls procura testar nessas instituições maiores os seus princípios de justiça como equidade. Contudo, como salienta Felipe (2000), ele não exclui a possibilidade de que, comprovada a eficácia, esses princípios possam ser aplicados ou servir de parâmetro para reflexões éticas em outros âmbitos não institucionais.

Levando em conta os princípios da justiça como equidade, Rawls alerta para o fato de que as instituições fundamentais mencionadas em sua teoria, por si só, não garantem que esses princípios sejam atendidos. A defesa de prioridade que o autor estabelece entre o

primeiro princípio – da liberdade – e o segundo visa, justamente, proteger o espaço a partir do qual os cidadãos podem participar das decisões tomadas na sociedade. Essa liberdade é essencial para que a igualdade seja efetivada. Não basta, portanto, que a liberdade e a igualdade constem na carta magna de um país como valores fundamentais; é preciso que eles se efetivem na realidade da vida cotidiana. Os cidadãos precisam efetivamente participar do processo decisório, através da discussão política e pública.

Diante disso, Rawls indica que o melhor regime político para que a justiça como equidade possa ser garantida é a democracia constitucional ou o regime democrático. Neste regime, a decisão política – também de representação – se baseia na vontade da maioria. Segundo Rawls (2000), com a liberdade de acesso aos bens primários, todos teriam condições de participar do debate político, desenvolver as habilidades necessárias para escolher de forma consciente e livre seus representantes ou se candidatar aos cargos representativos e assumir responsabilidades decorrentes. As regras da justiça, bem como a Constituição, são assim respeitadas quando a vida política democrática resulta de um projeto de cooperação de todos os cidadãos.

É nessa perspectiva que Rawsl trabalha a noção dos deveres e das obrigações necessárias de justiça como parte fundamental de uma concepção específica de direito, diferenciando-o da noção de deveres naturais de justiça. Deveres e obrigações necessárias são, segundo Rawls (1981), os laços institucionais que mostram como os sujeitos se ligam mutuamente. Os deveres naturais consistem, por exemplo, no apoio às instituições justas, bem como no respeito mútuo, ajuda mútua e outros deveres que lhe são devidos como um ser moral, considerando-se as limitações naturalmente impostas. Os deveres e as obrigações necessárias, por outro lado, surgem da justiça como equidade, e é através deles que acatamos as leis justas. O problema, no entanto, surge quando devemos acatar leis injustas. Sobre tal aspecto, Rawls esclarece:

Há quem diga que nunca somos obrigados a cumprir determinações nestes casos [de esquemas injustos]. Mas isto é um erro. Do mesmo modo que a validade legal de legislação (na forma definida na Constituição vigente) não é razão suficiente para que se a cumpra, o caráter injusto de uma lei não é em geral razão suficiente para que não se acatá-la. Quando a estrutura básica da sociedade é basicamente justa, eqüidade esta, calculada em termos daquilo que o estado presente das coisas permite, devemos reconhecer a obrigatoriedade de leis injustas, desde que não excedam certos parâmetros de injustiça. (RAWLS, 1981, p. 265).

O autor argumenta ainda, que a aceitação de leis injustas está pressuposta na convenção constitucional, a qual prevê, antecipadamente, a necessidade de se reconhecer que as instituições podem falhar:

Recordemo-nos que o objetivo das partes numa convenção constitucional é achar, entre as Constituições justas (aquelas que satisfaçam o princípio de liberdade igual), aquela mais provavelmente condizente com a legislação justa e eficaz no que diz respeito às características gerais da sociedade em questão. A constituição é vista como um processo justo, mas imperfeito, que é forjada, na medida em que as circunstâncias permitem, para assegurar um resultado justo. É imperfeito, pois não há processo político praticável de garantir que as leis promulgadas, sob sua ordenação, sejam justas. A justiça processual perfeita é inatingível no âmbito dos assuntos políticos. Ademais, o processo constitucional vê-se obrigado a depender em larga medida de alguma forma de votação. Presumo [...] que uma variante do governo da maioria adequadamente circunscrito seja uma necessidade em termos práticos. Maiorias (ou coligações de minorias), entretanto, cometerão inevitavelmente erros, por falta de conhecimento e juízo ou por causa de opiniões parciais e egoístas. Apesar disto, nosso dever natural de preservar instituições justas nos obriga a acatar leis e políticas injustas ou, ao menos, não lhes fazer oposição de forma ilegal, enquanto não excedam certos limites de justiça. Por sermos obrigados a apoiar a Constituição justa, temos que aceitar um de seus princípios fundamentais, isto é, o governo da maioria. (RAWLS, 1981, p. 267).

Vale salientar que Rawls defende essa hipótese de se acatar leis injustas para a Constituição justa diante de um caso especial que é o de uma sociedade quase justa, ou seja, uma sociedade que, em geral, é bem ordenada e amparada em um regime constitucional viável que mais ou menos satisfaça os princípios de justiça. Rawls (1981) explica que, no momento de convenção de uma constituição em um governo da maioria, as partes estando obrigadas com os princípios de justiça devem trocar concessões a fim de fazer funcionar, através de uma legislação eficaz, um regime constitucional. Não há, segundo o autor, outro modo de conduzir um regime democrático. O autor enfatiza essa questão, sublinhando a necessidade de aceitar as falhas das instituições e não utilizá-las como desculpa para não acatar leis ou em benefício próprio. Nas suas palavras:

Temos [...] um dever natural de civilidade de não usar as falhas dos esquemas sociais como fácil desculpa para não acatá-los, e de não nos aproveitarmos das inevitáveis brechas nas regras em benefício próprio. O dever de civilidade exige uma necessária aceitação dos defeitos das instituições e certa coibição do uso de outrem em benefício próprio. Sem que haja algum reconhecimento deste dever, fé mútua e confiança podem vir a desaparecer. Assim, ao menos num estado de quase justiça, há normalmente um dever (e, para alguns, também uma obrigação) de acatar leis injustas desde que não excedam certos limites de injustiça. (RAWLS, 1981, p. 268).

Deste modo, numa sociedade sob o regime democrático constitucional, com instituições justas publicamente reconhecidas como tal, as pessoas são respeitadas em seu

mais alto grau, devido à garantia das liberdades e condições dignas de vida. No entanto, podem ocorrer desvios no emprego dos princípios de justiça, resultando em leis injustas. Tendo em vista que temos um dever para com a Constituição vigente, caso uma lei injusta seja formulada, devemos aceitá-la tendo em vista a lei maior. Nosso dever para com a Constituição nos obriga a não desmoralizá-la em função de uma lei menor. Mas, quando uma lei explicitamente injusta fere os princípios da própria Constituição, ou seja, se esse desvio provocar uma desigual distribuição de bens, contrariando o que reza a Constituição e práticas institucionais, e se os meios legais e políticos, se os meios procedimentais disponíveis para filtrar as injustiças e chamar atenção de autoridades e de governantes falharem, a sociedade ainda poderá contar com o recurso da desobediência civil.

A teoria rawlsiana pressupõe que esse recurso deve ser utilizado naquelas sociedades democráticas quase justas, onde mesmo assim ocorrem graves violações de justiça, para chamar a atenção dos governantes e demais membros da sociedade para os casos de injustiças que, em hipótese alguma, devem ser aceitas. Conforme afirma S. Felipe (2000, p. 152):

Se o Estado cochila e o governo compactua com práticas excludentes, resta ao cidadão lutar, sempre fazendo uso de recursos democráticos, para chamar a atenção de todos os demais sobre o risco de injustiças.

Mas a desobediência civil só é possível, segundo Rawls (1981, p. 273), “[...] em meio a um estado mais ou menos justo e democrático para aqueles cidadãos que reconhecem e aceitam a legitimidade da Constituição.” A questão de acatar ou não leis injustas, portanto, mesmo quando estas são aprovadas por uma maioria legislativa, envolve a natureza e os limites do governo da maioria.

Inicialmente, Rawls distingue a desobediência civil de outras formas de oposição à autoridade democrática. Em seu entendimento, existem várias formas de oposição, que vão desde demonstrações legais e infrações legais objetivando testar o sistema jurídico, até a ação militante a resistência organizada. Assim, define a desobediência civil “como um ato público, não-violento, consciente e, apesar disto, político contrário à lei, geralmente praticado com o intuito de promover uma modificação na lei ou práticas do governo” (RAWLS, 1981, p. 274).

Trata-se de um ato público não apenas porque se dirige aos princípios públicos, mas também porque é feita em público, por pessoas que se engajam abertamente mediante aviso

prévio. É comparável a um discurso público, constituindo-se como uma expressão da convicção política. Prossegue o autor:

[...] a desobediência civil é ato político, não no sentido em que se dirige à maioria, que detém o poder político, mas também por ser um ato guiado e justificado por princípios políticos, isto é, pelos princípios de justiça que regulam a Constituição e as instituições sociais em geral. Ao justificar a desobediência civil [...] é necessário afirmar que a desobediência civil não pode apoiar-se unicamente em grupos ou no interesse próprio. (Id. Ibidem).

Entende-se, a partir do exposto, que a desobediência civil precisa apresentar razões políticas para que seus atos sejam justificados. E é devido a esse caráter público, por ser uma forma de comunicação e expressão política, que a desobediência civil constitui-se como um recurso não-violento. Além disso, sua expressão, embora tenha como resultado a desobediência à lei, é feita dentro dos limites de fidelidade à própria lei. Rawls (1981, p. 275) explica a razão que torna essa dissidência não-violenta:

A lei é infringida, mas por meio da natureza pública e não-violenta do ato, se expressa fidelidade à lei, e disposição de acatar as consequências legais da conduta adotada. [...] A desobediência civil, assim entendida, distingue-se claramente da ação militante e da obstrução; acha-se afastada da resistência física e organizada.

Diante do exposto, é possível afirmar que Rawls procura demonstrar que a desobediência civil visa mostrar a injustiça de uma lei, servindo como uma última garantia de respeito aos direitos básicos. Por essa razão, mesmo estando à margem da lei, ela estaria incorporada nos trâmites políticos. Com base no recurso da desobediência civil, podemos confrontar uma lei injusta por respeito à Constituição. Também por isso ela é não-violenta, ela não agride à Constituição, diferentemente de uma ação militante ou de obstruções por meio de violência.

Rawls (1981) considera que o recurso da desobediência civil, dentro do sistema constitucional, é justificável quando houver a violação do princípio primeiro da justiça como equidade, ou seja, quando a liberdade igual não se efetivar ou estiver sob risco de não se efetivar. O uso desse modelo de protesto seria também adequado quando, dentro de uma sociedade livre, tentativas e protestos legais para derrubar uma lei injusta forem ignorados ao ponto de mostrar que outras demonstrações legais serão inúteis. Assegura-se assim a necessidade da desobediência civil.

A extensão da desobediência civil, no entanto, deve ser, segundo Rawls (1981), limitada, sob o risco de haver uma ruptura em relação à lei e a Constituição se muitos grupos apresentarem argumentos válidos para justificar o uso deste recurso, ainda que seja concebível que deva haver esses grupos com argumentos igualmente válidos. De acordo com o autor,

[...] o apelo, que os grupos desobedientes civilmente desejam fazer, pode ser distorcido e perder-se de vista a sua intenção de apelar ao senso de justiça da maioria. Por uma ou ambas destas razões, a eficácia da desobediência civil, como uma forma de protestos, declina além de certo ponto; e aqueles, que a almejam, devem levar em conta essas restrições. (RAWLS, 1981, p. 280).

Teoricamente, o nível de dissidências que decorram da desobediência civil deve ser então regulado por uma aliança política cooperativa das minorias, baseada num sistema de justiça com equidade, onde cada um tenha a oportunidade de exercitar seu direito.

O papel da desobediência civil, dentro de um sistema constitucional, isto é, dentro de uma sociedade constituída como um esquema de cooperação entre iguais é fazer com que os mais prejudicados da sociedade, por séria injustiça, não sejam obrigados a submeterem-se, regulando assim a Constituição. Assim se expressa Rawls (1981):

[...] a desobediência civil [...] é um dos mecanismos estabilizadores de um sistema constitucional, embora seja ilegal por definição. [...] empregada com a devida parcimônia e bem senso ajuda a preservar as instituições justas. Na medida em que opõe resistência à injustiça dentro dos limites da fidelidade à lei, inibe e corrige desvios de justiça. Uma disposição geral para engajar-se em desobediência civil justificada, introduz estabilidade numa sociedade bem ordenada, ou que seja quase justa. (op. cit., p. 286).

[...] as partes adotariam as condições que definem a desobediência civil justificada como forma de implementar, dentro dos limites da fidelidade à lei, um mecanismo final para manter a estabilidade de uma Constituição justa. Embora esta forma de agir seja, na verdade, contrária à lei, representa, entretanto, um meio moralmente correto de sustentar um regime constitucional. (op. cit., p. 287).

Diante disso, a desobediência civil pode ser compreendida como uma forma de manter a justiça, podendo ser um mecanismo para perfectibilização do direito, no sentido de fazer-se com que somente leis justas sejam vigoradas. Assinala-se que Rawls considera a possibilidade de a desobediência civil ser uma forma de se defender moralmente um regime constitucional.

Nessa perspectiva, A. Cortina (2009) nos oferece uma interpretação interessante sobre o uso de um fundamento moral para tornar o direito legítimo: a autonomia. A autora afirma que, embora seja preciso evitar a confusão de se exigir obediência moral a leis grupais, essa

mesma afirmação possibilita que se fale também em denunciar leis injustas utilizando-se um fundamento moral. Ela explica que,

[...] se as leis realmente expressam os interesses dos homens afetados por ela, tendo- se chegado à sua formulação depois de uma deliberação tomada em pé de igualdade, seria moralmente obrigatório obedecer a elas, porque a autonomia é o constitutivo da moralidade. Essa convicção serve – e não é pouco – como critério para a crítica e como ideal regulador; prescindir dela pressupõe isentar o direito dos juízos morais, dar por moralmente indiferentes a implantação da pena de morte ou a obrigatoriedade do serviço militar. [...] [Mas] se há razões para aplaudir certas leis, há razões morais para criticar outras; o direito não se exime do juízo moral: ele não é moral enquanto não expressar e potencializar a autonomia dos cidadãos. (CORTINA, 2009, p. 191).

Nesse sentido, a desobediência civil é um mecanismo moral necessário que ajuda a aperfeiçoar o direito. Assim, a moralidade, seja para obedecer ou desobedecer, não pode ser tomada como um assunto de consciência meramente individual. Na perspectiva teórica rawlsiana, não há separação entre a vida pública e a consciência privada. Como bem ressalta o autor (1981), a desobediência civil se apoia numa concepção pública de justiça, constituindo- se como um apelo à base moral da vida cívica, e um ato político e não religioso. Por isso, faz parte da teoria do governo livre, da sociedade democrática. Conforme afirma o autor, a desobediência civil enriquece a concepção legalista de democracia constitucional, pois

Esforça-se por determinar os motivos pelos quais se pode divergir da autoridade democrática legítima, de forma a expressar a fidelidade à lei e a apelar aos princípios políticos fundamentais de um regime democrático, embora se tenha que reconhecer que estas motivações sejam, de fato, contrárias à lei. Assim, podem ser acrescentadas às formas legais de constitucionalismo, certas espécies de protesto ilegal que não violam os objetivos de uma Constituição democrática, por causa dos princípios pelos quais se norteia a dissidência. Tenho tentado demonstrar que estes princípios podem ser justificados pela doutrina contratualista. (RAWLS, 1981, p. 288).

A concepção de contrato social é basilar para a elaboração dos argumentos em defesa da teoria da desobediência civil. Com efeito, Rawls reafirma várias vezes que a desobediência civil só é possível em um regime constitucional que se baseie em uma concepção de justiça publicamente reconhecida. Seus princípios só terão o efeito desejado na medida em que existirem tal como um termo de cooperação necessário entre pessoas livres e iguais. Do contrário, não convém que seja lançado mão deste recurso: “a não ser que se possa apelar ao senso de justiça da sociedade como um todo, a maioria poderá simplesmente ser incitada a adotar medidas ainda mais repressivas, se considerar que esta é a opção mais vantajosa para ela.” (RAWLS, 1981, p. 288).

Por essas razões, Rawls (1981) propõe que a desobediência civil seja guiada por um senso público de justiça, consensual entre as partes ou, ao menos, gerador de um mesmo juízo político. Sem este senso comum, conforme enfatiza o autor, não há base para desobediência civil, uma vez que a fragmentação do senso de justiça produz uma sociedade fragmentada em partes mais ou menos distintas, com diferentes opiniões em questões políticas fundamentais. Um consenso rigidamente fragmentado, portanto, impediria o uso da desobediência civil.

Rawls (1981) discorre ainda sobre os riscos do uso da desobediência civil sem clareza das circunstâncias que a justificam. Esses riscos expressam um convite à anarquia e também existem se a desobediência civil for utilizada para fins particulares ou se estimular todos a decidirem por si próprios e a interpretação pública dos princípios políticos. Por isso, o autor lembra que, conforme a teoria do dever e da obrigação, um estado de quase justiça deve-se ter como pressuposto a obediência à Constituição. Como bem enfatiza:

[...] enquanto cada indivíduo tiver que decidir por si próprio sobre si, as circunstâncias justificando a desobediência civil, não significa que cada um decidirá como bem entende. Não se toma uma decisão tal, considerando nossos interesses pessoais, nem nossas fidelidades políticas, no seu sentido mais restrito. Para poder agir autônoma e responsavelmente, um cidadão deverá se voltar aos princípios políticos que fundamentam e guiam a interpretação da Constituição. Deverá esforçar-se por determinar a forma pela qual estes princípios devem ser aplicados nas circunstâncias vigentes. Se, após a devida análise, chegar à conclusão de que a desobediência civil se justifica e comportar-se coerentemente com esta conclusão, estará agindo conscienciosamente. E, mesmo que se tenha enganado, não terá agido de acordo com seu interesse próprio. (RAWLS, 1981, p. 290).

A desobediência civil é uma questão que Rawls aborda para enfatizar, portanto, que o cidadão é autônomo para fazer suas escolhas e para aceitar submeter-se ou não a leis injustas. E quem decide, em última instância, é o conjunto da sociedade constituído por cada cidadão.

Juntamente com A. Cortina (2009) é possível afirmar que John Rawls eleva a autonomia da pessoa como fundamento moral para tornar o direito jurídico legítimo. A postura do desobediente civil, segundo ela, revela sua concordância,

[...] com o significado moral da democracia – o respeito e o fomento da autonomia – denunciando que certas leis são um obstáculo para sua realização. O desobediente explica suas razões publicamente e emprega meios pacíficos porque quer entrar em sintonia com o pano de fundo moral que supõe nos demais cidadãos e do qual eles talvez ainda não tenham consciência: a afirmação da autonomia de todos os homens