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2 ELEMENTOS DE ÉTICA, POLÍTICA E DIREITO NA CONTEMPORANEIDADE

2.2 O divórcio entre a ética e a política na modernidade

O advento do pensamento moderno e da modernidade enquanto evento histó- rico/social/político/cultural, produz um significativo processo de mudança/ruptura na concepção e na forma do agir político. Na teoria política moderna, que é, sob vários aspectos, impulsionadora e instauradora de um novo modelo para a ação política, a ética, não é mais, necessariamente, parte constitutiva desta ação.

No âmbito da filosofia política, é possível afirmar que o primeiro incitador e/ou mentor teórico do divórcio entre ética e política é Maquiavel. Com a teoria política de Maquiavel, instala-se em definitivo o processo de cisão entre o ético e o político. A partir desta nova perspectiva filosófica/política/ética, presente no horizonte da modernidade, o poder passa a ser a meta primordial/essencial da reflexão e da ação política, conforme análise de Vaz (1988, p. 259):

[...] na aurora dos tempos modernos, a vontade de poder se impõe como constitutiva do político, sem outra finalidade a não ser ela mesma e sem outras razões legitimadoras senão as que podem ser deduzidas da hipótese inicial da sua força soberana. O mundo da ação política passa a pesar sobre o homem moderno como um destino trágico que encontra sua primeira figura, de incomparável vigor, no Príncipe de Maquiavel.

A partir de então, acentua-se, com a identificação entre política e “técnica do poder”, a cisão entre Ética e Política.

E justamente com o advento do mundo moderno, tão saudado e exaltado pelos avanços em nível técnico-científico, pela evolução em termos de razão comunicativa que, porém, em termos da política, produz-se uma significativa defasagem ética.

Diferentemente do mundo clássico grego, na modernidade rompe-se com a original complementaridade entre ética e política. A ação política passa a carregar a marca da ausência de um necessário vínculo ético, tendo como meta fundamental o acesso ao poder. O poder torna-se o objetivo essencial e fundante da ação política. A meta é o poder e não necessariamente o bem estar da coletividade. A partir de então, a questão central em termos de política passa a ser qual a melhor estratégia para se atingir o elemento/meta fundante da ação política, isto é: o poder. Assim, política resume-se a um exercício técnico/estratégico – definição de quais os melhores procedimentos e/ou discurso de luta pelo poder.

Outro elemento que corrobora significativamente com este processo de rompi- mento/dissociação da ética e do político provém do próprio campo da ética na sua designação moderna, ou seja: aquilo que se denominou teoricamente como o “refluxo individualista da Ética moderna”. Conforme Vaz (1988, p. 260), “teoricamente a cisão entre Ética e Política acaba sendo consagrada pelo refluxo individualista da Ética moderna que irá condicionar a idéia de „comunidade ética‟ ao postulado rigoroso da autonomia do sujeito moral tal como o definiu Kant.” Kant procurou mostrar que a dignidade do homem está radicada em sua capacidade de autodeterminar-se a partir da liberdade. Para o filósofo, a moralidade significa a emancipação do homem para sua humanidade, sendo a vontade humana a lei de si mesma.

Essa afirmação está ancorada no novo horizonte que surge para fundamentar o pensamento político na modernidade: trata-se da compreensão do homem como “ser de necessidades”, como uma totalidade de carências, desejos e anseios que precisam ser satisfeitos (OLIVEIRA, 1993). Também a ideia de natureza7, na sua relação com o agir do homem, não é vista mais como imutável e ordenadora do real, fundamentadora da práxis humana. Dessa nova articulação dialética entre indivíduo e sociedade, vinculada a nova ideia de natureza, o pensamento social e político, assim como o pensamento ético e jurídico, é

7 Natureza (physis) no sentido que a tradição grega nos legou, tem um sentido principiológico e ordenador do real/existencial. Em Platão, por exemplo, a physis é o princípio em virtude do qual cada entidade é aquilo que é.

submetido às regras de uma nova ciência que tem como novo horizonte a universalidade hipotética (a noção de contrato social).

Se a questão fundamental da antiga filosofia prática no âmbito da vida social era a determinação de requisitos essenciais que asseguram ao homem, como cidadão, exercer na sociedade política os atos próprios da vida virtuosa [...] ou da vida ordenada para o bem da cidade [...] o pensamento político moderno assume a tarefa primordial de propor a solução analiticamente satisfatória ao problema da associação dos indivíduos, tendo como alvo assegurar a satisfação das suas necessidades vitais. (VAZ, 1988, p. 163).

A solução é um esquema que explique a passagem do estado de natureza – situação original do indivíduo – ao estado de sociedade – situação atual que se supõe derivada do mesmo indivíduo. Este novo horizonte teórico é que irá fundamentar as teorias do direito natural moderno, as quais irão ocupar-se da tarefa de “assegurar ao indivíduo, na sua passagem ao estado de sociedade, os direitos que radicam no seu hipotético estado de natureza original.” (VAZ, 1988, p. 164).

A racionalidade passa então a ser entendida como a eficiência na consecução dos meios necessários para satisfação das necessidades humanas, fazendo emergir não mais a liberdade (política) como categoria antropológica fundamental, mas a propriedade:

[...] já que a felicidade consiste, fundamentalmente, na satisfação dos desejos, ter o que é necessário para isso é condição de humanização do homem. Assim, a liberdade é reinterpretada como “liberdade para possuir”. (OLIVEIRA, 1993, p. 22). Com isso, o próprio conceito de comunidade humana, segundo o autor, muda fundamentalmente, reduzindo-se a uma “associação de indivíduos iguais e livres, relacionados entre si enquanto proprietários de si mesmos e das coisas.” (Id Ibidem).

A ideia de propriedade vale também para a percepção do homem sobre si, suas faculdades e seu corpo. É enquanto proprietário de si, segundo Oliveira (1993), que o homem passa a efetivar a vida comunitária como troca, alienando inclusive sua força de trabalho, sem com isso contradizer sua autonomia enquanto pessoa.

Disso deriva o princípio da igualdade da pessoa, instaurando uma nova ontologia do ser humano e de seu agir, que se fará presente nas diversas teorias modernas do chamado “direito natural”, e que irá condizer à declaração universal dos direitos do homem, devido à

dinâmica de organização da sociedade moderna, na qual se universalizou o trabalho livre e consequentemente a generalização da propriedade privada, o que levou à necessidade jurídica de uma liberdade formal, como bem comenta Vaz (1988, p. 165):

A universalidade dos direitos que deriva do Direito natural moderno é fundada no postulado igualitarista, ou seja, na igualdade dos indivíduos enquanto unidades isoladas, numericamente distintas, no estado de natureza. Dentro desta concepção, o estado de sociedade é, primeiramente, a soma destes indivíduos vinculados extrinsecamente pelo pacto social. [...] O Direito natural moderno adquire [...] um inegável alcance revolucionário ao introduzir na consciência política da nascente sociedade liberal as premissas teóricas que conduzirão às solenes declarações dos direitos do homem.

Essa concepção moderna do homem como indivíduo, que depende da sociedade, conduz ao problema de dominação que a sociedade passa a exercer sobre o indivíduo, tão debatida pelas teorias sociais e políticas modernas, instalando-se assim um processo de divórcio/dissociação entre as dimensões do ético e do político, na medida em que são criados dualismos aparentemente irredutíveis entre o indivíduo e a sociedade, a moralidade e a legalidade, o Estado e a sociedade civil (VAZ, 1988).

As modernas teorias políticas, com tais oposições e interrogações daí derivadas, desembocam na ideia de sociedade civil, tal como é entendida na modernidade, isto é, como “a nova realidade de um corpo social cujo tecido é urdido pelas relações de trabalho e produção e pelo conflito de interesses.” (VAZ, 1988, p. 167-168). É o advento da sociedade civil, portanto, enquanto lugar histórico de realização da liberdade – pois sustenta uma fundamentação dos direitos humanos ancorada em uma universalidade hipotética que busca um modelo/sistema onde a liberdade de cada um possa ser conciliada com a liberdade de todos, garantindo assim o atendimento às necessidades dos homens – que está na origem da separação entre costumes e leis, assim como entre ética e política.

A ideia de sociedade civil, entretanto, antes mesmo das formulações de Kant sobre primado da autonomia do sujeito moral, surge no âmbito da filosofia política moderna quando outros autores, em especial os contratualistas, concentram esforços na busca teórica por fundamentação e legitimação do poder, o qual se torna o elemento central e fundante da vida política no mundo moderno. Sob vários aspectos, os teóricos vão retomar o princípio básico herdado da tradição clássica, apartir do qual se entende que o poder não é um fim em si mesmo e para ser ético-político carece de legitimação, o que só pode ser concretizado na

forma de leis. Sobre isso, Vaz (1988, p. 260) enfatiza que:

[...] a idéia de vida política no Ocidente não pode renunciar ao princípio fundamental da herança clássica: o poder só é político na medida em que for legítimo, isto é, circunscrito e regido por leis. [...] Por outro lado, a lei que legitima o poder deve ser uma lei justa, isto é, garantidora e reguladora do direito do cidadão. [...] Eis a Ética introduzida no coração da política e eis definidos os termos, aparentemente inconciliáveis, cuja síntese passa desafiar o pensamento político moderno: como definir o Estado do poder [...] como Estado de direito?

A partir desta perspectiva, é possível afirmar que o elemento aglutinador, ou melhor, o fio condutor que vai marcar e direcionar a ação política assim como as teorias políticas, no alvorecer do mundo moderno, é a questão da soberania – o poder soberano – e onde reside sua fonte de legitimação.

Coerente com esta premissa básica, de que o poder político carece de fundamentação e legitimação, T. Hobbes vai ser o primeiro autor a efetivamente dar forma teórica a uma nova matriz conceitual que, por um longo período – e sob certos aspectos ainda vige até o hoje – vai servir de base às teorias políticas da modernidade: o contratualismo e/ou jusnaturalismo moderno.

Fica evidente8 que o elemento teórico que caracteriza e ao mesmo tempo distingue o modelo jusnaturalista das demais filosofias que o antecederam, reside no fato de que, para os teóricos jusnaturalistas, a questão central é a construção de uma teoria racional do Estado. Quer dizer, uma teoria que esteja “[...] apoiada em princípios evidentes e deduzida desses princípios de modo logicamente rigoroso.” (BOBBIO; BOVERO, 1994, p. 88).

A antítese básica, a partir da qual se estrutura a teoria racional do Estado, engendrada pelo jusnaturalismo, encontra-se na tensão indissolúvel entre as paixões humanas e a razão. O Estado, enquanto ente racional por excelência surge como consequência necessária e/ou inevitável deste tencionamento produzido pelo embate das paixões e da razão humana. O Estado e sua racionalidade característica constituem-se no elemento capaz de fazer com que a razão passe a ser o agente propulsor e mediador das ações entre os homens.

8 No primeiro capítulo deste trabalho monográfico é apresentada uma discussão mais aprofundada sobre a teoria contratualista e/ou jusnaturalista. Por isso, neste item ela não será retomada em sua complexidade, mas apenas referenciada haja vista sua importância no processo que, na modernidade, desconstitui a ética da política.

Nessa perspectiva, a instância de fundamento da vida ética passa a ser o homem enquanto sujeito autoconsciente e autodeterminado, isto é, autônomo em atos e na tomada de decisões. Enquanto reflexão crítica do homem sobre o seu agir e distanciado de suas próprias ações, a razão é o tema central da modernidade, tornando-se “o grande instrumento de emancipação da humanidade, a fonte de criação de um começo novo para o homem, o penhor de sua vida autônoma” (OLIVEIRA, 1993, p. 19). Isto não significa, porém, a eliminação das paixões, visto que elas são típicas da natureza humana. Assim, o Estado surge como o instru- mento, “[...] como o garante do interesse coletivo, do útil mediato, que é o „verdadeiro‟ útil, precisamente o útil tal como é sugerido pela reta razão.” (BOBBIO; BOVERO, 1994, p. 88).

O jusnaturalismo e sua teoria racional do Estado, tanto no pensamento hobbesiano quanto rousseauniano, fazem surgir o Estado racional – um Estado que é produto das necessidades, dos interesses e da inteligência racional daqueles que, de forma livre e autônoma, decidiram criá-lo mediante um contrato que conta com o consentimento de todos os partícipes. Ele é o único elemento capaz de garantir o direito natural supremo, que é o direito à vida. Desta forma, o Estado torna-se o gestor e o lugar por excelência da vida regida pela razão, que é a única forma de vida onde há possibilidade de previsibilidade e garantia dos direitos que competem a cada indivíduo. Sendo assim, o Estado, na perspectiva jusnaturalista, pode ser compreendido enquanto produto da vontade racional dos indivíduos que o constituem.

A forma através da qual a racionalidade do Estado se explicita, no jusnaturalismo, é a lei, uma norma geral e abstrata que diz respeito a todos os indivíduos que constituem um determinado Estado: a lei, porém, é um poder e uma atribuição exclusiva do Estado-razão. As leis são a única forma de exteriorização e formalização da vontade racional de cada indivíduo que, através do contrato original, fora depositada – transferida – ao Estado. O Estado é desta forma, o elemento sintetizador, explicitador e garantidor da razão humana. Ele é por excelência o intérprete e guardião da racionalidade. Em outras palavras: o Estado, através da legislação (direito), que normatiza a socialização, garante a autoconservação e a satisfação das necessidades básicas do homem. Tendo em vista que ele é fundamentado na/pela razão, o Estado emerge como “mediador da humanização”.

Através da teoria jusnaturalista, ao contrário das teorias tradicionais que a pre- cederam, torna-se possível a instituição de um Estado laicizado e uma conseqüente

dessacralização do poder e do direito e, como consequência, da ação política. O poder e o direito deixam de ser exercidos em nome de uma representação divina, passando a ser exercido de forma impessoal, regido por leis provenientes de um poder consentido pelos indivíduos a elas submetidos. O Estado torna-se, assim, o ente exclusivo de onde o poder emana, não sendo admissíveis entes intermediários de poder.

Diferentemente de John Locke, cujo pensamento, apesar de estar em consonância quanto à necessidade do “contrato” que dá origem ao Estado, privilegia a autodeterminação individual do sujeito em detrimento das determinações jurídicas, reduzindo assim a liberdade à esfera da interioridade (OLIVEIRA, 1993), Rousseau sabe da importância fundamental que é o homem estar inserido na comunidade humana. É nesse sentido que o filósofo busca descobrir uma forma de convivência entre os homens que não destrua sua autonomia, resultando disso a tese de que a essência do ser-homem consiste no ser-livre, liberdade esta que só é possível efetivar na sociabilidade. Sem dúvida, é a partir da instituição do Estado, tal como já explicitado na discussão sobre a teoria jusnaturalista, que Rousseau encontra o nível específico da ética, tal como ela passa a ser tratada na modernidade, isto é, como sendo o universal. Assim, escreve Oliveira (1993. p. 25):

[...] o homem virtuoso é aquele cuja vontade individual se deixa normar pela vontade universal, a qual é, assim, criadora da comunidade dos homens. A comunidade é fruto da universalidade: cada indivíduo situa-se agora como parte indivisível do todo. É a vontade racional, enquanto vontade universal, que “supras- sume” as vontades individuais e cria um corpo moral e coletivo.

Vale lembrar que tal comunidade, que tem como pressuposto a igualdade de direito de todos, na qual o povo é o verdadeiro detentor da soberania, pois é ele que exerce a vontade coletiva, é que irá fundamentar as teorias modernas da democracia. Rousseau, nesse sentido, reafirmou que a liberdade é o princípio ético que constitui a força do homem, e essa será sua grande contribuição.

Noutra perspectiva, baseado na interpretação de Shulz, Oliveira (1993) nos indica que as teorias do contrato, pelo fato de eliminarem a esfera da moralidade na medida em que o Estado torna-se o portador da moral, estabelecem uma “moral de coação” que se efetiva por meio de leis. Essa coação legal, conforme explica o autor, é necessária, mas insuperável, e é pressuposto básico para a vida comunitária, ainda que não garanta a harmonia da vida humana, pois o Estado deixou de ser o espaço no qual os sujeitos agem pelo coletivo.

É a lei da cidade que constitui a medida do que e justo. A comunidade, no sentido moderno, não é mais a congregação dos que estão dedicados ao bem comum, mas, ao contrário, dos que estão em busca de seus próprios interesses. Nesse contexto, a esfera comunitária aparece apenas como meio para a defesa do interesse do indivíduo [...]. O Estado deixou de ser a totalidade dos indivíduos eticamente vinculados para transformar-se no protetor e defensor dos interesses individuais [...]. (OLIVEIRA, 1993, p. 26).

Nesse sentido, a partir do mundo moderno e, em especial, do mundo e da política contemporânea, ética e política tornaram-se dois conceitos que não fazem parte, necessariamente, de um mesmo processo.

Hegel é o teórico da modernidade que apresenta, conforme as palavras de Vaz (1988, p. 171) “o intento mais vasto e mais ambicioso para recuperar a unidade ontológica da Ética e da Política, deslocando da natureza para a história [...] seu fundamento conceptual.”

Ao situar o ético na esfera da história, Hegel procura recolocar a problemática da liberdade, e consequentemente da ética, na esfera do político, diferentemente de Kant, que reduz a liberdade à interioridade, isto é, à esfera da autonomia subjetiva. Conforme explica Oliveira (1993), a liberdade, em Hegel, passa a ser o processo de mediação entre subjetividade e objetividade, impulsionando a configuração de intersubjetividades que tornam possível o reconhecimento de todos como sujeitos de igual dignidade. Este seria o processo de universalização dos indivíduos, a partir do qual o homem supera o campo de seus interesses puramente particulares e vitais, abrindo-se à socialização.

É exatamente o contrapondo entre a interioridade (moralidade) e a exterioridade (legalidade) que possibilita à Hegel pensar a eticidade enquanto efetividade histórica da liberdade. Sobre isso, Oliveira (1993, p. 218) escreve:

Hegel tem o grande mérito de situar o problema da normatividade das ações humanas no nível das relações sociopolíticas, de mediar dialeticamente a problemática da autonomia da liberdade subjetiva com a problemática da efetivação histórica da liberdade. Para ele, trata-se de pensar a passagem da liberdade enquanto vontade livre à liberdade enquanto direito. Hegel renova, transformando-a a tradição da “política” de Aristóteles, à medida que é capaz de introduzir nesse contexto o princípio da subjetividade, que caracteriza a modernidade. Com isso ele não só transforma o universo categorial aristotélico, mas também, pensando a moralidade como momento de eticidade, supera a consideração parcial, típica da filosofia moderna, que se assinala pela contraposição entre sujeito e mundo. [...] Hegel [...] quer pensar o bem precisamente enquanto “existência mundana”, objetividade exterior. A liberdade só é plena quando se faz “mundo”. A vontade livre só o é enquanto efetivada historicamente.

Tal concepção de liberdade é a mediação maior na esfera do político, e não a economia, justamente porque esta se constitui como a esfera das necessidades impostas aos homens, cujas relações são então orientadas pela primazia dos interesses individuais. Como bem destaca Oliveira (1993, p. 28),

O que está aqui em jogo é a criação das condições de possibilidade para a efetivação da liberdade universal de todos os indivíduos, que radica no reconhecimento mútuo de sua igual dignidade. Trata-se, portanto, da institucionalização de mecanismos geradores de sociabilidade, que façam ceder toda e qualquer forma de dominação na existência humana e dêem lugar ao reconhecimento livre de cada um, efetivando, portanto, a razão na vida humana.

Nesse sentido, Hegel retorna ao pensamento ocidental clássico que vê no político a presença da razão. Nessa perspectiva, concebe o Estado como o espaço de conciliação do indivíduo e da comunidade, espaço de reconhecimento universal. Todavia, ainda que a politicidade, em sua teorização, constitua a dimensão fundamental da vida humana, ela só se faz realidade mediante uma instituição cuja finalidade (instrumental) é a realização da vida política, instituição esta que ele chamou de Estado político.

Assim, conforme Vaz (1988), apesar de Hegel ter atestado que o problema na concepção de sociedade civil seria a própria essência do projeto político da modernidade, acaba por recair no plano da cisão entre Ética e Política que tenta superar, o que é trazido à tona pela crítica de Marx. Apesar de seguir a mesma linha de pensamento historiocêntrico que Hegel, Marx parte da análise econômica das formações sociais, tendo como forma histórica