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PERSPECTIVAS E DESAFIOS NO PLANEJAMENTO DE CURSOS DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE

2) Alguns fatores externos: alunos podem faltar em função do

4.4 Subsídios para o planejamento de cursos de PLAc

4.4.2 A acessibilidade dos cursos de PLAc: gratuidade e carga horária

Diante do perfil do público-alvo de PLAc, discutido neste capítulo, percebemos que esse grupo, socialmente minoritarizado (MAHER, 2007), apresenta algumas questões que apontam que seus processos de (re)territorialização estão, frequentemente, se desenvolvendo precariamente (BIZON, 2013) no país. Assim, a questão econômica desses imigrantes pode ser um ponto de dificuldade. Os deslocados forçados, muitas vezes, chegam ao país de acolhimento na busca de melhores condições de vida, alguns enfrentando dificuldades mais urgentes do que outros – em que se pesem as clivagens de gênero, idade, etnia, nacionalidade, cor de pele, status econômico, dentre outras.

Nesse sentido, percebemos, pelas discussões realizadas ao longo deste capítulo, que o conhecimento da língua portuguesa é, para muitos dos imigrantes deslocados forçados que participaram desta pesquisa, uma necessidade imperativa ou um instrumento de defesa pessoal, imagens que deixam entrever sua vulnerabilidade

social. Assim, para que o ensino do idioma majoritário do nosso país possa, de fato, fazer parte do acolhimento desses imigrantes – processo que vai além da simples concessão de vistos de permanência (AMADO, 2013) –, é preciso que os cursos de PLAc sejam acessíveis a todos os imigrantes em situação de deslocamento forçado. Tal acessibilidade pode significar a cobrança de um valor reduzido pela matrícula/mensalidade (depende de como cada curso é organizado) ou, ainda, pode ser necessária a gratuidade total do curso. Para isso, é preciso que a organização do curso conheça o público-alvo com o qual está lidando para que verifique, caso esta seja sua necessidade, a possibilidade (ou não) de cobrar pelo serviço prestado e/ou pelo material utilizado. Se a instituição que pretende oferecer o curso de PLAc não conhecer o perfil de seu público, pode acessá-lo através de uma sondagem da situação socioeconômica dessa população, por meio de questionários socioeconômicos, por exemplo.

Países como Portugal, Alemanha e França já dispõem de programas estatais de acolhimento que envolvem, dentre outras ações, o ensino do idioma nacional para os imigrantes deslocados forçados (SÃO BERNARDO, 2016). Segundo Cabete (2010), o Programa Portugal Acolhe – Português para Todos é gratuito e ainda oferece auxílio transporte a alimentação para os participantes. O Brasil ainda não conta com um programa como esse, mas, em concordância com Amado (2013), acreditamos que é importante que as universidades, em especial as públicas, que dispõem de cursos de Letras ou de PLA, principalmente, ofereçam algum apoio nesse sentido. A ideia seria que, por meio de cursos de extensão universitária, alunos realizassem parte de seus estágios obrigatório em programas de PLAc (ibidem). Isso já está começando a ser feito por algumas universidades, tais como a UFMG, através do seu curso de extensão

Português para Estrangeiros em Regime Especial de Permanência no Brasil, que funciona no âmbito do CENEX. Somente para citar outro exemplo, São Bernardo (2016) também apresenta a realização de uma proposta similar, fazendo com que o curso de PLAc oferecido pelo Núcleo de Ensino e Pesquisa em Português para Estrangeiros (NEPPE) fosse ministrado por alunos estagiários do curso de Português Brasileiro como Segunda Língua (PBSL) da Universidade de Brasília (UnB)142. Assim como o curso do CENEX (UFMG), o curso do NEPPE (UnB) tem uma parceria com uma instituição da sociedade civil que atende imigrantes em situação de deslocamento forçado no país, o CZ e o IMDH, respectivamente. Acreditamos que ONGs, instituições

142 Além dessas, outras IES no país têm começado a realizar ações nesse sentido, tais como discutimos em

de cunho religioso e demais organizações da sociedade civil que trabalhem com o acolhimento desses imigrantes e que já ofereçam ou que queiram oferecer cursos de PLAc devam buscar apoio em parcerias com Instituições de Ensino Superior (IES), como o coordenador do CZ fez ao buscar parcerias com a UFMG e o CEFET-MG, ou, ainda, que as próprias IES, busquem apoiar as instituições de acolhimento de imigrantes, como foi a postura tomada no caso dos referidos cursos do CENEX/UFMG e do NEPPE/UnB.

Além do caráter de (semi)gratuidade dos cursos de PLAc, outro ponto característico desse contexto de ensino, e que deve ser levado em conta no seu planejamento, é a flexibilidade da sua carga horária. Com um público-alvo composto, em sua maioria, por imigrantes adultos trabalhadores, como os participantes dessa pesquisa, um curso que pretenda lhes ser acessível deve considerar a oferta de cursos em horários alternativos, além dos horários regulares, como no turno da noite ou durantes os finais de semana. Nesse contexto, outro desafio é a disponibilidade dos trabalhadores que compõem a organização e o corpo docente desses cursos: em um panorama em que os cursos de PLAc têm sido organizados e oferecidos com base no sistema de voluntariado, como se esperar que o voluntário assuma um compromisso em horas alternativas, que, talvez, sejam seu horário de descanso da sua rotina semanal? Ou ainda, horários que coincidam com o horário de aula dos professores que eventualmente sejam estagiários? O planejamento de cursos de PLAc deve abordar essas questões.

Uma alternativa encontrada pelo CZ foi a proposta de cursos de curta duração (GONTIJO et. ali., 2016). Conforme já mencionado, o curso do CZ acontece aos sábados, entre 14h e 17h. Para contornar o problema da assiduidade dos estudantes e da volubilidade dos voluntários, o curso de PLAc do Zanmi recentemente aderiu a uma proposta de progressão bimestral, cada bimestre sendo composto de 10 aulas de 3 horas de duração, compreendendo uma carga horária total de 30 horas por turma (ibidem). Além disso, adotou-se a prática de selecionar dois professores por turma, para que eles possam, da maneira que acharem conveniente, dividir a carga horária em sala de aula ou outras atividades, como a correção de tarefas. Nesse modelo, alguns professores revezam as aulas entre si, comparecendo quinzenalmente ao curso, e outros comparecem a todas as aulas conjuntamente, por vezes dividindo a aula em duas partes, cada qual ministrada por um desses professores-voluntários com apoio do outro. Há uma dupla de professores que prefere, por exemplo, dividir suas aulas em uma parte voltada para as habilidades de leitura e escrita (ministrada por um professor que gosta

mais desse assunto) e outra para a prática das habilidades de audição e produção oral (ministrada pelo outro professor que já prefere lecionar esse tipo de prática), por exemplo.

Essas medidas – de diminuição da carga horária para a adoção de cursos bimestrais e a separação de dois voluntários por turma – foram pensadas pela coordenação do curso, juntamente com uma comissão de professores com experiência na docência em PLA, que perceberam que a adoção de cursos menores, no contexto do CZ, ajudaria sobremaneira em dois sentidos: primeiramente para a manutenção do comprometimento do trabalho do voluntariado, que poderia assumir um compromisso bimestral, ao invés de um compromisso por tempo indeterminado, além de que teria a possibilidade de dividir a turma com outro professor, o que colaboraria para uma flexibilidade ainda maior do seu trabalho. Em segundo lugar, houve um impacto na assiduidade dos estudantes que, ao concluir um módulo do curso e mudar de turma em espaço de tempo menor (2 meses), tendem a se sentir mais motivados143.

Além disso, essa estratégia ajudou a contornar outra questão que envolve a assiduidade do público-alvo do CZ: a entrada de estudantes no curso sem a realização de matrícula e/ou nivelamento. O CZ tinha muitos problemas com estudantes que, por convite de amigos e conhecidos, simplesmente compareciam ao local onde as aulas aconteciam e começavam a assistir às aulas, sem passar pela matrícula e/ou nivelamento. Às vezes, esse estudante chegava à turma quase no final do semestre, e isso atrapalhava o andamento do curso e não era produtivo para o aluno iniciante, nem para o professor. As orientações do CZ era para que o professor aceitasse o aluno novato em sua turma porque, na maioria das vezes, quando o estudante era instruído a retornar no outro semestre, ele não o fazia. Com o novo formato, o aluno novato que eventualmente aparecer no local onde as aulas acontecem é orientado a realizar sua matrícula (às vezes, no próprio local onde acontecem as aulas) e aguardar o começo do próximo bimestre para dar início aos seus estudos. Por ser um tempo de espera menor, os alunos novatos acabam, em geral, respeitando o período de início das aulas e retornam no início do bimestre seguinte. Evidentemente, a questão da assiduidade desses estudantes é complexa, envolvendo vários fatores como os socioeconômicos; por isso, o CZ oferece, sempre que possível, auxílio transporte para os alunos e, ainda, oferece lanche no intervalo de todos os seus cursos.

143 Para uma discussão mais ampla sobre a reestruturação do curso de PLAc do CZ, cf. Souza (2016, no

Com base nessa discussão, concluímos que a gratuidade dos cursos e a sua carga horária devem ser flexíveis, procurando adequar-se à realidade do público de cada curso. Isso também nos leva a questionar, mais uma vez, o papel do governo, que poderia oferecer, direta ou indiretamente, através das suas IES, apoio não só financeiro, como também institucional (bolsas para professores, cursos de especialização em PLAc, dentre outros). Além do mais, como um incentivo para atrair mais profissionais para a área, tanto as IES quanto as instituições que atendem imigrantes poderiam procurar meios de, alternativamente, valorizar o trabalho do voluntariado, por exemplo, através da emissão de declarações de horas de voluntariado oferecidas, e da troca de serviços – por exemplo, a pedido de um dos seus trabalhadores, o CZ passou a oferecer cursos de idiomas ministrados pelos próprios imigrantes a seus professores voluntários. Nesse sentido, o Estado também não pode se omitir da sua função de promover um acolhimento efetivo dos imigrantes deslocados forçados que recepciona, processo perpassado pela língua portuguesa. Isso nos leva ao nosso próximo ponto de discussão.

4.4.3 Necessidade de criação e fortalecimento de redes colaborativas e materiais

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