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A Linguística Aplicada Indisciplinar (MOITA LOPES, 2006), também referenciada como Crítica (RAJAGOPALAN, 2006) ou Transgressiva (PENNYCOOK, 2006), aponta novos direcionamentos para a prática investigativa da LA tradicional (MOITA LOPES, 2006, p.14). Segundo Moita Lopes (ibidem), a LAI é, de certa forma, produto de um desconforto com o fazer “normal”11 da LA que, a seu ver, desconsidera as questões sociais experienciadas na vida real. De acordo com o autor, embora a LA já mantenha certa tradição interdisciplinar, muitas vezes, tal interdisciplinaridade é, frequentemente, arraigada em uma só disciplina “mãe”, da qual dificilmente se desvencilha: a Linguística. Para Moita Lopes (2006), urgia um novo paradigma em LA – neste caso, representado pela LAI – que considerasse “a compreensão das mudanças relacionadas à vida sociocultural, política e histórica” (ibidem, p. 21) das pessoas que vivem e agem no contexto aplicado em que/para o qual a pesquisa se desenvolve. Isso implica que as barreiras disciplinares sejam rompidas e, como consequência disso, que a LA passe a ser compreendida como INdisciplinar, e até mesmo ANTIdisciplinar ou transgressiva. Como parte dessa proposta indisciplinar, a LAI preconiza a superação dos limites entre teoria e prática, e aposta na inclusão, no seu fazer investigativo, da opinião dos sujeitos sociais que se relacionam diretamente com o contexto pesquisado. É por isso que Moita Lopes (2006) acredita que

[...] são necessárias teorizações que dialoguem com o mundo contemporâneo, com as práticas sociais que as pessoas vivem, como também desenhos de pesquisa que considerem diretamente os interesses daqueles que trabalham, agem, etc. no contexto de aplicação [...] É preciso que aqueles que vivem as práticas sociais sejam

chamados a opinar sobre os resultados das nossas pesquisas, como também a identificar nossas questões de pesquisa como sendo

11 Moita Lopes (2006) entende por “normal”, com base em Davies (1999), a LA que não se compromete

com a transformação social, sendo notadamente dependente da linguística e adotando uma perspectiva modernista sobre o seu fazer epistemológico (MOITA LOPES, 2006, p. 15).

válidas de seus pontos de vista: uma dimensão essencial em áreas

aplicadas (MOITA LOPES, 2006, p.23, grifos nossos).

Incluir e considerar a opinião dos sujeitos que atuam, transformam e são transformados pela conjuntura sócio-política e histórica em que ocorre a prática do linguista aplicado faz parte do referido pressuposto da LAI de compreender as relações sociais para que seja possível transformá-las (para melhor). Por esse motivo, a LAI situa-se no campo das teorias pós-modernas ou pós-coloniais (MOITA LOPES, 2006, p. 23), caracterizadas pelo questionamento das relações de poder e do status quo, este último marcado pelo modernismo, de perspectiva objetivista e práticas positivistas. Como parte de seu projeto, a LAI reconhece as questões políticas que envolvem as práticas sociais de toda natureza e também questiona o próprio ato de se fazer pesquisa. Por conseguinte, é crítica, autorreflexiva e ideológica12.

No atual cenário de globalização (FABRÍCIO, 2006) – em que, cada vez mais, as ciências sociais se alinham com perspectivas pós-modernas e pós-colonialistas −, não há espaço para as práticas não-questionadoras, ou seja, de uma LA que seja “normal”, cujas ações aconteçam numa espécie de vácuo sócio-histórico (MOITA LOPES, 2006). Alinhando-se a essa perspectiva, Rajagopalan (2006) afirma que “uma teoria que considera o social como questão secundária jamais terá êxito num campo de prática que seja, antes que qualquer coisa, social” (ibidem, p. 159). Nesse sentido, a LAI inscreve-se numa perspectiva anti-hegemônica, trazendo para sua agenda questões de justiça social, na medida em que se compromete em ouvir e dar voz ao Outro, considerando o sujeito social como “heterogêneo, fragmentado e fluido, historicizando- o” (MOITA LOPES, 2006, p. 31). Dar voz a esse Outro significa, no modo de fazer pesquisa da LAI, buscar entender as relações sociais no contexto aplicado ao mesmo tempo em que procura trazer para o centro a realidade das “vidas marginalizadas do ponto de vista dos atravessamentos identitários de classe social, raça, etnia, gênero, sexualidade, nacionalidade etc.” (ibidem, p. 27).

A LAI desenvolve-se, assim, sobre uma agenda política,

transformadora/intervencionista e ética, comprometendo-se com uma prática investigativa interrogadora (FABRÍCIO, 2006, p. 49). Como parte dessa natureza problematizadora e autorreflexiva, procura declarar suas próprias posições ideológicas,

12 Moita Lopes (2006, p. 21) assim a caracteriza, baseando-se na classificação entre LA autônoma e

ideológica proposta por Rampton (1995) que, por sua vez, inspirou-se na abordagem do letramento autônomo e ideológico proposta por Street (1984).

políticas e éticas (ibidem), ou seja, busca refletir sobre “os interesses a que servem os conhecimentos que produz” (MOITA LOPES, 2006, p. 25). Dessa forma, a LAI questiona o mito da neutralidade e objetividade científica, relativizando a verdade, assumindo os aspectos ideológicos e políticos envolvidos em qualquer relação social e, consequentemente, em qualquer contexto de produção de conhecimento.

Assim como Moita Lopes (2006), Pennycook (2006) corrobora para a ideia de que a prática em LAI não acontece alheia a fatores sócio-histórico-político- contextuais. Assumindo a fluidez e o caráter ideológico do próprio fazer investigativo, a LAI aponta para a necessidade de engendrarmos práticas constantemente (auto)questionadoras e transformadoras. Pennycook (2006) nomeia essas práticas como características da LA Trangressiva, uma maneira de pensar e fazer que seja sempre problematizadora (PENNYCOOK, 2006, p. 67). Resumidamente, a LA Transgressiva, na perspectiva desse autor, baseia-se em três pontos principais. Em primeiro lugar, ela procura transgredir fronteiras políticas e epistemológicas, buscando “pensar o que não deveria ser pensado, fazer o que não deveria ser feito” (ibidem, p. 82). A LA Transgressiva – a mesma que chamamos de LAI – força e questiona as barreiras (aparentemente bem delimitadas) entre as disciplinas, reconhecendo seu caráter fluídico enquanto “domínio dinâmico do conhecimento” (ibidem, p. 72). Em segundo lugar, deve ser crítica, autorreflexiva e política, questionando o status quo, bem como a sua própria prática, sendo vigilante com os termos que utiliza/seus próprios modos de pensar, averiguando e sempre colocando em cheque sua colaboração em aspectos do “mundo real”: representados pelo domínio (efeitos do poder), a disparidade (desigualdade social e de acesso), a diferença (legitimação das diferenças) e o desejo (relação entre identidade e agenciamento) (ibidem, p. 82). Em terceiro lugar, na visão desse autor, a LA Trangressiva considera as viradas linguística (reconhecendo o papel do discurso na constituição do sujeito e da ordem social), somática (admitir o papel do

corpo nas relações e diferenciações sociais, ou seja, o papel da raça, etnia, sexo, etc. entre as pessoas) e performativa (assume que as identidades não são pré-dadas e sim construídas, performatizadas pela linguagem e corporificada) no seu modo de ver e interpretar a “realidade” (PENNYCOOK, op. cit., p. 77 - 82 passim).

Fabrício (2006), por sua vez, sintetiza esse novo modo de fazer da LAI como envolvido em uma posição pós-colonialista que, consequentemente “torna-se refratário à produção de certificações, engessamentos ou certezas [...]”, apontando para a necessidade de um hibridismo teórico metodológico que indica o “fim do ideal de

neutralidade e objetividade na produção do conhecimento, do questionamento ético de todas as práticas sociais, inclusive as da própria pesquisa, e da relevância e responsabilidade sociais dos conhecimentos produzidos” (FABRÍCIO, 2006, p. 51). A autora também afirma que, assumir essa posição,

[...] sem desprezar conhecimentos consagrados, nos força a contínuos deslocamentos, movimentando o ângulo de observação do centro (i.e., dos países desenvolvidos e dos discursos e epistemes ocidentalistas neles produzidos) para as franjas do sistema

globalizado, para as organizações invisíveis, para as periferias, para as formas de ser consideradas subalternas ou inferiores (quanto à sexualidade, à raça, à classe social etc.), para o chamado terceiro mundo e para os excluídos dos benefícios do desenvolvimento (FABÍCIO, 2006, p. 51, grifos nossos).

Faz-se importante ressaltar que, segundo Fabrício (ibidem), esse exercício de trazer para o centro a realidade de vidas marginalizadas, ou seja, de ouvir esse Outro, sobre o qual trata Moita Lopes (2006), não deve ser entendido como uma forma de “salvação” daqueles menos favorecidos socialmente – e essa é uma ideia de grande valia para essa pesquisa. Pelo contrário, a autora aponta para uma mudança epistemológica que reconhece os ganhos advindos dessa nova prática, principalmente ao tomar essa como uma oportunidade de aprender a experimentar formas alternativas de percepção e organização da experiência, “não comprometidas com lógicas e sentidos históricos viciados” (ibidem, p. 52). É nesse sentido que Kumaravadivelu (2006) afirma que a pesquisa em LA deve buscar por significados em detrimento de leis. Rajagopalan (2006), por sua vez, considera como Linguística Crítica um campo mais amplo onde várias áreas (que o autor considera como “propostas”) afins – dentre elas, a Linguística Aplicada – se alinham, pois compartilham dos mesmos ideiais e assumem que suas práticas científicas sejam políticas e com objetivos intervencionistas, na proposta de mudar a realidade social, ou, nas palavras do autor, “intervir na realidade que está aí” (RAJAGOPALAN, 2006, p. 163).

Assim, nessa pesquisa, adotamos a perspectiva da LAI, na medida em que buscamos realizar métodos de pesquisa que nos possibilitassem ouvir o Outro e cujo objetivo principal é colaborar com uma transformação de uma dessas realidades que

estão aí. Como parte do nosso desenho de pesquisa, buscamos incluir as perspectivas dos sujeitos que agem e vivem no contexto em que desenvolvemos a investigação − imigrantes, alunos de PLAc, bem como professores e coordenadores da área −, de modo

a elaborar uma proposta de intervenção que considerasse seus interesses. Além de compreender a conjuntura social sobre a qual teorizamos, procuramos colaborar para a mudança/transformação na prática sócio-política do ensino de línguas para o público composto por imigrantes deslocados forçados o Brasil – grupo minoritarizado (MAHER, 2007) no país.

Na próxima seção, discutiremos alguns conceitos-chave para o nosso entendimento da noção de Português como Língua de Acolhimento e sobre os quais construímos nossa proposta de subsídios para o planejamento de cursos dessa área, que se constituem no objetivo final deste trabalho.

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