• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 O VALOR DO TRABALHO COMO DIREITO HUMANO

2.1. A afirmação histórica dos direitos humanos

O termo direitos humanos36 surge a partir da noção muito antiga de direitos naturais,

seja como uma adaptação, conforme pregam os jusnaturalistas, seja como uma contraposição, conforme colocam os positivistas. Aponta-se que as origens do direito natural remontam principalmente à antiguidade greco-romana, bem como o Medievo quando começou a se considerar que todos os humanos são dotados de direitos pelo simples fato de existir (SARLET, 2004, p. 44).

A idéia de direito natural, desde a Antiguidade esteve associada a algo maior que o ser humano, como se um todo harmônico, em que se havia uma justiça universal, estivesse previamente traçado (VILLEY, 1976, p. 40). Na Grécia, grosso modo, se concebia que o direito natural seria como as leis imutáveis e lineares da natureza que deveriam ser descobertas pelos indivíduos através da razão (DOUZINAS, 2009, p. 47), já os cristãos criam ser a lei natural a consciência de Deus enraizada nos corações humanos, como afirma São Paulo em sua carta aos Romanos, II:15. Como se denota, o direito natural era tido como um direito objetivo, que cabia apenas aos humanos descobrí-lo ou escutá-lo.

Com o advento do Iluminismo, começou-se a questionar as bases divinas das ciências, do justo e da sociedade. Ganha fôlego o pensamento de que a verdade só poderia se alcançar através da razão, sendo que a razão considerada legitima era aquela fundada na lógica matemática (BITTAR; ALMEIDA, 2005, p. 227) que era imutável, demonstrável e

descontaminada de juízos de valor37. Neste contexto, quanto ao direito, buscou-se secularizar

a idéia de direito natural que vinha desde a Idade Antiga substituindo as concepções deístas pela razão humana.

36 O presente estudo não se centrará nos marcos históricos e jurídicos dos direitos humanos generalizadamente

posto que já são de amplo conhecimento e que extrapole as suas pretensões. Enfatizar-se-á a construção histórica dos direitos sociais trabalhistas sob o aspecto da emancipação do trabalhador.

37 A razão iluminista foi posteriormente chamada pelos teóricos da Escola da Frankfurt de razão instrumental.

Várias críticas lhe foram feitas, havendo vários trabalhos que a acusam de estar a serviço da dominação, exploração, opressão e violência (CHAUÍ, 2000, p. 103)

Douzinas sustenta que a dessacralização do direito natural foi permitida com a concepção dos nominalistas franciscanos Duns Scotus e Guilherme de Ockham no século XIV ao argumentar que a individualidade é a expressão máxima da criação. As coletividades, cidades e comunidades são artificiais, naturais só os homens, conforme o foi o próprio Cristo. Estes autores sustentavam ainda que o controle das vidas dos indivíduos se materializava na vontade que era um tipo de domínio ou propriedade e esta propriedade não era uma garantia legal senão um presente divino, a base da vida humana. Estes pensadores colocaram ainda que a lei não se fundava em uma natureza ou razão superior, senão na vontade divina que era absoluta e obrigatória. Douzinas e Villey afirmaram que estas idéias foram o marco em que o pensamento jurídico e político passou a se centrar no soberano e no indivíduo e seus respectivos direitos e poderes.

A este pensamento se somou ainda o da escolástica, principalmente espanhola, que via o jus não mais objetivamente como o justo, mas como uma concepção individualista, isto é, como uma faculdade inerente a todo homem de agir sobre o que possui, idéia esta amplamente difundida por Grócio de que o direito natural seria o que fosse ditado pela reta razão. (DOUZINAS, 2009, p. 75-77)

A transformação da justiça como um fator objetivo para um subjetivo (daí a noção de direito subjetivo) se deu através da mutação da idéia de razão humana como descobridora do justo, pela de razão humana como centro da vontade. Esta concepção se afinava bastante com a nova conjuntura capitalista que se formava e foi aproveitada pelos pensadores como Hobbes, Locke e Rousseau. Como aponta Sarlet, a teoria dos direitos naturais como ponto de partida da teoria dos direitos humanos chega a seu ápice com o contratualismo a partir dos

séculos XVI até o XVIII38 (SARLET, 2004, p. 45). A partir desta mudança de concepções o

direito passa a ser descoberto ou produzido através do raciocínio científico humano que reconheceria na vontade dos indivíduos os direitos inalienáveis, universais e eternos. Conforme a ponta Trindade:

38 Comparato destaca isoladamente a filosofia de Kant como marco para a compreensão dos direitos humanos

como universais, anteriores e superiores a todo ordenamento do Estado devido sua característica de racionalidade que faz com que o ser humano seja o único a possuir autonomia, valores e vontade e assim seja um fim em si mesmo, diferentemente das coisas que possuem apenas valores relativos, dependentes dos valores alheios e servem como meio para vontades alheias. A autonomia inerente apenas ao ser humano é o que o capacita a guiar-se pelas leis que ele próprio edita. É neste sentido que Kant afirma que todo ser humano tem dignidade e não um preço. (COMPARATO, 2005, p. 21-22) Bobbio dá destaque também a Kant ao afirmar que provém dele a concepção de que todos os direitos derivam da liberdade que é o direito natural por excelência, direito este que só tem limite na liberdade de outrem. (BOBBIO, 2004. p. 47)

Esta razão triunfante busca a liberdade, estado primordial do homem; a natureza mostra que todos os homens nascem iguais, por isso todo privilégio é antinatural; as pessoas podem estabelecer as cláusulas do contrato que institui a sociedade; o indivíduo, portador de direitos imanentes (porque naturais), deve ser protegido do poder absoluto pela repartição do poder; a intolerância religiosa deve ser abolida, e o Estado, governado de acordo com a vontade geral, por isso as leis devem ser iguais para todos – e por ai vai. (TRINDADE, 2002, p. 37)

É certo que o pensamento da época não era tão homogêneo assim, havia opiniões diversas, por exemplo, sobre o estado de natureza, sobre a natureza humana, dentre outros. Mas se pode afirmar que havia em comum a tese da existência de um estado natural em que a verdadeira natureza humana poderia ser extraída e em que se pode buscar a razão e o modo como as pessoas se uniram em sociedade e quais seriam os fins desta reunião e que tudo o mais que se desse socialmente seria legitimado à medida deste contrato inicial, a partir da convenção de vontades.

Como se nota, construiu-se um modelo, quase um instrumento, para que se pudesse conhecer e explicar racionalmente a origem, as razões e os fins da sociedade. Modelo que fosse capaz de servir de parâmetro para a engrenagem de uma nova sociedade que surgia dos destroços do feudalismo e da Idade Média. É por isto que muitos autores hoje afirmam que a Modernidade foi um projeto desenvolvido principalmente a partir dos pensadores Iluministas que foi apropriado com muita facilidade pelo capitalismo (SANTOS, 1999, p. 77). A idéia de direitos humanos foi muito útil ao capitalismo para libertar a população dos laços servis e lançá-la ao mercado como mão-de-obra livre, bem como para deslegitimar o poder político da nobreza e clero, para ser apoderado pelos burgueses. A Revolução Francesa foi emblemática pelo uso da noção dos direitos humanos para a nova conformação de sociedade, economia e poder.

A Revolução Francesa foi uma revolução burguesa dada em um ambiente em que, com o desenvolvimento do capitalismo, havia uma progressiva substituição da estratificação social (antes baseada no privilégio do nascimento), para uma em que se baseava na posição das pessoas na economia (TRINDADE, 2002. p. 31). Estas transformações fizeram com que se consolidasse o discurso de que os serem humanos deveriam não mais ser medidos pelos

privilégios de nascimento, mas sim por suas capacidades, assim legitimou-se a ascensão da

burguesia ao poder através da Revolução Francesa39.

Em princípio esta fala era muito sedutora às classes obreiras, pois o fim dos privilégios de nascimento também lhes abria a possibilidade virtual de ascender ao poder. Os burgueses se uniram às camadas populares para dirigir a luta contra a nobreza sobrevivente do feudalismo (AVELÃS NUNES, 2007, p. 144), porém, quando aqueles ascenderam ao poder, restringiram o alcance do seu lema apenas à liberdade liberal. Muitos foram os fatos históricos que exemplificaram a exclusão dos interesses do povo trabalhador com a consolidação da Revolução Francesa, a perseguição e massacre dos jacobinos e dos sans-culottes, no que foi chamado por Trindade de “Terror da direita” (TRINDADE, 2002, p. 69). Assim como a substituição da constituição jacobina de 1793 pela de 1795 foram prova suficiente de que a revolução seria burguesa e não alcançaria os clamores operários.

Trindade ilustra bem os direitos alcançados na Revolução Francesa a partir das constituições que foram aprovadas em seu contexto. A primeira constituição, a de 1791 contemplava quase com exclusividade o direito à liberdade liberal e à propriedade, e muito pouco falava da igualdade - e a esta não cabia nenhuma proteção especial como a liberdade e a propriedade - o voto era censitário, e não havia qualquer consideração quanto ao trabalho como direito. Tampouco como a proibição a determinados tipos de trabalho, como o escravo

(que ainda era uma realidade dramática àquele tempo)40.

A segunda constituição, a de 1793, foi a primeira a ser aprovada por referendo popular e se deu no contexto do chamado “terror jacobino”. Esta constituição foi aprovada sob a

39 Segundo Avelãs Nunes, o protagonismo histórico da Revolução Francesa se dá porque dentre todas as

revoluções burguesas verificadas (Holanda, séc. XVI, Inglaterra séc. XVII, América, séc. XVIII, Alemanha e Itália sec. XIX...) é a francesa que demonstra não só seu caráter exemplar, como aplica as suas mudanças de forma universal e distingue o jogo de compromissos que levaram a burguesia a alcançar o poder. (AVELÃS NUNES, 2007. p. 141)

40

[...]os quatro “direitos naturais” enunciados no art. 2º (liberdade, propriedade, segurança e resistência à opressão) são contemplados desigualmente na Declaração. A liberdade recebeu sete artigos: o 4º e 5º definem seus contornos gerais, o 7º, o 8º e o 9º tratam da liberdade individual, o artigo 10 refere-se à liberdade de opinião e o 11, à liberdade de expressão. A propriedade só é abordada no artigo 17, mas beneficia-se de um tratamento enfaticamente protecionista e privatista – note-se que é o único direito qualificado como “inviolável e sagrado”. A segurança só é contemplada no artigo 12, e de modo visivelmente menos relevante. Quanto aos direitos de resistência à opressão, a Declaração nada lhe dedicou, a não ser a menção inicial. Há uma ausência memorável, a igualdade não figurou entre os direitos “naturais e imprescritíveis” proclamados no artigo 2º, muito menos foi elevada ao patamar de sagrada e inviolável, como fizeram com a propriedade. Além disso, quando mencionados depois, o foi com um certo sentido: os homens são iguais - mas “em direitos” (artigo 1º), perante a lei (artigo 6º) e perante o fisco (artigo 13). Assim, a igualdade de que cuida a Declaração é igualdade civil (fim da distinção jurídica baseada no status de nascimento). Nenhum propósito de estendê-la ao terreno social, ou de condenar a desigualdade econômica real que aumentava a olhos vistos no país. (TRINDADE, 2002, p. 54-55)

pressão dos sans-culotte e dos jacobinos radicais e apresentava pontos bastante avançados socialmente em relação aos silêncios eloqüentes da constituição anterior, bem como da posterior. A primeira e a segunda constituição foram a que marcaram o real sentido da Revolução francesa, sendo a Constituição de 1793 apenas uma tentativa de realmente instituir o marco inicial dos direitos sociais que ficou na história como apenas um documento de curta vigência legislativa e de nenhuma vigência prática. A Constituição de 1973 sucumbiu ao “terror jacobino” quando foi suspensa por motivos de guerra e quando os próprios líderes e população que a referendaram foram perseguidos por Robespierre, líder da direita jacobina. Trindade expõe com bastante detalhe o espírito da Constituição de 1793 bem como as enormes diferenças entre o espírito da constituição anterior:

Essa constituição estava dividida em duas partes, uma “Declaração dos direitos do homem e do Cidadão”, de 35 artigos, seguida de um “Ato constitucinal” com mais 124 artigos. Além de todos os direitos, deveres e liberdades previstos na declaração de agosto de 1789, a nova Declaração introdutória desta Constituição iniciava-se com a afirmação solene, já no artigo 1º, de que “o fim da sociedade é a felicidade comum”, e colocava a igualdade (artigo 2º) entre os direitos naturais imprescritíveis – no mesmo nível da propriedade, liberdade e segurança. Mantinha a igualdade civil das Declarações de 1789 e bania a distinção política entre cidadãos “ativos” e “passivos” que fora gravada em três artigos do título III, capítulo I da Constituição de 1791. No artigo 18, proibia a compra e venda de seres humanos e abolia a servidão doméstica (mantida na Constituição anterior, título III, capítulo I). Instituía, no artigo 21, a assistência social como “dívida sagrada” e reconhecia o direito do trabalho. Erigia a instrução pública (artigo 22) a direito de todos os cidadãos. Indicava (artigo 23) que os direitos de cada um deviam ser operantes, assegurados pela ação de todos. O último artigo dessa Declaração introdutória era flamejante: “Sempre que o Governo viola os direitos do povo, a insurreição constitui, para o povo e para cada porção do povo, o mais sagrado dos direitos e o mais indispensável dos deveres”. Na segunda parte desta constituição – o Ato Constitucional – vários artigos (2º, 7º e 8º) consagravam o princípio da soberania popular (na Constituição de 1791, artigos 1º e 2º do título III, a soberania pertencia à Nação). No artigo 4º, o Ato Constitucional acabava com o requisito de pagamento de uma importância em dinheiro para adquirir a condição de cidadão (previsto no título III, capítulo I, da outra Constituição.) O princípio do sufrágio universal decorria do espírito que perpassava vários artigos (4º, 7º, 8º, 11, 32 e 37), e o princípio da elegibilidade universal estava consagrado no artigo 28. A imunidade criminal dos parlamentares por opiniões expressadas dentro do corpo legislativo estava assegurada no artigo 43. O ato combinava a democracia representativa (artigos 8º e 9º) com formas amplas de democracia direta: de acordo com os artigos 57 a 60, todas as leis deveriam ser aprovadas provisoriamente pelo parlamento e remetidas a todas as comunas da República, só passando a vigorar se não fossem contestadas pelas assembléias primárias de eleitores. A República era organizada de modo parlamentarista (artigo 65). Todos os juízes e administradores eram eleitos (artigo 79 e 80). A publicidade era assegurada no último artigo: “A declaração dos direitos e o Ato Constitucional ficam gravados em tábuas no interior do Corpo legislativo e nas praças públicas”. (TRINDADE, 2002, p. 66-67)

Após a dura repressão de Robespierre, os sans-culotte e a esquerda jacobina perderam fôlego e uma nova maioria de direita formou-se entre os deputados da Convenção

Nacional, retirando aqueles do poder. Como afirma Trindade: “Terminava o terror “de esquerda”, começava o terror “de direita”” (TRINDADE, 2002, p. 69). O terror de direita se deu com o massacre por toda a França dos sans-culotte e dos jacobinos, bem como com o massacre da população, através do crescimento da miséria devido à liberalização da economia e a extinção do controle de preços. Foi neste contexto de dura repressão que a Constituição de 1795 foi aprovada.

Houve um nítido retrocesso social no texto da Constituição de 179541. Houve uma

significativa diminuição do acesso e da representatividade popular, o sentido da igualdade passou a se restringir a apenas a igualdade perante a lei, o direito de insurreição foi extinto e o trabalho apenas era contemplado como um dos meios reconhecidos para a aquisição da propriedade. O texto da Constituição de 1795 transparecia o nítido desprezo da burguesia liberal pelo povo com base na pretensa legitimidade de direitos ideais e virtuais num cenário de desregulamentação e liberdade que piorava gradativamente a situação de vida do povo, que já era crítica.

A liberdade realmente aceita na época era a de que qualquer um poderia se tornar burguês através do trabalho, os que não conseguissem eram tidos como incapazes. Avelãs Nunes cita vários trechos de políticos e pensadores da revolução Francesa que comprovam isto, dentre eles Benjamin Constant, Voltaire, Diderot e Rousseau (AVELÃS NUNES, 2007, p. 156-158). O pensamento predominante entre os burgueses é ilustrado por Constant: “[...] aqueles que, por sua pobreza, se vêem condenados a uma dependência constante , ou ao trabalho à jorna, não possuem mais Inteligência do que as crianças, nem estão mais interessados do que os estrangeiros no bem-estar nacional.” (CONSTANT apud AVELÃS NUNES, 2007, p. 147). Este pensamento restringiu o acesso aos direitos civis às mulheres, aos filhos e aos trabalhadores, pois se são economicamente dependentes, seus interesses só poderiam ser os do pai de família ou o do patrão. (AVELÃS NUNES, 2007, p. 147).

41 Começava com uma declaração de direito se deveres que desde logo contemplava no artigo 5º a propriedade

com uma definição de sentido individualista e sem limitações, como nas constituições anteriores: “A propriedade é o direito de desfrutar e dispor de seus bens, rendas, do fruto do seu trabalho e da indústria.” O artigo 8º da Declaração de deveres indicava o fundamento da sociedade: “É na manutenção das propriedades que repousam a cultura das terras, todas as produções, todo meio de trabalho e toda a ordem social”. Para alguém obter a condição de cidadão a Constituição passava a exigir o pagamento de “uma contribuição direta, territorial ou pessoal”. O enunciado solene do artigo 1º da Declaração de 1789 (“Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”) foi abandonado e, na Constituição de 1795, substituído (artigo 3º) por: “A igualdade consiste no fato de a lei ser igual para todos”. (TRINDADE, 2002, p.70-71)

Aqueles que não conseguiam se inserir nesta lógica de liberdade de ser burguês e não conseguiam nem o acesso ao trabalho (para ao menos vislumbrar ao longe esta liberdade) eram jogados, nos asilos ou workhouses, onde eram isolados não só da sociedade como de suas famílias e em que não se tinha acesso nem ao direito liberal de liberdade pessoal (TRINDADE, 2002, p. 88). Como dito, a Revolução Francesa, bem como a Revolução Industrial inglesa, foram um emblema da época, a mesma lógica quanto aos direitos alcançados nestas revoluções pode ser evidenciada nas constituições do período em que há uma marcante ideologia individualista. Perez Luño faz um apanhado de algumas constituições da época e conclui que:

De ahí que los derechos del hombre, que com tanta generosidad y amplitud formal recogen estos documentos, no sean los derechos de todos los hombres [...] Los derechos proclamados em aquellos textos eran considerados como patrimônio del individuo en su condición presocial. (LUÑO, 2007, p. 38)

Era esta condição pré-social apontada por Luño que realmente importava à época, era ela que através de uma ficção (de um estado de natureza em que se poderia seguramente encontrar a essência humana) legitimava os direitos e os interesses burgueses, desconsiderando toda a realidade social existente à volta. A defesa desta condição pré-social pode ser vista na Lei de Chapelier que proibia o estabelecimento e funcionamento de qualquer corporação de cidadãos de mesmo estado e profissão sob qualquer forma e pretexto (art. 1º), qualquer acordo entre seus pretensos interesses comuns (art. 2º). Como qualquer ação dos operários em relação ao que se entendia ser o livre exercício da indústria e do trabalho individual (art. 7º e 8º) (AVELÃS NUNES, 2007, p. 149). Minou-se assim qualquer forma de associação, sindicato ou de defesa dos trabalhadores na conjuntura desigual da sociedade, sob o pretexto de que:

No plano filosófico-político, aí se afirmava, na esteira de Rousseau: “Não há corporações dentro do Estado. Há apenas o interesse particular de cada indivíduo e o interesse geral. Não é permitido a ninguém inspirar os cidadãos um interesse intermédio, separá-los da coisa pública por um espírito de corporação”. Daí a conclusão lógica de que “cabe às convenções livres de indivíduo para indivíduo fixar o salário de cada trabalhador.” (AVELÂS NUNES, 2007, p. 149)

Se a história dos direitos humanos pode remontar à Antiguidade, não se pode afirmar o mesmo da história dos direitos humanos quanto direitos sociais. Mesmo em face dos debates quanto à essência humana, seus direitos e sua liberdade, desde a Antiguidade até a própria

Revolução Francesa, estes direitos não atingiram uma grande quantidade de seres humanos. Isto por que ou estes seres não eram considerados como tal (como se dava na situação dos escravos desde a Antiguidade até a própria época da Revolução Francesa); ou por que, como se pensou no Medievo, esta liberdade e igualdade só se davam no plano divino; ou por que na prática esta liberdade e igualdade sofriam com bastantes entraves de ordem econômica para se concretizar. Se na Antiguidade ou Medievo os trabalhadores eram juridicamente coagidos pelos institutos da escravidão e servidão, na Modernidade esta coação era econômica, colocavam-se os trabalhadores objetivamente em situação de dependência à mercê dos interesses empresários que eram vistos como interesse geral.

Até a Revolução Francesa pouco se modificou quanto à situação do ser humano que trabalha, porém, pode-se apontar que foi naquela Revolução que foram lançadas as sementes para a luta pelo reconhecimento dos direitos sociais como direitos humanos. A Revolução Francesa substituiu a legitimação do poder calcada em Deus ou nos privilégios de sangue, pela legitimação do poder pelo reconhecimento de determinados direitos que são inerentes à humanidade, isto é, pela noção de direitos humanos. Nas palavras de DOUZINAS: “[...] substituiu a soberania monárquica pela popular e abriu espaço político para discussão e crítica com base na igualdade do cidadão como um pré-requisito da liberdade.” (DOUZINAS, 2009,