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CAPÍTULO 3 – FUNDAMENTOS DA FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA

3.3. Tipos de flexibilização das leis trabalhistas

A doutrina aponta vários tipos ou formas de flexibilização das leis trabalhistas. Serão consideradas aquelas que têm maior relevância para o presente estudo. Uma das tipologias mais difundidas é a de Jean-Claude Javillier, que se perfaz em relação à finalidade. Para aquele autor flexibilização pode ser: a) de proteção, que considera que o direito do trabalho traz em si elementos de flexibilidade podendo se conjugado com a autonomia privada ou coletiva, sempre que mais favorável ao trabalhador; b) de adaptação, quando se permite, através da autonomia coletiva, a derrogação de normas heterônomas, em face de dificuldades econômicas visando um bem maior para empresas e trabalhadores; c) de desregramento, quando há a prevalência do negociado pelo legislado não só através da autonomia coletiva, como também da individual, desconstruindo a rigidez da normatividade mínima do direito do trabalho (JAVILLIER, 1992, p. 99-100)

Uriarte acrescenta uma interessante tipologia sobre o tema: a) flexibilidade jurídica, que se relacionaria às normas que regulam diretamente a relação de trabalho; b) flexibilidade produtiva, referente à organização da produção (a exemplo do fordismo ou toyotismo); c) flexibilidade de fato, que se observa através do descumprimento das leis trabalhistas pelo empregador. (URIARTE, 2002, p. 17)

Já Alice Monteiro de Barros também acrescenta outra útil tipificação da

flexibilização85: a) normativa, que seria uma flexibilização heterônoma, isto é, imposta pelo

Estado unilateralmente; b) de novo tipo, que seria uma flexibilização autônoma, isto é, que substituiria as garantias legais pelas convencionais, como primazia da negociação coletiva ou do negociado pelo legislado. Note-se que a autora não admite o uso da autonomia privada para flexibilização de direitos postos. (BARROS, 2005, p. 82)

Outra classificação similar a de Uriarte é a de flexibilização institucional e extra- institucional. Estas duas tipologias é de bastante interesse para a presente dissertação por explicitar realidade atual de grande parte das flexibilizações, bem como a conciliação como instrumento para tal. Note-se que falar em flexibilização no mundo do trabalho não se trata de falar apenas em leis ou normas trabalhistas. Hoje se observa que a flexibilização se perfaz, principalmente, de forma indireta, através da diminuição do âmbito de incidência,

abrangência ou rigor das normas trabalhistas ou relativizando-as frente à autonomia da vontade das partes contratantes.

A flexibilização institucional se dá através de mudanças ou inovações legislativas no sentido não só de diminuir diretamente direitos sociais, mas principalmente de condicionar a efetividade desses direitos não mais à simples existência da norma, mas a arranjos negociados de forma coletiva (convenções coletivas) ou até individual, a exemplo do banco de horas, da possibilidade do trabalho aos domingos, dos novos formatos de contrato de trabalho (por tempo determinado, parcial...). Observa-se nesta modalidade de flexibilização a tendência de não ferir diretamente o conteúdo dos direitos sociais laborais postos, mas de inserir mecanismos institucionais que garantam a “primazia do negociado sobre o legislado”. Esta tendência demonstra que o empresariado procurou se beneficiar da conjuntura de enfraquecimento da autonomia coletiva e também individual dos trabalhadores, utilizando-se das bandeiras destes (poder de negociação coletiva, de participação nos lucros...), para se beneficiarem.

No Brasil, várias foram as medidas legislativas e administrativas, principalmente na década de 90, que concretizaram a flexibilização trabalhista, atingindo principalmente os contratos, a jornada, a remuneração, a forma de resolução de conflitos e descentralizando as negociações. Segue vasto exemplo de leis flexibilizadoras: a) redução transitória dos salários até 25%, por acordo sindical, em situações excepcionais da conjuntura econômica (Lei 4.923/65); b) utilização de trabalhadores em empresa de trabalho temporário (Lei 6.019/74); c) redutibilidade salarial por instrumentos coletivos (art. 7º, VI, CF); d) flexibilização das jornadas de trabalho, mediante instrumentos coletivos (art. 7º, XIII, CF); e) ampla liberdade de despedida no regime do FGTS (Lei 8.036/90); f) lei das cooperativas profissionais ou de prestação de serviços (Lei 8.949/94); g) lei da participação nos lucros e resultados através de negociação (MP 1029/94 e Lei 10.101/2000); h) extinção da política salarial (MP 1053/95); i) reafirmação da demissão sem justa em detrimento da Convenção 158 da OIT, assinada pelo Brasil (Decreto 2100/96); j) ampliação da utilização da lei dos contratos temporários (Portaria 2, 29/06/96); k) contrato por tempo determinado (Lei 9.601/98); l) contrato por tempo parcial (MP 1.709/98); m) Súmula 331 do TST que permite a terceirização; n) suspensão de contrato de trabalho de 2 a 5 meses com programa de reciclagem profissional (MP 2.164/01); o) banco de horas (Lei 9.061/98 e MP 1952-23/00); p) permissão do trabalho aos domingos (MP 1.878 – 64/99); q) Comissões de Conciliação Prévia (Lei 9958/2000); r) redução das hipóteses de salário utilidade (L. 10.243/01).

Já a flexibilização extra-institucional seria o que Adalberto Moreira Cardoso chamaria de flexibilização a frio dos direitos trabalhistas (CARDOSO, 2003, p. 159), isto é, a flexibilização que ocorre pelo descumprimento generalizado daquelas normas. Cardoso apurou em pesquisa empírica presente em sua obra “Direito do trabalho e relações de classe no Brasil: revisitando problemas e interpretações” que há um grande índice de descumprimento de leis laborais, por parte dos empregadores, notado principalmente depois do advento da Constituição de 1988. O autor chega a essa conclusão através do cruzamento de várias estatísticas sobre o crescimento do mercado informal, um salto expressivo de ações ajuizadas na Justiça do Trabalho, a presença crescente e dominante de defesa aos direitos trabalhistas instituídos nas greves da década de 1990 (ANEXOS 1, 2 e 3) e o sucateamento dos aparelhos estatais de fiscalização do trabalho (CARDOSO, 2003, p. 153)

Esta tendência também tem sido observada nos anos 2000. Além da persistência do alto índice de trabalhadores informais, bem como do de demandas na Justiça do Trabalho, estatísticas do DIEESE constatam um alto índice de greves defensivas (relativas ao descumprimento ou a favor da manutenção de direitos): em 2004 foram 54% (DIEESE, 2005, p. 12); em 2005 foram 45,2% (DIEESE, 2006a, p. 8); em 2006 foram 48,2% (DIEESE, 2006b, p. 6); em 2007 foram 58,4% (DIEESE, p. 13).

A mudança do uso das greves de luta pela conquista ou melhora nos padrões de trabalho pela luta para efetivação de direitos já conquistados é eloqüente. Esta mudança,

somada ao que Boaventura de Sousa Santos chamou de procura suprimida86 de direitos

(SANTOS, 2007, p. 31) demonstra que para os empresários burlar direitos parece não só ser economicamente mais viável que respeitá-los, como se apresenta como uma alternativa mais fácil de flexibilização, sem os custos, o desgaste e o tempo requeridos por uma luta dos empresários na arena política para a mudança na legislação laboral.

As benesses dessa flexibilização reflexa vem sendo cada vez mais entendido pelos empresários. Exemplo disso é que a FIRJAN – Federação de Indústrias do Rio de Janeiro - elaborou um documento chamado de “Proposta da FIRJAN para a democratização das relações de trabalho” que sustentava não ser necessário mudanças na Constituição Federal para flexibilizar as normas trabalhistas, pelo fato de haver plena liberdade para que as negociações coletivas o façam. Segundo próprias palavras da Federação: “Essa compreensão

86 Para Santos há uma demanda efetiva de direitos nos tribunais, que é a que chega a estes e é conhecida, e uma

demanda potencial (a demanda suprimida) que não se concretiza principalmente pelo sentimento de impotência sentido por aquele que tem seus direitos violados. (SANTOS, 2007, p. 31)

sistemática de nossa Lei Maior viabiliza não só a transição de modelos, como elimina dúvidas de um desgastante processo de desconstitucionalização de direitos sociais” (FIRJAN, 2000, p. 4). Outro ponto que aparece como necessário para que esta flexibilização se dê é o fortalecimento das formas de prevenção e auto-resolução de conflitos individuais (FIRJAN, 2000, p. 8)

É neste sentido que a presente dissertação considera como flexibilização extra- institucional aquelas obtidas através do princípio da “primazia do negociado sobre o legislado” (negociação autônoma ou de novo tipo), porém, quando esta não decorra de permissão da lei, como ocorre, principalmente, nos casos do uso da autonomia individual (muito comum nas conciliações e outros tipos de MARDs) que vão de encontro a escolha constitucional de tratar os direitos laborais como direitos humanos fundamentais e, portanto, indisponíveis. A imposição da principiologia da “primazia do negociado sobre o legislado” em casos particulares, sem que se enfrente o fato de que a Constituição brasileira impõe uma ordem imperativa ao tratamento dos direitos laborais é uma forma de fraude ao Ordenamento Jurídico brasileiro. A contradição entre os princípios constitucionais e do direito laboral e o uso das MARDs pelo judiciário, através do instituto da conciliação, já foi percebida pelo Banco Mundial. E é apontada como uma brecha para que se consiga a “supremacia do negociado pelo legislado” em um sistema que se funda na Ordem Pública:

Todos os litígios individuais começam com o ajuizamento de uma reclamação trabalhista, pelo trabalhador ou pelo sindicato, na Junta de Conciliação e Julgamento. O empregador é notificado e solicitado a apresentar documentos que o isentem de culpa. Nesse estágio, o processo é completamente burocrático. Nas audiências, o juiz pergunta ao empregador se este gostaria de fazer uma contraproposta ao empregado. Em caso afirmativo, o juiz pergunta ao empregado se a contraproposta lhe é satisfatória. Se o empregado a aceita, o processo é extinto. Caso contrário, o juiz tenta fazer as partes chegarem a um acordo. Se o empregador não fizer uma contraproposta ou se a conciliação não produzir resultados, a audiência é encerrada. A demanda é, então, analisada pelo juiz responsável pela prolatação da sentença.

É importante enfatizar um ponto: sempre há espaço para a negociação! Portanto, são incluídas cláusulas desse tipo, protegidas por lei, nos contratos individuais de trabalho. Na verdade, a maioria das demandas e, portanto, dos direitos negociados, referem-se a direitos individuais cultuados pela CLT e/ou pela Constituição. Os dados mostram que existe uma grande fração (quase 80%) de litígios levados aos tribunais trabalhistas abordando cláusulas já previstas em lei. O procedimento regular é chegar a um acordo entre as partes. Em outras palavras, significa que a possibilidade de negociação de cláusulas individuais previstas em lei é disponibilizada a patrões e a empregados. Mais de 60% das disputas que não são extintas no estágio de conciliação são decididas em favor de ambos, trabalhador e empresa. As decisões que proporcionam vitória total ao trabalhador correspondem a um percentual menor e aparentemente em declínio (10% a 20%), enquanto os litígios decididos em favor do empregador totalizam entre 15% e 30%. (BANCO MUNDIAL; IPEA, 2002, p. 34)

Este viés indireto na tentativa de implantar a flexibilização se apresenta como a nova aposta das empresas, dos neoliberais e as instituições que lhes dão suporte. Atualmente o Banco Mundial, cessou o seu discurso aberto em prol da flexibilização e está concentrando esforços no estímulo à a implantação das MARDs e de reformas judiciais, assim, estes têm conseguido bastantes resultados como se pode observar na grande mobilização no Brasil para a aprovação de reformas processuais e judiciais, reformas estas que têm como pilar introduzir valores de eficiência econômica (como celeridade, baixos custos, previsibilidade) na atividade jurisdicional, dando pouquíssimo enfoque a valores como justiça e equidade.